Ao escolherem António Costa para liderar o PS, os socialistas continuam a dizer que querem que seja José Sócrates a comandar as tropas socialistas, mesmo considerando que está detido sob acusação de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais.
Por Orlando Castro
José Sócrates (juridicamente inocente até prova em contrário) vê assim quebrada a eventual candidatura à Presidência da República. Talvez tenha terminado também o seu objectivo de conquistar o Norte da Europa. Isto porque, enquanto liderou o Governo português, apenas chegou ao Norte de… África.
Até mesmo muitos dos que hoje o acham uma besta, continuam a adiar a afirmação real do seu pensamento. Aliás, são muitos os que, apesar de tudo, continuam a pensar (dizer é mias difícil) que José Sócrates continua a ser bestial.
Também é verdade que muitos socialistas já estão fartos de engolir tantos sapos. Mas… A digestão poderá (calculo) não ser fácil, mas não há nada que uns tantos “enos” não resolvam.
José Sócrates sabe disso. Sempre soube. Aliás, como dono da verdade, sabe que muitas das salgadas pedras que lhe aparecem no caminho lá foram colocadas por socialistas. José Sócrates também sabe que os adversários estão nos outros partidos, tal como sabe – hoje mais do que ontem – que os inimigos capazes de o apunhalar pelas costas estão dentro do seu.
Como em tempos, no auge da poética argelina, dizia Manuel Alegre, também agora José Sócrates pode dizer “a mim ninguém me cala”. Mas será assim?
É claro que, ao contrário de Manuel Alegre (pelo menos para já), não vamos ver Sócrates escrever artigos no jornal Público intitulados “Contra o medo”. Nem sequer ler prosas onde diga que é contra “a confusão entre lealdade e subserviência” no PS.
“Há um clima propício a comportamentos com raízes profundas na nossa História, desde os esbirros do Santo Ofício até aos bufos da PIDE”, escreveu num desses artigos o argelino Manuel Alegre, acusando o Partido Socialista de “auto-amordaçar-se”.
É claro que, ou não fosse José Sócrates como é, esta afirmação (bem como um manancial de outras) foi por ele anotada e sublinhada. Um dia destes todas elas serão devolvidas ao remetente, embora com mais algumas verdades.
Mas, tal como Manuel Alegre deixou de falar dos “esbirros do Santo Ofício até aos bufos da PIDE”, passando a elogiar a democracia e o sentido patriótico de José Sócrates e companhia, também um dia destes vamos ver o ainda ex-sumo pontífice do PS a elogiar a toda irmandade socialista.
A política é isso mesmo: A arte de deixar a coluna vertebral em casa.
Ainda não há muito anos, Ana Benavente, já ex-secretária de Estado socialista, dizia que José Sócrates “tornou-se autocrata, distribuindo lugares e privilégios, ultrapassando até o “centralismo democrático” de Lénine que tanto criticámos.”
Ainda bem, para Ana Benavente, que ela não precisa de emprego. É que os que precisam e que tiveram (são cada vez menos os que ainda têm) a ousadia de dizer coisas parecidas estão no desemprego ou, em alternativa, a tentar dobras as esquinas da vida.
Numa entrevista, publicada em Fevereiro de 2011 pela Revista Lusófona de Educação, a ex-deputada socialista, na altura secretária de Estado da Educação de António Guterres (1995-2001), acusou o PS de aplicar políticas neoliberais e a sua liderança de ser autoritária.
“Fazer do capital financeiro o dono e árbitro do desenvolvimento económico é uma capitulação face ao neo-liberalismo que não é digna de um partido socialista”, acusava Ana Benavente.
Além disso, o que já não é pouco, Ana Benavente acusava o PS de José Sócrates de ter assumido políticas de direita, descurando a justiça social e a sua matriz ideológica, “dirigindo a ‘máquina’ de modo autoritário e sem diálogo, substituindo de tal modo a direita que esta ficou ‘encostada às cordas’”.
A ex-deputada enumerou assim os sete pecados capitais da actual liderança do sumo pontífice socialista, José Sócrates:
“Adopção de políticas neo-liberais e, portanto, abandono da matriz ideológica socialista; Autoritarismo interno e ausência de debate, empobrecendo o papel do PS no país; Imposição das medidas governativas como inevitáveis e sem alternativa, o que traduz dependências nacionais e internacionais não assumidas nem clarificadas para o presente e o futuro; Marketing político banal e constante, de par com uma superficialidade nas bandeiras de modernização da sociedade portuguesa; Falta de ética democrática e republicana na vida pública e na governação; Sacrifício de políticas sociais construídas pelo próprio PS em fases anteriores; Falta de credibilidade, quer por incompetência quer por hipocrisia, dando o dito por não dito em demasiadas situações de pesadas consequências”.
Não está mal. Era um retrato quase (im)perfeito do (im)poluto líder socialista de então que, apesar disse, mereceu a reeleição interna no partido com uma percentagem “mugabeana”.
Para Ana Benavente, “um partido só pode assegurar um longo período de governação quando também utiliza a sua acção governativa para construir, manter e desenvolver a sua própria hegemonia cultural.”
Ora “Sócrates não compreendeu esta simples verdade. Procurou assegurar e legitimar socialmente o seu Governo através da sua adaptação à hegemonia cultural do radicalismo de mercado.”
“O PS abdicou da defesa dos trabalhadores e dos mais desfavorecidos. Considerou que bastava defender questões ditas “fracturantes” como é o caso do casamento entre pessoas do mesmo sexo para manter uma imagem de esquerda. E foi buscar protagonistas de tais causas, independentes do PS, para as defender. Discordo em absoluto”, afirmou ainda Ana Benavente.
Reconheça-se, apesar disso, que José Sócrates fez tudo para que os milhares e milhares de desempregados, os 20% de pobres e os outros 20% que para lá caminham, aprendessem (fosse ou não nas Novas Oportunidades) a viver sem comer. Esse é um mérito que ninguém lhe pode tirar.
Todos os que tentaram seguir as teses de José Sócrates estiveram muito perto de saber viver sem comer. Mas quando estavam quase lá… morreram. Os que sobreviverem, hoje sorriem.