O Programa Alimentar Mundial (PAM) indica que entre 65% a 80% dos agregados familiares angolanos estão a consumir cereais e tubérculos que não são de produção própria devido à seca e que muitos dependem de ajuda para se alimentarem. Será só devido à seca? Ou tem muito (muito mesmo) a ver com a incompetência de um Governo que existe para se servir a não para servir?
Num relatório, de Fevereiro deste ano, denominado “Monitorização da Época Chuvosa 2020-2021 em Angola”, refere que desde Outubro de 2020 que o PAM está a fazer uma monitorização remota da vulnerabilidade dos agregados familiares a insegurança alimentar, através de chamadas telefónicas.
Insegurança alimentar mensurável, in loco, pelo estrondoso aumento de quem recorre ao novo serviço de “self-service” implementado pelo governo do MPLA (no Poder há 45 anos) e que se baseia no aumento dos locais onde os 20 milhões de pobres podem recolher, gratuitamente, alguns alimentos: as lixeiras.
Esta avaliação do PAM tem como objectivo fornecer dados de alta frequência para monitorizar tendências de segurança alimentar em tempo real, tendo os dados dos últimos meses indicado que acima de 65% dos agregados familiares estão a consumir cereais e raízes/tubérculos provenientes de compras.
“O consumo de produtos de produção própria tem um peso de 16% nos cereais e 29% nas raízes e tubérculos. Outras fontes de alimentos citadas são remessas regulares de familiares e ofertas ocasionais”, indica-se no relatório.
Nos últimos meses, as províncias das zonas costeira e central de Angola tiveram chuvas abaixo da média, com destaque para o Cuanza Sul, Benguela, Huambo, Namibe e Huíla, com menos de 40% da média, e Bié e noroeste do Cuando Cubango, entre 40% e 60% da precipitação média.
Já as províncias do Uíje, parte sul do Moxico e grande parte das províncias do Cunene e Cuando Cubango tiveram precipitação acima da média.
“Uma comparação da precipitação observada desde 1981 indica que as províncias do sudoeste registaram a pior seca dos últimos 40 anos, durante os meses de Novembro de 2020 a Janeiro de 2021”, lê-se no documento.
As chuvas abaixo da média, realça o relatório, fizeram piorar o estado da vegetação, entre Dezembro de 2020 e Fevereiro de 2021, indicando os dados que as províncias de Luanda, Cuanza Sul, Benguela, Huambo, Namibe, Huíla, parte oeste do Cunene estão com 50% a 70% da vegetação média, o que poderá reduzir a produtividade agrícola e qualidade de pastos.
O Cuanza Sul, Benguela, Huambo, Namibe e Huíla começaram a registar precipitação muito abaixo da média a partir de Dezembro de 2020, observando-se uma cobertura vegetal abaixo da média e com tendência decrescente até à segunda semana de Fevereiro deste ano, nessas regiões.
O período chuvoso nas províncias afectadas geralmente termina na primeira semana de Maio, realça a pesquisa, lembrando que faltam apenas dois meses para o fim da época chuvosa.
“Se a escassez de precipitação prevalecer haverá baixas colheitas da primeira safra e haverá poucas oportunidades de sementeiras de segunda safra, por falta de humidade residual no solo. Dependendo da severidade da seca, algumas regiões poderão ter escassez de água para o consumo humano, tal como aconteceu em 2019”, alerta.
A organização das Nações Unidas recomenda uma monitorização contínua da precipitação, de modo a identificar as províncias e municípios mais críticos “para uma avaliação profunda de segurança alimentar e nutricional pós-colheita, com o objectivo de medir com detalhe a magnitude e severidade dos impactos da escassez da chuva na segurança alimentar e nutricional”.
“É aconselhável que os sectores e entidades que lidam com segurança alimentar e nutrição desde já esbocem possíveis intervenções de mitigação a insegurança alimentar aguda e a desnutrição aguda para o período de escassez, que irá de Setembro 2021 a Março de 2022”, aconselha o estudo.
A falhada recuperação económica e a não conseguida diversificação da economia, entre a continuada crise petrolífera, são realidades que Angola enfrenta sob as ordens de João Lourenço, sendo que não será a revisão pontual da Constituição que vai alterar o altíssimo nível de incompetência de quem nos (des)governa há 45 anos.
Empossado como terceiro Presidente da República de Angola a 26 de Setembro de 2017, João Lourenço admitiu em Novembro as dificuldades que tinha pela frente, desde logo ao colocar a tónica no combate à corrupção, uma enfermidade instituída pelo MPLA mesmo antes da chegar ao poder.
