Em Portugal, o CDS-PP propôs que o Parlamento envie ao Ministério Público as declarações do ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, e do primeiro-ministro, António Costa, sobre o caso da palhaçada sobre o roubo de armamento da base de Tancos, para saber se houve “falsas declarações”.
Numa conferência de imprensa na sede nacional do partido, em Lisboa, a presidente do partido, Assunção Cristas, questionou se o presidente da Assembleia “já garantiu que todas as declarações prestadas no Parlamento”, tanto de Azeredo Lopes como de António Costa, “foram entregues ao Ministério Público”.
“É muito importante que seja esclarecido se houve ou não falsas declarações com relevância para este processo”, afirmou Cristas, admitindo que, em último recurso pode ser o partido a pedir, não tendo dúvidas de que houve declarações contraditórias entre Azeredo e Costa em todo o processo do furto de material militar do paiol de Tancos, em 2017.
E porque, no seu entender, depois da acusação do Ministério Público a Azeredo Lopes, o “assunto está longe de estar esclarecido”, a presidente do CDS desafiou, uma vez mais, o primeiro-ministro a, “de uma vez por todas, vir esclarecê-lo”.
Em termos de iniciativas, a líder dos centristas anunciou ainda a sua intenção de apoiar uma segunda Comissão de Inquérito Parlamentar, após as eleições de 6 de Outubro.
Assunção Cristas acrescentou que o seu partido “participará activamente” na reunião da Comissão Permanente da Assembleia da República, sugerida pelo PSD.
Para o CDS, hoje “tudo indica que o ministro [Azeredo Lopes] não só soube do ‘achamento’, mas que participou activamente em todo o processo de encobrimento, desobedecendo a uma ordem da PGR [Procuradoria-Geral da República] – de cujo protesto da PGR o primeiro-ministro assumiu que teve conhecimento”.
A resposta de Costa à comissão de inquérito, “agora não serve” e Cristas questiona se mantém a resposta que deu, por escrito: Azeredo Lopes “desempenhou com lealdade as funções de ministro da Defesa Nacional, transmitindo-me sempre, em todos assuntos, a informação que considerou relevante ou que eu solicitei”.
Para Cristas, na Comissão de Inquérito, “ficou apurado”, que Costa “tomou assumidamente conhecimento do memorando que explicou a acção ilegal da Polícia Judiciária Militar”, que terá levado à demissão de Azeredo, em 2018, o que é “inconsistente com declarações prévias do primeiro-ministro, no dia 26 de Outubro de 2018, em que negou ter conhecimento do memorando, através do ministro ou de outra pessoa qualquer”.
Quatro meses depois, a Policia Judiciária Militar (PJM) revelou o aparecimento do material furtado, na região da Chamusca, a 20 quilómetros de Tancos, em colaboração de elementos do núcleo de investigação criminal da GNR de Loulé.
O Ministério Público acusou na quinta-feira 23 pessoas, entre elas o ex-ministro da Defesa, José Azeredo Lopes, no caso do furto e da recuperação das armas do paiol da base militar de Tancos.
Os arguidos são acusados de crimes como terrorismo, associação criminosa, denegação de justiça, prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, abuso de poder, receptação e detenção de arma proibida.
O caso abalou as Forças Armadas, levou à demissão de Azeredo Lopes em 2018 e a polémica em torno do furto, tornado público pelo Exército em 29 de Junho de 2017 com a indicação de que ocorrera no dia anterior, subiu de tom depois da, aparente, recuperação do material na região da Chamusca, no distrito de Santarém, em Outubro de 2017, numa operação da PJM.
Nove dos 23 arguidos são acusados de planear e executar o furto do material militar dos paióis nacionais e os restantes 14, entre eles Azeredo Lopes, da encenação que esteve na base da recuperação do equipamento.
Azeredo Lopes, um velho e querido amigo do MPLA
Recorde-se, por exemplo, de que na sua qualidade de presidente da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social (entre 2006 e 2011) de Portugal, Azeredo Lopes foi um dos oradores internacionais do seminário sobre comunicação e cidadania, que decorreu no Centro de Formação de Jornalistas (Cefojor), em Angola.
“Insere-se no quadro de relações de cooperação técnica que tem a ver com a criação de mecanismos de regulação. Angola tem uma nova Constituição e está gradualmente a dotar-se de mecanismos mais modernos de regulação e justifica-se até pela proximidade dos nossos textos jurídicos”, afirmou à Lusa o então presidente da ERC.
Azeredo Lopes explicou que “a comunicação social evoluiu muito [em Angola], o que exige mecanismos técnicos mais específicos”.
Essa coisa que em Portugal se chama ERC (nós, por cá, acrescentamos um “A”), é uma entidade que ajuda – e foi esse o ensinamento que trouxe a Angola – a fingir que os escravos são livres.
Como todos já sabiam há muito tempo, as eleições de 2012 em Angola foram novamente um exemplo de democraticidade, eficiência e transparência. Aliás, nem outra coisa era de esperar do partido, o MPLA, no poder desde 1975.
