Nove dos 12 membros da vereação de Minneapolis (EUA) consideraram que é impossível reformar a corporação policial da cidade, devido à sua arreigada cultura de violência racial. A maioria municipal diz-se agora decidida a dissolver o corpo de polícia e a garantir a segurança pública por outros meios. Nas “democracias” como a de Angola tal não é possível. A razão da força assassina sempre a força da razão.
Segundo o vereador Jeremiah Ellis, o corpo de polícia será desmantelado. E, citado pela agência Reuters, acrescenta: “Quando o tivermos feito, não vamos simplesmente voltar a colá-lo [o corpo de polícia]. Vamos repensar dramaticamente como abordamos a segurança pública e a resposta à emergência”.
Lisa Bender, a presidente do Conselho Municipal, declarou a este respeito: “Nós já assumimos o compromisso de desmantelar a polícia tal como a conhecemos na cidade de Minneapolis e de reorganizar com a nossa comunidade um novo modelo de segurança pública que realmente mantenha a nossa comunidade segura”.
O anúncio das intenções da maioria municipal inscreve-se num contexto em que as autoridades da cidade decidiram processar judicialmente a polícia, devido ao historial de violência racial que a tem distinguido ao longo dos anos. Não se trata apenas do processo contra o agente Derek Chauvin pelo homicídio do cidadão negro George Floyd, mas de um processo contra a instituição enquanto tal.
Antes destes dois desenvolvimentos mais espectaculares dos últimos dias, existia o slogan e o movimento “Defund the Police”, preconizando cortes orçamentais drásticos nos orçamentos policiais. A reivindicação apontava para aplicar em orçamentos sociais, de apoio às comunidades, o dinheiro gasto a financiar a repressão policial. Durante vários anos, esta pretensão de redireccionar os fundos públicos para educação, saúde e habitação, apenas teve um apoio minoritário e com influência política residual.
Mas o homicídio de George Floyd, ao trazer para a rua centenas de milhares de pessoas em protesto, deu novo alento ao movimento “Black Lives Matter” e encorajou-o a incorporar a exigência, até aí considerada irrealista, de cortar os fundos à polícia. “Black Lives Matter” e “Defund the Police” convergiram no mesmo caudal.
Uma das co-fundadoras de “Black Lives Matter”, Alicia Garza, explicava esta convergência dizendo: “O que necessitamos é mais financiamento para habitação, necessitamos mais financiamento para educação, necessitamos de mais financiamento para a qualidade de vida das comunidades que estão sobrepoliciadas e sobrevigiadas”.
O presidente Donald Trump, pelo contrário, tem defendido no Twitter “mais dinheiro para a aplicação da lei”. O secretário do Interior, Chad Wolf, também veio contra-argumentar aos clamores pelo retirada de financiamento da polícia, considerando-os “uma ideia absurda”. E o procurador-geral, William P. Barr, adoptou um discurso ligeiramente mais autocrítico, dizendo que embora não pense que há um racismo sistémico na polícia, entende a desconfiança dos afroamericanos, “devido à História deste país”.
A convergência de “Defund the Police” com “Black Lives Matter” fez-se sentir num debate público da semana passada, em que o jovem presidente da Câmara, Jacob Frey, do Partido Democrata-Agricultor-Trabalhista, admitiu os cortes orçamentais aplicados à polícia, mas acrescentou: “Eu não apoio a abolição completa da polícia”.
Pressionado pelos manifestantes a responder com “sim” ou “não”, Jacob Frey acabou por ser apupado e por abandonar o local. Mas a maioria municipal a favor da dissolução da polícia conta neste momento com uma margem demasiado confortável para que possa ser questionada por qualquer veto.
Noutras cidades que vivem uma situação menos escaldante que Minneapolis, a exigência de investir na comunidade o que se investe na polícia tem, mesmo assim, marcado pontos, mesmo junto de autarcas considerados convencionais.
Assim, o presidente da Câmara de Los Angeles, o democrata Eric Garcetti, renunciou publicamente aos planos para aumentar o orçamento da polícia e decidiu canalizar para gastos sociais 150 milhões de dólares previstos nesse orçamento. “Black Lives Matter” considerou que o redireccionamento das verbas deveria ser mais radical, ao passo que o sindicato da polícia protestava iradamente contra o corte orçamental.
E também em Nova Iorque, o presidente democrata Bill de Blasio, embora defenda a estratégia de não-confrontação da sua polícia face aos manifestantes, se comprometeu a canalizar fundos previstos no orçamento policial para serviços sociais e iniciativas de apoio à juventude.
Em Portland, no Oregon, o autarca e o superintendente das escolas prometeram dedicar a programas da comunidade um milhão de dólares que estavam previstos para o policiamento das escolas.
Em Minneapolis, já antes do homicídio de Floyd, se falava abertamente no desmantelamento do departamento de polícia da cidade. Na campanha eleitoral de 2017, os candidatos foram instados a responder o que pensavam da ideia de uma cidade sem polícia. Nove responderam favoravelmente a esse cenário. Agora, parte deles estão eleitos e fazem parte da nova maioria.
Folha 8 com RTP