O Cedesa, centro de pesquisa de assuntos políticos e económicos de Angola, defende que a industrialização só avançará no país se não existir “corrupção massiva” e “barreiras de acesso aos mercados”, com uma “justiça funcional” e “impostos razoáveis”. Então o melhor é esperarmos sentados, tal como esperamos há 45 anos pela diversificação económica que, por sinal, estava em grande pujança quando Portugal vendeu Angola ao MPLA.
Para aquela entidade, que resulta de uma iniciativa de vários académicos e peritos que se encontraram na ARN (‘Angola Research Network’), “qualquer projecto de relançamento da indústria tem de começar por ter o contexto adequado. Esse contexto é de uma economia livre, com um clima social propício ao investimento”.
Os investigadores defendem a inexistência de “corrupção massiva” e de “barreiras no acesso aos mercados”, e propõem uma “justiça funcional” e “impostos razoáveis” para os cidadãos. Em síntese, propõe um outro país.
A “desburocratização da administração pública” angolana e a existência de um “Estado pró-negócios”, são outros dois pressupostos de base apontados pelo Cedesa.
“A corrupção distorce as regras da competição económica e inviabiliza, o livre acesso aos mercados, condições fundamentais para o desenvolvimento industrial”, refere a organização. Além disso, “os empresários devem ter liberdade para obter os seus factores de produção e se instalarem a produzir”.
Por outro lado, o sistema de justiça, “não deve ser visto como corrupto, lento e incompetente, mas como aplicando as regras, punindo quem não cumpre contratos e havendo formas legais e normais de cobrança de dívidas”. Continuam, corrobore-se, a propor a construção de um novo país, já que o MPLA (que governa o país há 45 anos) subverteu irreversivelmente as regras de um Estado de Direito Democrático.
Quanto aos impostos, “devem ser tendencialmente moderados e não sufocar a actividade produtiva”.
Por último, o Estado deve ter um papel “fomentador e pró-activo” na industrialização, apontando e enquadrando caminhos, construindo infra-estruturas, qualificando a sua mão-de-obra e estabelecendo parcerias.
Um caminho complexo para o país de África, onde a corrupção é considerada o mal maior, com uma administração pública “ineficiente”, incompetente e criminosa.
Em relação à elaboração de um plano de desenvolvimento da industrialização do país, o Cedesa defende que qualquer proposta deve contemplar uma “agricultura forte” (em que, como faziam os portugueses, as couves devem ser plantadas com a raiz para baixo), com aposta na agro-pecuária, uma nova visão industrial já não tão ligado a grandes investimentos pesados e a procura de valor acrescentado.
Em vez de “meras cópias de modelos industriais” de outros países, o executivo deve “perceber onde Angola tem benefícios em se industrializar”. O Governo sabe isso. Mas, é claro, só permite se uma boa percentagem do investimento for directamente para as contas pessoais dos seus dirigentes.
Na sua proposta, o Cedesa propõe também o aproveitamento das riquezas naturais para a produção industrial, acrescentando “valor em lugar de exportar em bruto, deixando que as mais-valias sejam apropriadas por outros”.
“Aqui temos o exemplo mais óbvio que é o do petróleo. O que tem sentido é desenvolver a indústria a jusante do petróleo: refinação, petroquímica, plásticos, fertilizantes”, pode ler-se na proposta do Cedesa.
Os dados mais recentes referentes ao peso da indústria transformadora (excepto refinação de petróleo bruto), do segundo trimestre de 2020, apontam para uma contribuição de 4,8% para o Produto Interno Bruto do país. Essa contribuição era de 3,69% em 2002, e 4% em 2017 e 2018.
Em Julho de 2020, o Cedesa considerou que o Orçamento Geral do Estado revisto mostrava que Angola terá “a maior contracção dos últimos 38 anos”, mas que o preço estimado do petróleo dava margem ao Governo para reformas.
