O ministro do Interior angolano, Eugénio Laborinho, afirmou que os cidadãos não devem olhar para os órgãos de polícia “como seu inimigo”, mas salientou também que “não há direitos absolutos” e que estes estão nivelados. É brilhante a pedagogia do ministro. Por alguma razão, com 18 anos, em 1973, já tinha o curso de professores de Posto…
“I mporta referir que nenhum direito é absoluto, pelo que, sempre que quisermos exercer alguma acção contemplada na lei, como sendo um direito fundamental, precisamos de estabelecer o grau de empatia e fazer o exercício de nos colocar no lugar daqueles que vão ressentir o efeito da sua acção, visto que os direitos fundamentais estão nivelados”, destacou, no seu discurso de encerramento do Conselho Consultivo Alargado.
Como exemplo, Eugénio Laborinho indicou que os cidadãos têm o direito de se manifestar, mas isso “não legitima impedir que os outros circulem ou danifiquem os bens públicos ou privados”.
Nas últimas semanas, duas tentativas de manifestação foram violentamente reprimidas pela polícia em Luanda, terminando com detenções, incluindo de jornalistas, e, pelo menos, uma morte.
Para Eugénio Laborinho, “é fundamental que os cidadãos não olhem para os órgãos de Polícia como seu inimigo”, mas compreendam a essência do seu trabalho que pressupõe “defender quem tem razão, estando sempre do lado da Lei, responsabilizando quem a viole” com vista ao cumprimento da legalidade.
“Neste sentido, dirijo uma palavra a todos os angolanos, para que no exercício dos seus direitos, como a liberdade de expressão, livre circulação, manifestação e outros, tenham em atenção o postulado na Constituição e na Lei”, exortou o ministro, acrescentando que o direito de informar ou ser informado “não pode ser motivo para que o outro não exerça os seus direitos de resposta ou de interposição de uma acção judicial”.
Eugénio Laborinho reconheceu que existem “falhas” e desculpou-se por “eventuais irregularidades ou excessos de zelo”, prometendo que serão corrigidos.
Clarificou ainda que os órgãos de polícia “existem para garantir a ordem e a legalidade democrática, independentemente da filiação partidária, religião, raça, nacionalidade do cidadão”, e servem os interesses de todas as instituições e de todos os cidadãos.
Só uma semana depois da última manifestação, que aconteceu a 11 de Novembro, na sequência da qual foi morto um estudante, o Governo falou de “excessos” a propósito da intervenção policial, pelas vozes dos ministros do Interior e da Justiça e Direitos Humanos, Francisco Queiroz.
Recorde-se que a actuação da polícia durante as várias fases de cumprimento das medidas de prevenção e combate à pandemia da Covid-19 tem sido, desde há muito, criticada pela sociedade civil devido ao uso excessivo de força, tendo em conta os vários incidentes envolvendo polícias e cidadãos, que resultaram em várias mortes que, naturalmente, não são imputáveis às forças militares e policias porque, como se sabe, há cidadãos que teimam em voar em direcção às balas disparadas para o ar.
Em Junho, Eugénio Laborinho sublinhou que os efectivos do Ministério do Interior “desde sempre, consentiram muitos sacrifícios em prol do superior interesse da nação e da satisfação das necessidades colectivas”. É verdade. Ao que parece esses sacrifícios datam do tempo em que D. João II era rei de Portugal e deverão continuar até que o MPLA complete 100 anos de governação ininterrupta (só faltam 55).
“Sacrifícios que levaram muito dos nossos compatriotas de trincheira a perderem a vida no cumprimento da missão, pelo que, aproveitamos o momento para honrar os feitos alcançados por eles”, disse Eugénio Laborinho. “De trincheira”, não nos esqueçamos. Por alguma razão, na página oficial do Ministério do Interior na Internet esteve escrito que Eugénio César Laborinho “com o vasto currículo, no domínio de defesa e segurança, foi a aposta certa para assumir os desígnios do Ministério do Interior”.
Eugénio Laborinho avisou no dia 3 de Abril que a polícia iria reagir de forma adequada ao comportamento dos cidadãos, mas não ia “distribuir chocolates e rebuçados” perante os actos de desobediência ao estado de emergência.
Eugénio Laborinho, que falava numa conferência de imprensa em Luanda, após a primeira semana de estado de emergência, decretado em Angola para (supostamente) combater a pandemia provocada pelo novo coronavírus, explicou de forma muito clara e assertiva como, aliás, é seu timbre: “Estamos a aplicar multas, estamos a deter pessoas”.
