O músico angolano Waldemar Bastos morreu hoje de madrugada em Lisboa, vítima de cancro, aos 66 anos, disse fonte do gabinete de comunicação do Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente de Angola. Nascido na província de M’Banza Kongo, o cantor, galardoado com o prémio de New Artist of the Year nos World Music Awards em 1999, estava em tratamentos oncológicos há um ano.
Em 2018, o músico foi distinguido com o Prémio Nacional de Cultura e Artes, a mais importante distinção do Estado angolano nesta área.
Apresentando-se com uma sonoridade que o próprio definia como “afro-luso-atlântica”, Waldemar Bastos foi também o único não fadista a cantar na cerimónia de transladação, no Panteão Nacional, em Lisboa, do corpo de Amália Rodrigues, de quem era amigo.
O Folha 8 recorda, agradece e homenageia Waldemar Bastos reproduzindo o artigo “HÁ MUITO QUE JÁ ERA TEMPO…”, por nós publicado em 31 de Outubro de 2018:
O músico Waldemar Bastos, um dos maiores de Angola, de África e da Lusofonia, é o vencedor do Prémio Nacional de Cultura e Artes, edição 2018, nas modalidade musical, anunciou nesta quarta-feira, em Luanda, o presidente do júri, Vatómene Kukanda.
Segundo o júri, o prémio foi-lhe atribuído como incentivo pelo facto de as suas composições e interpretações incidirem sobre a música revolucionária, popular urbana e clássica de dimensão nacional e internacional.
Waldemar dos Santos Alonso de Almeida Bastos, conhecido como Waldemar Bastos, nasceu em M’Banza Kongo, capital da província do Zaire, em 4 de Janeiro de 1954.
É um músico e compositor que combina o afropop, fado e influências brasileiras. Começou a cantar muito jovem utilizando instrumentos do seu pai. Após a independência de Angola em 1975, emigrou para Portugal.
Waldemar Bastos considera a sua música como reflexo da própria vida e das suas experiências, composta para elogiar a identidade nacional. Os seus temas fazem um apelo à fraternidade universal. Ao longo dos mais de 40 anos de carreira foi distinguido com um Diploma de Membro Fundador, de 25 anos, da União dos Artistas e Compositores (UNAC-SA) e um Prémio Award, em 1999, pela World Music.
O jornal New York Times considerou, em 1999, o seu disco “Black Light” uma das melhores obras da época.
Durante a época colonial, Waldemar Bastos foi uma vez preso pela PIDE, a polícia política portuguesa. Não por desenvolver actividade política. Estava no liceu, onde era um excelente estudante e a certa altura circularam uns panfletos na escola. Apesar da polícia saber que ele nada tinha a ver com aquilo, prenderam-no na mesma.
“Não podiam prender toda a gente e como sabiam que, embora eu não estivesse politicamente envolvido, não concordava com o regime estabelecido e com o comportamento da polícia, apanharam-me e meteram-me na prisão. Na prisão escrevi algumas canções que mais tarde se tornaram conhecidas”, recorda Waldemar Bastos.
Entretanto Angola ganhou a sua independência, em 1975, e seguiu-se uma guerra fratricida que estalou logo no início.
Em 1982, decidiu fugir de Angola o que veio a acontecer durante uma visita a Portugal para participar no FITEI (Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica), no Porto, integrado na delegação oficial angolana. No final do festival, ficou em Portugal e não voltou para Angola.
Não ficou muito tempo. Foi para Berlim, na parte Ocidental, onde tinha alguns amigos e ao fim de uns meses partiu para o Brasil, onde conheceu músicos como Chico Buarque, João do Vale, Elba Ramalho, Djavan, Clara Nunes.
As coisas correram bem no Brasil, onde alguns dos músicos mais emblemáticos o ajudaram. Acabou por encontrar uma editora interessada no seu trabalho, EMI-Odeon, e gravou o seu primeiro álbum, “Estamos Juntos”, um marco na sua carreira, que contou como convidados especiais, entre outros, Chico Buarque, João do Vale, Dorival Caimmy, Martinho da Villa e Novelli.