“Na verdade, segundo o relatório de fundamentação do OGE revisto, elaborado pelo Ministério das Finanças, projecta-se a maior contracção da economia angolana dos últimos 38 anos, com o Produto Interno Bruto a contrair -3,6%”, afirmou o Cedesa, numa análise ao OGE revisto de Angola.
Porém, o grupo de académicos portugueses e angolanos consideraram que “se o OGE revisto prevê um preço de 33 dólares por barril [de petróleo] e este vai estando acima dos 40 dólares, podendo subir” isto “quer dizer que existe alguma margem de manobra para o Governo” poder fazer as reformas necessárias.
Reformas que deveriam ter sido iniciadas há décadas, quebrando a patológica dependência do petróleo. No entanto, segundo o único partido que governa Angola há 45 anos, o MPLA, isso só será exequível daqui a 55 anos, altura em que o partido comemorará 100 anos de governação que quer ininterrupta.
O valor de 33 dólares por barril de petróleo, principal e quase exclusiva fonte de receita da economia angolana, na base do qual foi traçada a revisão do OGE, é um valor “meramente indicativo, pois muitos dos contratos petrolíferos já estão com preços anteriormente estabelecidos e não dependem de oscilações”, salientava o Cedesa.
Além disso, “parece existir uma tendência para ter o preço acima dos 40 dólares, ao mesmo tempo que, no curto prazo, não se vê razão para não começar a existir um aumento da procura do petróleo ligado à recuperação das economias mundiais”.
A tudo isto liga-se ainda “a instabilidade cada vez mais intensa no Golfo Pérsico e os problemas na Venezuela”, enumeravam os académicos.
Todos estes factores conjugados “poderão contribuir para alguma pressão no sentido da subida do preço do petróleo”, concluem no documento, alertando, porém, que essa subida “não deverá ser tão acentuada que volte a inundar Angola de petrodólares”.
De acordo com o OGE, a grande quebra do PIB é provocada pelo petróleo e, “por ironia”, são os outros sectores da economia angolana que acabam por conter a queda, realça a análise.
Assim, o Cedesa, refere que o PIB do sector de hidrocarbonetos (petrolífero e gás) angolano iria contrair em 7,0%, enquanto a taxa de crescimento média projectada para os demais sectores se situou em -2,1%, para considerar que “facilmente se percebe que a grande quebra do PIB é provocada pelo petróleo e que são os outros sectores que ainda seguram a queda”.
No relatório, com o título: “A revisão do Orçamento Geral e a reforma da economia angolana”, o Cedesa destacava ainda as projecções que apontavam para um défice fiscal equivalente a 4,0% do PIB, o que representava um agravamento de 5,2 pontos percentuais face ao valor previsto no OGE inicial para este ano.
Deste modo, “o saldo primário deverá estar em torno dos 2,2% do PIB, um valor inferior ao inicialmente projectado em 4,9 pontos percentuais. O actual valor do Orçamento reflecte uma redução de 15,7% relativamente ao OGE 2020 inicial”.
“Naturalmente, um OGE mais pequeno, reflecte uma economia mais pequena”, sublinhava o Cedesa.
Um outro aspecto que os académicos destacavam no documento revelado na altura era o facto de o Estado passar a gastar (supostamente) mais com o sector social do que com os juros da dívida pública, “não tanto por Angola ter aumentado as despesas sociais, mas de se ter diminuído o pagamento da dívida pública, resultado da negociação com a China, que, aparentemente, concedeu uma moratória de capital e juros por três anos”.
Assim, “quer o preço orçamentado para o petróleo, quer a posição da China permitem que Angola, apesar da intensa recessão económica em que se encontra, ainda tenha margem de manobra para definitivamente reformar a sua economia”, concluíam.
Quanto às reformas que se impõem em Angola, o relatório apontava (repetia) a “erradicação da grande corrupção, liberalização do acesso aos mercados, promoção efectiva do investimento privado, intensificação da produção interna, transferências directas sujeitas a condição educativa ou de saneamento para as populações mais desfavorecidas”.
Folha 8 com Lusa