Cerca de 30 jovens participaram hoje num protesto contra a falta de soluções para o lixo na cidade de Luanda, alertando para os riscos para a saúde pública e pedindo soluções sustentáveis e de longo prazo. Há 45 anos que o MPLA mostra do que é capaz. Embora os especialistas externos lhe digam para deixar a porta aberta, o MPLA acha que a solução é deixar a Berta à porta… “Venda de lixo é bom negócio”, dizia o Jornal de Angola em 16 de Setembro de 2012.
“Isto é um grito de socorro contra a situação que se vive”, gritou ao megafone, Israel Campos, um dos organizadores da manifestação pouco antes das 13:00, hora a que os jovens concentrados no Largo das Heroínas iniciaram o desfile em direcção ao Largo 1.º de Maio, uma das praças emblemáticas de Luanda onde têm terminado muitas das marchas organizadas nos últimos tempos.
Ao contrário de protestos mais recentes, marcados por actos de violência entre polícia e manifestantes, hoje tudo decorreu de forma calma e ordeira, com a organização a solicitar o cumprimento do distanciamento social entre o pequeno grupo.
A escassa mobilização não demoveu, no entanto, os jovens que convocaram o protesto e que se mostraram mais preocupados com a causa do que com o número de participantes.
Envergando t-shirts com os dizeres “Luanda Lixada”, os jovens exprimiram também através de cartazes caseiros as preocupações que têm afligido os municípios de Luanda nos últimos meses face ao lixo acumulado, obrigando o presidente angolano a criar, na semana passada, uma comissão interministerial emergencial para lidar com o problema que tem deixado a governadora Joana Lina sob crescente pressão.
“Uma casa suja diz muito sobre os donos”, “Luanda: Cidade do Lixo”, “O povo angolano não é lixo” ou “Menos moscas, mais saúde” eram algumas das frases exibidas nos posters.
Para o jornalista Israel Campos, de 21 anos, este é um problema que afecta substancialmente a saúde pública: “Temos muita gente nos hospitais a padecer de doenças como malária, febre tifóide, etc., por causa dos mosquitos, das chuvas e do lixo”.
A ministra da Saúde, Silvia Lutucuta, que integra a comissão interministerial, admitiu na semana passada que a falta de higiene pode desencadear um surto de cólera e os médicos tem denunciado o aumento dos casos de diarreias e gastroenterites nos hospitais.
“Queremos chamar a atenção das mossas autoridades para que se encontre uma forma sustentável de resolução da problemática do lixo”, em vez de paliativos, disse à Lusa Israel Campos, sublinhando que a gestão do país tem de ser descentralizada e que a resolução dos problemas não pode passar sempre pelo Presidente da República.
O problema do lixo arrasta-se desde Dezembro, altura em que o Governo Provincial de Luanda, suspendeu os contratos com seis operadoras por incapacidade de pagar uma dívida que ascendia a mais de 300 milhões de euros.
Em Fevereiro o presidente João Lourenço, autorizou a despesa para um concurso emergencial de serviços de limpeza e, em Março, foi anunciado que sete novas empresas iriam assegurar a gestão de resíduos. No entanto, a alegada falta de experiência e de capacidade técnica dos novos operadores, bem como a falta de transparência (quem diria, não é?) dos concursos tem sido questionada.
“Moscas, muitas moscas em todo o sítio”, disse Tchissala Figueiredo a propósito de um dos impactos mais visíveis na capital angolana das montanhas de lixo acumulado, que se reflecte também num aumento das doenças.
“Essa é uma grande preocupação, qual vai ser o impacto da saúde pública com o lixo que se tem acumulado”, salientou a jovem estudante de 21 anos.
Tchissala Figueiredo quis participar na marcha para mostrar a “insatisfação com a má gestão dos resíduos sólidos em Luanda”, destacando que o problema não é de hoje.
“É inconcebível que até hoje não consigamos dar resposta a isso. Quando o mundo já está virado para a resolução de problemas ecológicos, nós ainda estamos focados em se vão recolher o lixo ou não. Isso é ridículo”, desabafou.
Sobre a limpeza desencadeada desde que a comissão interministerial entrou em campo, afirmou que já se fazem sentir algumas diferenças, mas depende muito dos bairros em que se vive.
“Agora incomoda mais porque há muito lixo na cidade, mas na periferia sempre houve lixo, Luanda nunca foi uma cidade limpa”, lamentou Tchissala Figueiredo, pedindo “soluções a longo prazo”.
A estratégia do MPLA para o lixo
«Milhares de famílias do Cazenga e dos municípios limítrofes encontram na venda de resíduos sólidos, no posto de transferência de Kalawenda, uma forma de sustento. Promovido pelo Governo Provincial de Luanda, o projecto “Luanda Limpa” ajuda a manter as ruas mais asseadas», escrevia o jornal oficial do MPLA (Jornal de Angola) no dia 16 de Setembro de 2012.
Para gáudio do MPLA e seus sucedâneos, eis, na íntegra, o artigo do JA intitulado “Venda de lixo é bom negócio”:
«Milhares de famílias do Cazenga e dos municípios limítrofes encontram na venda de resíduos sólidos, no posto de transferência de Kalawenda, uma forma de sustento. Promovido pelo Governo Provincial de Luanda, o projecto “Luanda Limpa” ajuda a manter as ruas mais asseadas e organizadas, ao mesmo tempo que beneficia quem vende o lixo.