Regressa a Portugal, e cinco anos depois de vir para Lisboa, Waldemar gravou o seu segundo disco, “Angola, Minha Namorada”.
A seguir à edição deste seu álbum, foi a Angola, onde ainda era muito popular. Em Luanda, Waldemar Bastos apresentou um concerto memorável para 200 000 pessoas que o aplaudiram entusiástica e emocionalmente, agitando lenços brancos. Interpretou este gesto surpreendente como uma mensagem clara do povo – queria paz.
Depois de gravar o seu terceiro álbum, “Pitanga Madura”, Waldemar voltou a Angola. Continuou a compor e a apresentar espectáculos em vários locais de Portugal, incluindo os Açores, onde foi frequentemente. Para ele, os Açores foram “uma fonte de oxigénio durante este longo exílio”. Também cantou em Cabo Verde várias vezes e em Moçambique, a favor das crianças vítimas da fome.
De visita a Lisboa, David Byrne, mentor da editora Luaka Bop e ex-líder dos Talking Heads, comprou, por acaso, um disco de Waldemar Bastos. Nesse ano, 1995, a editora Luaka Bop, lança no mercado o disco Afropea – Telling Stories to the Sea, uma antologia de artistas lusófonos onde aparecem entre outros: Bonga, Cesária Évora, Waldemar Bastos, Dany Silva, Vum-Vum e André Mingas.
Com este disco dá-se o reconhecimento internacional de Waldemar Bastos.
Luaka Bop editou Pretaluz/Blacklight , gravado em Nova Iorque e produzido por Arto Lindsay. O álbum teve excelentes críticas de algumas das vozes mais representativas da imprensa internacional (New York Times, Village Voice, USA Today, Herald Tribune, El País, Libération, Los Angeles Times, The Times, etc.). O New York Times considerou-o como “um dos melhores discos de World music da década”. No seguimento do disco, Waldemar ganhou o “Prémio para o Artista Revelação do Ano” em 1999. Depois do sucesso por todo os Estados Unidos da América, com a distribuição do disco na Europa em 1998, Waldemar foi descoberto pelo público e pelos media europeus.
Os tempos mudaram para Waldemar Bastos em 2002, quando, depois de décadas acabou a guerra em Angola. Foi convidado para celebrar essa data especial com um espectáculo memorável no Estádio Nacional de Luanda em Abril de 2003. No fim, a sua luta pela unidade e irmandade foi recompensada.
Rapidamente surgiu a hipótese excepcional de gravar o seu novo álbum “Renascence”.
Tudo começou em San Pedro de Alcântara, em Espanha, onde reuniu alguns dos mais excepcionais músicos de África, do Congo a Angola, de Moçambique à Guiné-Bissau. A jornada para uma nova expressão da música contemporânea africana começou. A história continuou em Berlim, onde, enquanto gravava, convidou alguns jovens músicos de Portugal e da Martinica para fazerem parte deste projecto musical.
Quando Waldemar Bastos decidiu ir até Istambul, onde foram gravadas as partes de cordas deste disco, mostrou mais uma vez que a música não tem fronteiras e é uma chave para unir as pessoas, uma ponte entre culturas. Finalmente, o caminho da música levou-o a Londres onde acabou, com o seu produtor Paul “Groucho” Smykel, a mistura deste disco “Renascence” que aparece no mercado discográfico em 2004.
Classics Of My Soul é um dos álbuns do ano na categoria de World Music para o jornal francês Libération. O trabalho, que foi lançado nos Estados Unidos da América, e junta o quinteto de Waldemar Bastos com a orquestração da London Symphony Orchestra dirigida por Nick Ingman.
Classics of My Soul, da editora Emja Records, foi gravado em Londres e Los Angeles e, segundo o material de divulgação, “resultou do sonho do músico angolano em juntar os sons e etnografias de África, particularmente de Angola, ao pendor e composição da música clássica europeia”.
Lá diz o ditado quimbundo: Dor de desgosto é pior que dor de facada.