O Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) lamentou hoje que Angola não seja um Estado de Direito Democrático. Concretamente, lamentou a “indisponibilidade do Estado” em apoiar os órgãos de comunicação social privados, em “situação crítica de tesouraria”, observando ser um direito legal que lhes “é recusado há décadas”.
Por Orlando Castro (*)
Numa nota com a epígrafe “Imprensa Privada sem o Apoio do Estado”, o SJA disse que o esforço empreendido em conjunto com a direcção dos órgãos no sentido de conseguir apoio para a imprensa privada “acabou inglório”.
Por vontade do Estado/MPLA, para além de Angola só precisar de ter um partido, também lhe basta a honorável existência do Jornal de Angola (do MPLA), da TPA (do MPLA) da RNA (do MPLA). Por isso, para os altíssimos e divinais donos do país (“O MPLA é Angola e Angola é do MPLA”), jornalista bom é jornalista morto.
“O Sindicato dos Jornalistas Angolanos foi informado de que o Estado não tem disponibilidade para apoiar especificamente a imprensa, devendo esta aproveitar as medidas já existentes”, lê-se no documento.
O SJA, afirmou, no entanto, não vislumbrar qualquer medida tomada pelo Executivo com cabimento para a imprensa privada e lamenta, profundamente, que o incentivo à imprensa, legal e consagrado há décadas, seja mais uma vez recusado. “Situação que coloca os órgãos privados numa verdadeira prova de sobrevivência”, lamentou.
Convém, contudo, salientar que o Titular do Poder Executivo tem nesta matéria de ensinar os angolanos e, é claro, também os jornalistas, a viver sem comer, o apoio explícito do Presidente do MPLA e do Presidente da República. Os três esperam, aliás, que quando estiverem quase, quase mesmo, a saber viver sem comer, os jornalistas… morram.
Em Abril, (alguns) jornalistas angolanos, sobretudo de órgãos privados, manifestaram-se confiantes que a “situação crítica” do sector, agravada pela Covid-19, com “dificuldades para pagar salários”, seria ultrapassada, após reunião com o ministro que tutela a Comunicação Social sob indicação do Presidente João Lourenço.
“Esperamos que sim, porque este sinal que o Presidente da República, João Lourenço, deu pressupõe que sim, vamos acreditar que sim, que realmente os dias de aflição e dificuldades que vivemos sejam ultrapassadas”, afirmou na ocasião Teixeira Cândido, secretário-geral do SJA.
Falando à Lusa no final de uma reunião que mantiveram com o reputado e perito ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, Manuel Homem, o sindicalista observou que o actual cenário da imprensa privada angolana “é crítico e emergencial”.
Passados quase quatro meses, o SJA reiterou hoje que a imprensa privada “vive dias difíceis, como nunca antes viveu” (antes era no tempo do marimbondo-mor, José Eduardo dos Santos), realidade semelhante à de outros países, razão pela qual “muitos decidiram apoiar a imprensa privada por reconhecer o seu papel estruturante para a promoção das liberdades e democracia”.
A ingenuidade do SJA (embora louvável) reflecte a crença, muito bem disseminada pelo MPLA (o único partido que governou o país nos últimos 45 anos), de que Angola é aquilo que, de facto, não é: um Estado de Direito Democrático. E não o sendo, está-se nas tintas para que a liberdade de imprensa seja um pilar basilar da democracia.
Recorde-se que a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola (uma das muitas sucursais do MPLA) entregou, no final de Julho, as empresas de comunicação social privadas do grupo Media Nova, dos generais “Dino” e “Kopelipa” e do ex-vice-Presidente Manuel Vicente, ao ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social.
Tudo normal. Nada como testar os limites dos que teimam em pensar com a sua própria cabeça, pondo a gerir o assunto os peritos que têm o cérebro no intestino. No final, o ministro das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, este ou qualquer outro, chegará ao pé do Titular do Poder Executivo e dirá, como esperado: “Patrão, quando os jornalistas estavam quase a saber viver sem comer… morreram”.
Em comunicado, a PGR adiantava que a entrega das empresas da Media Nova aconteceu através do Serviço Nacional de Recuperação de Activos, “em virtude de terem sido constituídas com o apoio e reforço institucional do Estado”.
Cremos (ingénuos que também somos) que a imprensa livre é de facto um pilar da democracia. O problema está quando, como é um facto em Angola, a democracia não existe, ou existe de forma coxa e apenas formal, numa reminiscência da União Nacional de Salazar ou, talvez, do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, de Hitler.
Muito coxa, embora os donos dos jornalistas e os donos dos donos digam o contrário. Ouçam, por exemplo, as mais impolutas figuras do Governo (ou das suas sucursais) de João Lourenço nesta matéria, casos de João Melo, Adelino de Almeida, Victor Silva, Luís Fernando etc..
José Eduardo dos Santos, enquanto dono disto tudo, chegou tão cedo ao sector da comunicação social que conseguiu, sem grande esforço e em muitos casos apenas por um prato de lagostas, fazer com que os seus mercenários, chefes de posto ou sipaios, titulares de emprego na Imprensa (lato sensu), continuassem a sua nobre missão de transformar jornais, rádios e televisões no tapete do poder.
E foram estes mesmos que logo afiaram as navalhas para apunhalar, pelas costas, o então “líder carismático” do MPLA. E quando ele tombou, foi ver esses mercenários a pontapear a imagem de Eduardo dos Santos, negando (tal como fez o novo querido líder, João Lourenço) a pés juntos e pela alma da santa mãe que sempre foram contra ele.
José Eduardo dos Santos chegou tão cedo que conseguiu, sem grande esforço e em muitos casos apenas por um prato de lagostas, transformar jornalistas em criados de luxo do poder vigente. Mas como o sumo pontífice passou de bestial a besta, a carneirada logo disse – seguindo a tese e o exemplo de João Lourenço – que se fez alguma coisa de errado foi por ter sido obrigada.
Em Angola, Eduardo dos Santos chegou tão cedo que conseguiu, sem grande esforço e em muitos casos apenas por um prato de lagostas, garantir que esses criados regressariam mais tarde ou mais cedo (muitos já lá estão) para lugares de direcção, de administração, de ministros, de secretários de Estado, de assessores, de governadores, etc..
Por sua vez, João Lourenço não só deu cobertura legal como nobre à promiscuidade do jornalismo com a política-propaganda do MPLA. Mudam-se os donos, mudam-se as vontades. Tarefa, aliás, fácil para quem já nasceu sem coluna vertebral.
João Lourenço deu carácter não só legal como nobre ao facto de que quem aceita ser enxovalhado pode a curto prazo – basta olhar para muitas das Redacções – ser director, administrador, ministro, secretário de Estado, assessor ou presidente da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA).
Em Angola, João Lourenço deu carácter não só legal como nobre ao facto de o servilismo ser regra para bons empregos, garantindo que esses servos vão estar depois a assessorar partidos, empresas ou políticos.
Pois é. Muitos estão a cuspir no prato que lhes deu tanta comida. Mas o que seria de esperar de tantos analfabetos funcionais (sabem ler e escrever mas não lêem nem escrevem)?
Cá para nós, pode crer senhor Presidente João Lourenço, advogamos desde 1995 a tese de Thomas Jefferson: “Se me coubesse decidir se devemos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, não hesitaria um momento em preferir a segunda opção”.
(*) Com Lusa