A secção de recepção de resíduos sólidos é reservada ao registo dos vendedores e à facturação. Aqui, os vendedores apresentam-se com o recebido da quantidade dos sacos comercializados e é-lhes passada a factura, para depois receberem o dinheiro correspondente no BPC. O lixo é um negócio lucrativo e positivo para o meio ambiente se for correctamente tratado.
Dina Bernardo, moradora no município do Cazenga, considera a venda de lixo rentável e afirma que encontrou nesta actividade a melhor forma de conseguir dinheiro para sustentar os filhos. ”Com o dinheiro que arrecado na comercialização do lixo, consigo comprar comida, material escolar e outros bens para casa”, explica, ao mesmo tempo que esclarece ter iniciado esta actividade no segundo dia do início do projecto.
Segundo ela, a grande vantagem do “Luanda Limpa” é o pagamento ser efectuado na dependência do BPC, o que permite às pessoas poderem fazer poupança.
Lutemuca da Costa, outra comerciante de resíduos sólidos, referiu que a decisão do Governo Provincial em comprar o lixo à população vai ajudar muitas pessoas a libertarem-se da pobreza que aflige muitas famílias e a ter uma cidade cada vez mais limpa. “Sinto-me orgulhosa daquilo que faço”, frisou.
O lixo que vende resulta da produção diária da sua residência e na recolha que faz durante o dia. “O pouco que consigo amealhar ajuda a minimizar algumas carências existentes em casa”, referiu. Cecília Domingos está no posto do Kalawenda a vender lixo. Humildemente, disse ao Jornal de Angola que, “para conseguir um pouco mais de dinheiro, tenho de recolher quantidade para vender. O preço estipulado na compra é muito baixo para o esforço feito e isso tem criado alguma desmotivação por parte dos vendedores”, adiantou.
Depositar dinheiro na agência bancária é uma forma comum de investimento, mas serve como suporte para a realização de sonhos pessoais e para casos de emergência. Cecília Domingos garante que tem mantido os valores de venda do lixo no banco. “Lá fica mais seguro e só levanto quando necessito. É uma poupança que faço”, referiu.
Para Gertrudes Tomás, este tipo de negócio, que é menosprezado por muitos, é rentável e está a ajudar muita gente. “Com paciência, a vender o lixo a cem kwanzas, em cinco dias consigo 500. Para mim já é muito”, reconheceu, acrescentando que antigamente o lixo não tinha valor e que esta medida foi bem tomada”.
As pessoas menores de 18 anos estão proibidas de vender lixo em qualquer posto de transferência de resíduos sólidos espalhados na cidade de Luanda. Gertrudes Domingos regozija-se com esta medida tomada pelo Governo de Luanda, por considerar que assim as crianças não abandonam os estudos para venderem lixo. “Muitas crianças estão viciadas em arranjar dinheiro. Com esta oportunidade, muitas delas podiam fugir da escola para procurar lixo para vender, por isso a proibição foi bem tomada”, considerou.
O gestor do ponto de transferência do lixo de Kalawenda, no município do Cazenga, Agostinho Kiosa, garante que a adesão é grande, embora no início as pessoas estivessem cépticos.
Este posto recebe diariamente mais de 500 sacos de lixo. Os preços são uniformizados, uma vez que os resíduos sólidos não são pesados. Agostinho Kiosa confirmou ao Jornal de Angola que por cada saco de 50 ou 100 litros é paga a quantia de cem kwanzas.
Os pontos de transferência compram todo o tipo de lixo doméstico. Não são aceites pedras, areia, cimento, entulho, carcaças, sucatas, electrodomésticos, líquidos, lixo hospitalar, pilhas, baterias, óleos, materiais em decomposição e tudo o que seja perigoso para a saúde. O lixo deve ser entregue em sacos apropriados de 50 e 100 litros.
A distância e a falta de meios para transporte do lixo têm sido o grande calcanhar de Aquiles. Agostinho Kiosa explicou que é obrigação dos vendedores levarem-no até ao ponto de transferência e depois receberem as suas gratificações.
“Em princípio, o projecto foi concebido para encorajar as pessoas a não guardar o lixo em casa”, disse o gestor do posto de transferência de Kalawenda, acrescentando que “os cidadãos que vivem distantes do ponto de transferência e que não têm a possibilidade de transportar o lixo, têm os camiões, que recolhem e depositam no aterro sanitário dos Mulenvos. Todo o lixo que é transportado pelos nossos meios, de casa dos cidadãos até ao aterro, não é comercializado”, referiu.
O projecto é de âmbito provincial e pode expandir-se a outras províncias. Em Luanda, estão em funcionamento três pontos de transferência: o de Kalawenda, no Cazenga, Embondeiro Rasta, no Kilamba Kiaxi, e Zango, em Viana.
Agostinho Kiosa adiantou que está para breve a inauguração de mais cinco pontos no Cazenga e um no Tunga Ngó, município do Rangel, “para dar maior abrangência à venda dos resíduos sólidos por parte dos munícipes”, referiu.
“O meu apelo vai no sentido de os munícipes do Cazenga não guardarem o lixo em casa levando-o ao posto para a sua comercialização”, salientou. Aos que vivem longe sugere que optem por aluguer motorizadas de três rodas, “Kupapata”. “Colaborem para melhor manter Luanda limpa”, concluiu Agostinho Kiosa.
Em breve, vai dar-se início ao processo de reciclagem do lixo para a sua valorização.»
Folha 8 com Lusa