Isso mesmo foi confirmado por dois sipaios, perdão, observadores portugueses que elogiaram o processo eleitoral: Elísio de Oliveira e Azeredo Lopes.
Essa era uma certeza adquirida nos areópagos políticos dos parceiros e sócios do regime angolano a ponto, ao contrário de 2008, a União Europeia ter reduzido o número dos seus observadores eleitorais de 100 (então chefiados pela italiana Luísa Morgantini que foi considerada pelo regime como persona non grata) para… 2 (dois).
Tal como em 2008, a missão da CPLP voltou a ser chefiada pelo moçambicano Leonardo Simão. E o que viu o líder da missão de observadores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa?
O que viu não se sabe porque ele, como político inteligente que é, não conta. Mas sabe-se o que já disse. Desde logo a “enorme evolução” na organização das eleições… apesar de “algumas falhas”. Falhas pequenas, muito pequenas, obviamente.
“O processo eleitoral decorreu num ambiente de tranquilidade, serenidade, com um grau de organização bastante elevado”, embora com algumas falhas aqui e acolá”, afirmou o chefe da missão dos observadores da CPLP, que – certamente perante a pequenez do país – deslocou um importante contingente de 10 (dez) técnicos para testemunhar o processo eleitoral.
Segundo Leonardo Simão, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de Moçambique e na altura director da Fundação Joaquim Chissano (e, portanto, por dentro das necessidades do regime do MPLA e da sua capacidade política, económica e militar), a missão da CPLP detectou as excepções que acabam por confirmar a democraticidade, transparência e eficácia das eleições.
A provar a atenção dos 10 (dez) técnicos da CPLP, Leonardo Simão foi ao pormenor de contar que numa situação em Viana, nos arredores de Luanda, os membros de algumas mesas não apareceram, devido a uma avaria num autocarro.
É claro que não detectaram, tal como Azeredo Lopes, muitas outras irregularidades, como sejam a dos mortos votarem e a de muitos vivos não constarem dos cadernos eleitorais.
Leonardo Simão cometeu, apesar de não querer – legitimamente – cuspir no prato de quem lhe deu comida, alguns lapsos. Falou da ausência de delegados de lista em algumas mesas de voto, disse que os partidos não receberam financiamento atempado para recrutar e formar pessoas e afectá-las a mais de 25 mil postos de votação em todo o país.
Leonardo Simão referiu-se também à aprovação tardia da lei eleitoral, em Dezembro, e à impugnação, entretanto, da presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE). “O tempo material para a preparação das eleições foi bastante curto”, considerou, lembrando que uma votação como esta “leva dois anos a preparar”. Deveria levar…
Apesar das acusações de irregularidades do principal partido da oposição, e da dura resposta do MPLA, no poder desde 1975, Leonardo Simão disse ter testemunhado “um ambiente mais distendido” em relação a 2008, quando “havia uma certa tensão no ar e uma certa incerteza sobre o que ia acontecer”.
E se em 2008 havia alguma incerteza, em 2012 tudo ficou claro. O regime continuava igual ao que sempre foi, a maioria dos angolanos continuava a passar fome, os ricos continuavam cada vez mais ricos, Portugal continuava o seu processo de bajulação e o MPLA retribuía com a defesa e apoio ao seu protectorado (luso, lusitano, lusófono) do sul da Europa.
Com um tão vasto currículo autenticado, sob compromisso de honra, pelo MPLA, a vinda a Angola deste conhecido sipaio, perdão, então ministro da Defesa, Portugal somou alguns pontos na cotação junto de João Lourenço. Não foram, só por si, suficientes para ligar à máquina a moribunda parceria estratégica, mas que deu um gozo especial (quase um orgasmo) aos dirigentes do MPLA, isso deu
Em Maio de 2018, Azeredo Lopes afirmou que as relações entre Portugal e o MPLA/Angola “nunca foram interrompidas”, porque isso não existe “entre amigos e povos que se amam e se respeitam”. Embora o amor não seja recíproco, é bem certo que os políticos portugueses amam de forma “sui generis” o partido que governa Angola desde 1975. Aliás, é um amor à moda antiga blindado a todas as modernices. Ou seja, segue à risca o adágio: “Quanto mais me bates mais eu gosto de ti”.
Pode sempre “haver aqui e ali um ou outro percalço, uma ou outra divergência (…), mas prevalece sempre aquilo que são os laços históricos e a grande amizade e a grande relação que existem entre os nossos dois países”, sublinhou Azeredo Lopes.
Para evitar mais incómodos a António Costa, o segundo bajulador-mor do MPLA (o primeiro é obviamente Marcelo Rebelo de Sousa), não seria aconselhável que a justiça-política de Portugal transferisse o processo de Azeredo Lopes para Angola, juntando-o ao de Manuel Vicente?
Folha 8 com Lusa