“Sei que existem inúmeros obstáculos no caminho que pretendemos percorrer, mas temos de reagir e mobilizar todas as energias para que esse cumprimento se efective nos prazos definidos”, apontou João Lourenço. Apontou, sentou-se e tentou fazer com que as couves crescessem por decreto. O resultado está à vista. O MPLA, por não acreditar no que os colonos portugueses faziam, decretou que as couves deveriam ser plantadas com a raiz para cima…
Seguiram-se dezenas e dezenas de exonerações de quadros ligados a Eduardo dos Santos, substituídos por quadros ligados a João Lourenço, muitos dos quais (tal como o próprio João Lourenço) pouco antes juraram fidelidade ao anterior presidente.
No plano económico, com um crescimento insignificante em 2016 e pouco melhor em 2017, à volta de 1%, João Lourenço já fez saber que os próximo anos não seriam de facilidades.
Recorde-se que na pré-campanha eleitoral, em Benguela, João Lourenço afirmou que o governador provincial (agora exonerado), Rui Falcão, era obrigado a ‘’transformar a região numa Califórnia em Angola’’, capaz de mexer com a economia e gerar empregos. Isto porque João Lourenço considerava que o agro-negócio, a pesca, a indústria e o turismo podem elevar Benguela à categoria de uma região norte-americana, a Califórnia.
Água não falta. O que falta é competência
Tal como pretende o governo do MPLA, não interessa ensinar a pescar nem mandar peixe. Interessa é mandar dinheiro para, supostamente, ensinar a pescar e comprar peixe. Assim, por exemplo a União Europeia vai lançando tranches de muitos milhões de euros para financiar projectos de organizações da sociedade civil nas províncias da Huíla, Cunene e Namibe, afectadas pela seca. Isso acontece, por exemplo, no âmbito do pomposo projecto de Fortalecimento da Resiliência e da Segurança Alimentar e Nutricional em Angola (FRESAN).
O FRESAN é um projecto financiado pela UE para o apoio às províncias do sul de Angola mais afectadas pela seca e ameaçadas pelos efeitos das alterações climáticas, designadamente Huíla, Cunene e Namibe. Segundo um estudo do FRESAN, a situação de seca nas províncias da Huíla, Namibe e Cunene afecta pelo menos 1.139.064 angolanos da região. Pelo menos.
É claro que o Titular do Poder Executivo está atento. Prova disso é o contrato rubricado com o Japão e destinado ao sector dos transportes, avaliado em 600 milhões de dólares e que, ao que tudo indica, visa transportar… água para as regiões carenciadas.
Seca é uma galinha de ovos de ouro para o MPLA
Em Maio de 2019, as Nações Unidas disponibilizaram a Angola 6,4 milhões de dólares (5,7 milhões de euros) para ajudar o Governo a fazer face à crise de seca no sul do país. E o que faz o Governo? A fazer fé no seu crasso historial de incompetência gasta o dinheiro mas, é claro, mantendo mais esta galinha dos ovos de ouro, de modo a que a seca continue e as doações também.
Em comunicado, as Nações Unidas anunciaram que a referida ajuda se enquadrava no Fundo Central de Resposta a Situações de Emergência (CERF, na sigla em inglês) e deverão ser aplicados em projectos nas províncias do Cunene, Huíla, Bié e Namibe, para beneficiar 565.000 pessoas afectadas pela seca.
O actual CERF vai beneficiar cerca de 25% do total de 2,3 milhões de pessoas que as Nações Unidas estimam estarem a ser afectadas pela seca e consequente insegurança alimentar no sul de Angola.
As áreas de nutrição, água e saneamento, agricultura e segurança alimentar, saúde e protecção são as que vão merecer (em tese) a atenção do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), do Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP) e da Organização das Nações Unidas para a Saúde (OMS), as agências encarregues de implementar as ajudas.
O documento sublinha que 44% do total do fundo será direccionado para a nutrição, 27,8% para a água e saneamento e o restante será dividido entre os projectos de saúde, segurança alimentar e agricultura e protecção.
“O severo impacto da seca no sul tem levado à deterioração rápida dos meios de subsistência da população. Segundo dados do Governo provincial do Cunene, o número de pessoas que precisam de ajuda humanitária nessa província aumentou de cerca de 250 mil, em Janeiro de 2019, para 860 mil em Março deste ano, o que representa já 80% do total da população da província”, realça a nota.
A ONU estima que 2,3 milhões de pessoas não estão em condições de satisfazer as suas necessidades nutricionais nas quatro províncias mais afectadas, sendo que cerca de 490 mil são crianças com menos de cinco anos. O apoio inclui igualmente a saúde e protecção de cerca de 37 mil mulheres grávidas.
As Nações Unidas consideram que para fazer face à crise e situação de emergência que o país vive seriam necessários 92 milhões de dólares (82,4 milhões de euros), pelo que os 6,4 milhões de dólares disponibilizados correspondem a 6,9% do total das necessidades estimadas.
Enquanto isso, o Governo dá ao mundo o exemplo da ementa que pratica: Trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas e umas garrafas de Château-Grillet 2005…