Eu vos louvo! Nós vos louvamos! Camaradas…. Eu me vergo à vossa memória! Nós nos vergamos! E, nesta intercepção, de Maio de 2020, tenho a grata honra de dizer, ter a maioria, dos camaradas sobreviventes resistido, a contínua perseguição institucional dos mesmos algozes (nossos ex-camaradas), alcandorados no poder, aqueles que, para nossa tristeza colectiva, roubaram o melhor de cada um de vocês, naqueles fatídicos dias de Maio 1977: o sorriso, a lágrima, a potencialidade de pensar Angola, a vida!
Por William Tonet
Mas pese a transição e mudança dos métodos de barbárie, da física à moral, entramos em 27 de Maio de 2020, sem vergar a coluna vertebral e honrando os ideais de um território só poder ser sério, respeitado e forte, no contexto africano e mundial, se for capaz de alimentar fortes “fábricas de produção de ideias filosóficas e ideológicas”, em prole da construção e edificação de um verdadeiro projecto-país.
O erro, o nosso erro, timbrado num oceano de ingenuidade, foi acreditar numa liderança, nunca comprometida, com os sentires, os gemeres e a multirracialidade dos povos autóctones de Angola.
Meu comandante, Nito Alves.
Meus comandantes, Monstro, Bakalof, Sianuku e outros, nós, os vossos camaradas de infortúnio, jamais trairemos a vossa memória. Jamais!
Não ouso, tão pouco, existe a presunção em afirmar que a vossa visão ideológica (à época eram muitas), sobre o nosso portentoso país, era a melhor.
Isso é matéria para outros rosários, mas existe uma certeza incontornável, nada justificava a monstruosidade da resposta bélica, ante uma inofensiva proposta para um amplo debate.
Nunca houve, da minha (nossa) parte, a pretensão de santificar Nito Alves. Como humano terá cometido erros, teve falhas, sendo-lhe imputadas responsabilidades na prisão, em 1975/6, de alguns camaradas da Revolta Activa, dos CAC ou ainda de ter participado, na morte do comandante Miro, a mando de Agostinho Neto, numa missão em que terá participado, também, o comandante Kiluange (actual embaixador em Cuba, capaz de confirmar ou não da veracidade) ou, ainda, o embaixador Benigno Vieira Lopes…
Mas, pese estas alegadas chancelas, Nito Alves era um homem de muitas virtudes, carismático, amigo, aglutinador, de fortes convicções, intelectual filosófico dos húmus libertários, que, por duas vezes, salvou, in extremis, Agostinho Neto de ser corrido da direcção do MPLA, quer no Congresso de Lusaka (que perdeu, em eleições democráticas, para Daniel Júlio Chipenda), como na Conferência Inter-Regional de Militantes e Quadros.
Infelizmente, apesar desta entrega, o nosso “julgador-mor”, tinha áurea de líder honesto e humano, mas era um verdadeiro lobo, em pele de cordeiro, escondendo um carácter maldoso, cínico, perturbado, complexado e ingrato, escudado apenas na bajulação e força bélica.
Para esta engenharia montou uma verdadeira máquina assassina, intolerante, arrogante, discriminadora, anti-democrática, insensível à vida humana, denominada DISA.
Uma polícia política, responsável pela mortandade de milhões e milhões de camaradas, paridos numa e mesma causa, por nunca ter estado em causa um projecto de sociedade, mas um fantoche e neocolonial projecto de poder.
Canoa Zé Van Dúnem, companheiro e kota do Campo de São Nicolau, quero que saibas que o Bob continua vigoroso e o Noe entrou com pulungunça nos 70 anos.
Comandantes Monstro, Bakalof, Sianuk e outros, os vossos camaradas de armas, continuam revolucionários, pois mesmo sem pensão de reforma, não se venderam por 30 dinheiros como os falsos profetas.
Comandante Nito tu, que eras acusado de racista, recebe um forte abraço daqueles camaradas íntegros: Amadeu Neves “Dedé”, o João Paulo, o José Reis, o Carlos Pacheco, o Kudia, mantêm viva a memória de todos que partiram, na esperança de ver, um dia, implantado um verdadeiro, projecto de sociedade.
Mas quero que saibas, também, que o teu director de gabinete, o kota Santinho mantém a sua pureza intelectual e o Michel, autor das “Nuvens Negras”, sobre o nosso infortúnio, muito, também, baseado na experiência vivida num dos maiores campos da morte: Campo de Kalunga, no Moxico, continua irreverente.
Hoje tudo de que te acusavam, nos acusavam, é uma roleta russa, a incompetência dos nossos algozes é tão grande só superada pela sua covardia. Eles são uns covardes, melhor, continuam covardes, pois só conseguem dialogar, com a força das armas, logo continuam a temer-nos, não têm fôlego, para discutir pontos de uma agenda frontal.
Mas podes ter a certeza, que o Mariano, lembraste o nosso melhor e maior tanquista, aquele que travou o tanque sul-africano, em Kifangondo, o Cadete tanquista, o Miro, o Wawé e outros companheiros da 9.ª Brigada continuam orgulhosos pela contribuição dada a este país, pese apunhalados pelo MPLA, que lhes nega uma reforma. Mas fica descansado, nunca revelaram o maior segredo militar, que se tivesses utilizado em teu proveito poderia ter dado o golpe de Estado, de que tanto te acusam…
Eles nunca disseram onde andam aquarteladas as 8 brigadas de tanques (1.ª à 8.ª), nem onde estão, os 326 taques da 9.ª Brigada, tirando os que se perderam nos campos de batalha, antes e depois da Independência.
Comandante, nós os do “Navio 270577” vamos, juramos-te, preferir morrer com fome e sem reforma, mas com a dignidade erecta do que rendidos aos tostões da humilhação e bajulação.
Descansem em PAZ, pois hoje se conhece, cada vez mais as nossas razões de luta, pois o país definha à fome e miséria, caminha sem rumo político e económico, com a vergonhosa agravante de, em muitas situações, os nossos povos viverem pior do que no tempo colonial. Eles são maus, estes nossos camaradas, mas não nos calarão com meras certidões de óbito, um direito constitucionalmente consagrado, a luz, também, da Carta das Nações Unidas, onde nos próximos tempos os colocaremos, pela prática de um dos maiores crimes de genocídio depois dos praticados pelos nazistas.
Também te garantimos, uma vez o passado, não voltar abertura para um diálogo, franco e aberto com o regime, para analisarmos de forma séria, sem ódios e rancores, as verdadeiras causas do 27 de Maio de 1977, para lançarmos, todos, mãos a conciliação e, só depois, o PERDÃO, a reconciliação tão almejada entre camaradas, o contrário é mero teatro de fantoches.
Continuem em PAZ, pois, eu (nós) continuo (aremos) a honrar a tua e vossa memória.
Genocídio do 27 de Maio de 1977, nunca mais!