Trinta e oito toneladas de bens alimentares foram hoje entregues, na cidade de Ondjiva, pelo Ministério da Construção e Obras Públicas ao Governo Provincial do Cunene para apoiar as vítimas da seca da região. Fartura de peixe, ausência de canas de pesca…
A seca que assola a província do Cunene, desde Outubro de 2018, afectou 880.176 pessoas e já causou a morte de 30 mil cabeças de gado.
A oferta é composta por arroz, fuba de milho, farinha de trigo, feijão, açúcar, óleo alimentar, massa alimentar e água de mesa.
Na ocasião, o ministro da Construção e Obras Publicas, Manuel Tavares, disse que o donativo resulta de uma campanha de recolha de bens realizada em conjunto com empresas que actuam no sector.
“Com este acto solidário juntamo-nos aos esforços que estão a ser feito em todo país para ajudar a diminuir as dificuldades que a população do Cunene está viver face à seca”, sublinhou o governante.
Já o governador provincial do Cunene, Vigilio Tyova, agradeceu o gesto do Ministério da Construção e Obras Públicas, por contribuir na redução da carência alimentar que atinge a população afectada pela estiagem.
E que tal ensinar a pescar?
O Presidente da República, João Lourenço, procedeu em Maio à entrega simbólica de dois camiões cisterna (de 20 mil litros cada) de feno para o gado e bens de primeira necessidade à população da comuna de Ombala Yo Mungo, município de Ombadja, província do Cunene.
Alguma vez terá o “nosso” Messias ouvido falar que mais importante do que dar peixes às pessoas que têm fome é ensiná-las a pescar?
O acto simbolizou, segundo contam as crónicas do regime, o ponto alto de uma visita de trabalho do Chefe de Estado à província do Cunene, cujo objectivo foi constatar a realidade da seca na região, uma das zonas mais afectadas, com cerca de 59.311 habitantes e mais de 100 mil cabeças de gado em sofrimento, dos 340 mil de todo o município.
Entre os bens entregues, constavam – como hoje – produtos de primeira necessidade como arroz, sal, açúcar, feijão, massa alimentar, salsichas, óleo vegetal e água mineral.
Na ocasião, João Lourenço recebeu informações detalhadas (se já não as sabia é porque anda a dormir) do então ministro da Agricultura e Florestas, Marco Nhunga, sobre os prejuízos causados pela seca, ao sector agrícola, bem como as soluções e necessidades urgentes para equilibrar a dieta alimentar da população.
O então ministro explicou que os meios entregues faziam parte de um lote destinado aos seis municípios do Cunene (Cunhama, Namacunde, Ombadja, Curoca, Cuvelai e Cahama), contemplando 51.043 toneladas de feno (pasto para o gado) , 32 toneladas de sal comum, 2.066 toneladas de sal mineral e 100 toneladas de grãos de milho.
Acrescentou, para que todos ficassem sossegados, que o lote integrava igualmente 33 toneladas de farelo de trigo, 10 kits técnicos, 100 litros de carricidas, material diverso e fármacos de uso veterinário, para o gado doente, entre bovino, suíno e caprino.
De Ombala Yo Mungo, João Lourenço rumou para a povoação de Oshaiwanda, onde constatou o sofrimento dos moradores da aldeia de “Okanakawa”. Chatice. Povo a sofrer? Mas será de fome (que João Lourenço diz não existir em Angola) ou apenas de ligeira má-nutrição (segundo a definição do Presidente)?
Nesta deslocação, o Presidente da República fez-se acompanhar pela primeira-dama, Ana Dias Lourenço, e por uma delegação ministerial. Quantos mais… melhor, pensa o Departamento de Informação e Propaganda do MPLA (ou do Governo, já que são a mesma coisa).
O Cunene vive, desde Outubro de 2018 (João Lourenço já era Presidente da República nessa data?), uma acentuada crise de água e pasto, com 79,1 por cento da população total (estimada em um 1.157.491 habitantes) comprometida. Os últimos dados do Governo Provincial apontavam para o aumento do número de animais mortos.
Dados de Maio indicavam que a seca afectava 285.194 pessoas em Ombadja; 114.991 em Namacunde; 65.526 no Cuanhama; 53. 677 no Curoca e 38.432 no Cuvela, 299.623 na Cahama (a mais visada).
Mais do que o peixe, os milhões de famintos precisam de aprender a pescar. Mas quem é que os pode ensinar? Se calhar poderia ser o Estado. No nosso caso, o MPLA que é o Estado desde 1975. Mas este não o faz porque a mandioca, ou o farelo, como dizia Kundi Paihama, não se… pescam.
Durante décadas, o MPLA/Estado dizia que para algumas zonas de Angola só era possível mandar algum peixe, já que para ensinar a pescar era imprescindível a paz. Tendo esta chegado 17 anos, porque será que o regime continua a não ensinar a pescar?
Poucos com milhões, milhões com pouco
Em Angola, para além dos milhões que legitimamente só se preocupam em encontrar alguma coisa para matar… a fome, uma minoria privilegiada de acólitos do MPLA só se preocupa em ter mais e mais, custe o que custar.