Entre a acção musculada que é típica do ministro registe-se que até ao passado dia 22 de Junho, 1.007 pessoas foram detidas por violação de fronteiras, 183 por desobediência às medidas do estado de excepção, nove por especulação, oito por corrupção e dois por posse ilegal de armas de fogo.
Os detidos por situações de desobediência ou incumprimento do decreto que determina o estado de emergência ficaram em celas “de quarentena” próprias, criadas para o efeito. Presume-se que, nessa quarentena sejam alimentados, o que sempre é melhor do que ser “livre” e estar preso dentro de casa sem… comida.
“Temos estado a actuar em conformidade com a lei e as próprias medidas que vamos tomando dependem do grau de intervenção de cada caso e somos criticados [por isso]”, disse o governante, acrescentando: “A polícia não está no terreno para servir rebuçados, nem para dar chocolates, ela vai actuar conforme o comportamento de cada cidadão ou de cada aglomerado”.
“A Polícia Nacional, deve continuar a garantir a manutenção da ordem e da segurança pública através da melhoria e da ampliação da rede policial em todo o território nacional, aperfeiçoar e alargar o policiamento de proximidade, estreitando-se a relação de confiança com os cidadãos, devolvendo assim, o sentimento de segurança pública”, referiu na altura Eugénio Laborinho.
Em Agosto uma investigação da Amnistia Internacional responsabilizou as forças de segurança angolanas pela morte de pelo menos sete homens, incluindo um jovem de 14 anos, entre Maio e Julho, no âmbito das restrições para conter a Covid-19.
Um comunicado de imprensa divulgado pela Amnistia Internacional referiu na investigação, realizada em colaboração com a organização de defesa dos direitos humanos angolana OMUNGA, que as vítimas foram homens, tendo o mais jovem 14 anos. Para as duas organizações, o número real de mortes “será provavelmente muito mais elevado”.
Segundo o documento, através de entrevistas com amigos e familiares das sete vítimas, bem como testemunhas oculares, foram reunidos pormenores sobre os assassinatos.
“As forças da ordem angolanas têm repetidamente usado força excessiva e ilegal na sua resposta a infracções às normas do estado de emergência impostas para conter a propagação da Covid-19”, refere a Amnistia Internacional.
A nota realça que as histórias contadas por familiares e testemunhas oculares “são aflitivas”. “Um adolescente, que já estava prostrado no chão ferido, foi baleado no rosto; outro foi morto quando a polícia disparou contra um grupo de amigos, que jogavam num campo desportivo. O estado de emergência não justifica de forma alguma violações de direitos humanos tão chocantes”, comentou Deprose Muchena, director da Amnistia Internacional para África Oriental e Austral.
“É imperativo que seja ordenada uma investigação completa, independente, imparcial, transparente e eficaz a estes homicídios e que os seus autores sejam presentes à justiça e submetidos a julgamentos justos. Tem que haver uma supervisão atenta que assegure o cumprimento das normas internacionais de direitos humanos pelas forças de segurança angolanas responsáveis pela aplicação das medidas de prevenção da Covid-19”, lê-se no documento.
As duas organizações sublinharam que o uso excessivo da força e de armas de fogo pela polícia têm frequentemente como alvo as comunidades mais desfavorecidas, tendo todos os homicídios ocorrido em bairros mais carenciados.
“Há investigações criminais em curso contra os agentes estatais suspeitos da autoria das mortes de Mário, Altino, Clinton, Mabiala Kilson, João, António e Cleide”, destacava o documento, informando que “a associação Mãos Livres está a oferecer auxílio jurídico para assegurar uma investigação imediata, completa, independente e imparcial às violações e abusos de direitos humanos, para que os presumíveis responsáveis sejam presentes à justiça e as famílias das vítimas recebam justiça e reparações eficazes, incluindo uma indemnização adequada”.
“As autoridades angolanas devem assegurar que as investigações em curso sejam ágeis, independentes e imparciais. Os suspeitos de responsabilidade por violações e abusos de direitos humanos devem prestar contas pelos seus actos e devem ser proporcionadas às famílias justiça, verdade e reparação”, disse o director executivo da OMUNGA, João Malavindele.
O activista, citado no documento, considera que “ninguém deveria ter que temer pela sua vida e as autoridades angolanas devem responsabilizar qualquer pessoa que arbitrariamente prive outra dos seus direitos, nomeadamente o direito à vida”.
Folha 8 com Lusa