Quando alguém diz ou escreve isto, e são cada vez menos a dizê-lo mas cada vez mais a pensá-lo, corre o sério risco de que os donos do poder o mandem calar, se possível definitivamente. Não nos esquecemos, apesar de teimarmos em dar voz a quem a não tem (a esmagadora maioria do Povo), que um dia destes um jacaré pode saltar da uma viatura da Polícia e fazer de nós um soberbo manjar.
Mas, como dizia a outro propósito mas com uma actualidade divina Frei João Domingos, “não nos podemos calar mesmo que nos custe a vida”. Que estamos quase a saber viver sem comer, isso é uma verdade que só deve regozijar o Presidente da República. Como dizia Zeca Afonso a propósito do regime de Salazar (em tantas coisas tão parecido com o nosso, às vezes para melhor), eles comem tudo e não deixam nada. E nada deixando, importa explicá-lo ao Presidente da República, nem os jacarés vão gostar de se alimentar de corpos esqueléticos.
Também por cá (é que esta gangrena tende a espalhar-se) o Povo pergunta (baixinho ou em silêncio) como é possível acreditar num regime cujo objectivo único é fazer com que os poucos que têm milhões tenham mais milhões, roubando e escravizando os milhões que têm pouco ou nada?
Citando de novo, e tantas vezes quantas forem preciso, Frei João Domingos, em Angola “muitos governantes, gestores, administradores e similares têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”. É caso para perguntar: os jacarés não gostarão mais de carne reluzente mas putrefacta?
Na verdade, apesar de podres de ricos por dentro e por fora, continuam a viver à grande e à MPLA, enquanto o Povo se prepara para morrer de fome (a tal que não existe, segundo João Lourenço). O tempo em que o mais importante era resolver os problemas do povo (assim dizia Agostinho Neto), já lá vai, se é que alguma vez existiu. Com rara maestria, reconheça-se, João Lourenço continua a fazer da demagogia e do populismo a sua principal arma.
Tal como muitos dos ortodoxos do MPLA, que gravitam na bajulação ao “querido líder” (agora na versão II), o Presidente João Lourenço continua a pensar que Angola só pode ser o MPLA e que o MPLA é Angola. E como pensa assim, o que sobra dos abundantes regabofes do seu séquito partidário e governativo não vai para os escravos, mas sim para os rafeiros que gravitam sempre junto à manjedoura do poder .
É claro que o que sobra não vai para os pobres porque, apesar de eles estarem ao dobrar de todas as esquinas, oficialmente não há pobres em Angola. Aliás, como é que poderia haver fome se (ainda) existe fartura de farelo? Voltando a parafrasear o magnânimo Kundi Paihama, se os porcos comem farelo e não morrem, também o nosso Povo pode comer. É isso, não é?
Embora seja um exercício suicida, dos tais que alimentam os jacarés, importa aos vivos não se calarem, continuando a denunciar as injustiças, para que Angola possa novamente abolir o esclavagismo e, dessa forma, ser um dia um país diferente, eventualmente uma nação e quiçá até uma pátria de liberdade, equidade e progresso social.
O Povo sofre e passa fome. Os países valem, deveriam valer, pelas pessoas e não pelos mercados, pelas finanças, pela corrupção, pelo compadrio, pelas negociatas. É por tudo isto que a luta continua. Tem de continuar. Até porque, mais cedo ou mais tarde a estátua vai ser derrubada. Tal como foi, por exemplo, a de Lenine em Kiev (capital da Ucrânia).
Enquanto os escravos não se revoltarem, os donos do país vão continuar a vestir Hugo Boss ou Ermenegildo Zegna e comprar relógios de ouro Patek Phillipe e Rolex. E eles vão subsistir com peixe podre, fuba podre, panos ruins ou, como fez João Lourenço e agora repetiu o ministro da Construção e Obras Publicas, Manuel Tavares, com uns sacos de arroz, sal, açúcar, feijão, massa alimentar, salsichas, óleo vegetal e água mineral.
Enquanto os escravos já nem sabem se têm barriga, os do clã do querido Messias e restante corja vão continuar a ter à mesa trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, e várias garrafas de Château-Grillet 2005.
Tal como o seu patrono José Eduardo dos Santos, João Lourenço parece acreditar que, como dizia Guerra Junqueiro em relação aos portugueses, somos “um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas”. Mas não somos.
Talvez acredite que somos “um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta”. Mas não somos.
Talvez acredite, e se calhar com razão, que em Angola “uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos”.
Talvez acredite, e com razão, que em Angola existe “um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do Presidente e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País”.
Entretanto, alguns angolanos (ainda não tantos quanto o necessário) sabem que – adaptando a tese de Guerra Junqueiro – Angola tem “um MPLA sem ideias, sem planos, sem convicções, incapaz, vivendo do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogo nas palavras, idêntico nos actos, igual ao outro do tempo de partido único como duas metades do mesmo zero”.
E é por tudo isto que são cada vez mais os cidadãos que não conseguem, ou não querem, comer gato por lebre e dizem que neste regime há cada vez mais criminosos a viver à custa dos imbecis dos angolanos.
No entanto, mesmo esqueléticos, famintos e doentes sempre podem ter força para fazer o que é necessário, nem que seja a última coisa feita em vida.