O juiz-presidente do Tribunal Constitucional (TC) de Angola e dois magistrados do mesmo órgão consideram “ilegal” a prisão do ex-ministro dos Transportes, Augusto da Silva Tomás, por “gozar de imunidades no ato da sua detenção”. Julgamento começa sexta-feira.
Na declaração de voto de vencido na decisão sobre o recurso extraordinário de inconstitucionalidade requerido pelo ex-ministro de João Lourenço, Manuel Aragão declara-se “parcialmente contra a deliberação do acórdão, datado de 22 de Maio, que “nega provimento ao recurso interposto de pedido de ‘habeas corpus’ ao recorrente”.
Na segunda-feira ficou a saber-se que o Tribunal Supremo (TS) agendou para sexta-feira, 31 de Maio, o início do julgamento do ex-ministro dos Transportes, Augusto da Silva Tomás, detido a 21 de Setembro de 2018, sob acusação de desvio de fundos públicos.
Manuel Aragão considera “ilegal” a prisão preventiva do ex-governante, exonerado do cargo em Junho do ano passado pelo Presidente João Lourenço, porque à data dos factos estar “em pleno gozo do seu estatuto (em potência) de deputado”.
Por isso, a “sua prisão deveria ser precedida da competente autorização da Assembleia Nacional ou da comissão permanente nos termos do nº2 do artigo 150º da Constituição da República de Angola (CRA)”, pode ler-se na declaração de voto vencido.
“Ora não tendo sido observado os procedimentos acima referidos, a prisão do recorrente é ilegal, pelo que o referido deputado deveria ser posto em liberdade, aguardando os ulteriores termos do processo ao qual foi indiciado”, adianta.
O acusado interpôs recurso extraordinário de inconstitucionalidade após a Câmara Criminal do TS ter “negado provimento” ao pedido de “habeas corpus” do recorrente, em acórdão proferido a 8 de Janeiro de 2019, e considerou “legal a prisão preventiva”.
Augusto da Silva Tomás fundamentou o pedido argumentando que “houve violação flagrante do direito à liberdade e do princípio da presunção de inocência”, recordando que “é deputado à Assembleia Nacional e que foi detido sem a observância dos requisitos legais e sem qualquer resolução ou deliberação do órgão competente a que pertence que ponha em causa as imunidades parlamentares que detém”.
No acórdão 552/2019, o plenário do Tribunal Constitucional (nove juízes) considera que, “pelos indícios constantes dos autos, o TS não corrobora com o recorrente quanto aos fundamentos atinentes à inobservância do princípio da presunção da inocência”.
Nesse sentido, os juízes conselheiros acordaram em plenário “negar provimento ao recurso interposto, por não se verificar a inobservância os princípios constitucionais invocados”, com os votos de vencido de Manuel Aragão e dos juízes António Caetano de Sousa e Américo Maria Garcia.
Na declaração de voto, António Caetano de Sousa considera que “foram contrariadas os princípios da legalidade e da presunção da inocência”, por entender que Augusto da Silva Tomás “é deputado e a suspensão do mandato não lhe retira essa qualidade”.
No mesmo processo-crime são arguidos Isabel Cristina Gustavo Ferreira de Ceita Bragança e Rui Manuel Moita, ex-directores-gerais adjuntos para as Finanças e para a Área Técnica do Conselho Nacional de Carregadores.
Estão também arrolados Manuel António Paulo, então director-geral do CNC, e Eurico Alexandre Pereira da Silva, ex-director adjunto para a Administração e Finanças.
Augusto da Silva Tomás foi exonerado do cargo de ministro dos Transportes pelo Presidente João Lourenço em Junho do ano passado, não tendo sido, na altura, avançados os motivos da sua exoneração.
Três meses após a sua exoneração, Augusto Tomás foi detido, depois de ter sido ouvido por largas horas no Departamento Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP) da PGR. O ex-ministro encontra-se enclausurado no Hospital Prisão de São Paulo, em Luanda.
O que afirmou a acusação
A PGR formalizou a acusação contra o ex-ministro (de José Eduardo dos Santos e de João Lourenço) dos Transportes, afirmando que sobre ele pesam seis crimes, num caso que envolve o Conselho Nacional de Carregadores (CNC), órgão tutelado pelo Ministério dos Transportes. Nenhum dos crimes imputados inclui o crime original: cumprir ordens superiores.
Na acusação são indicados um crime de peculato na forma continuada, um de violação das normas de execução do plano e orçamento na forma continuada, um de abuso de poder na forma continuada, dois de participação económica em negócio, um de branqueamento de capitais e outro de associação criminosa. O de ser militante de forma continuada do MPLA… caiu por decisão superior.
Os crimes são previstos e puníveis pelo Código Penal em vigor, e pelas leis da Probidade Pública, sobre a Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais, e do Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento do Terrorismo.
A acusação refere, por exemplo, que o CNC terá pago fretes, por orientação de Augusto Tomás, para entidades estranhas ao Ministério dos Transportes, como é o caso do Movimento Nacional Espontâneo e o Ministério da Justiça, organizações e entidades do MPLA, “numa verdadeira demonstração” de que os dinheiros públicos “podiam ser gastos como bem entendia, sem obedecer a qualquer regra ou princípio e os limites das despesas das unidades orçamentais”.
O MPLA e, consequentemente, o seu cabeça-de-lista (João Lourenço) beneficiaram desse crime para vencerem (mesmo com muita batota) as eleições e perpetuarem-se no Poder. Neste caso, como noutros, Augusto Tomás foi uma espécie de chuinga que João Lourenço mastigou enquanto tinha sabor e depois deitou fora.
Augusto Tomás é acusado de ter utilizado os dinheiros do CNC para suportar as despesas do Ministério dos Transportes que se encontravam devidamente cabimentadas e cuja verba tinha sido aprovada.
Com a formalização da acusação pela PGR, o Tribunal Supremo teve de aceitar, ou confirmar, o processo através de um despacho de pronúncia, em que foi marcada a data do início do julgamento.
Segundo a acusação, agravam a responsabilidade criminal dos arguidos a premeditação e a insistência em consumar os actos, mesmo que essas instruções tenham sido dadas, a bem da perpetuação do MPLA no Poder, pelos dirigentes máximos do MPLA, na altura, José Eduardo dos Santos e João Lourenço.
Augusto da Silva Tomás foi exonerado do cargo de ministro dos Transportes pelo Presidente João Lourenço em Junho do ano passado, não tendo sido avançados os motivos da sua exoneração. O seu afastamento ocorreu em torno de uma polémica sobre uma anunciada Parceria Público-Privada para a constituição de uma companhia aérea.
Na altura, João Lourenço declarou apenas, sem avançar mais pormenores, que a parceria não iria avançar. “Não vai adiante, não vai sair, não vai acontecer, por se tratar de uma companhia fictícia”, disse, na ocasião, João Lourenço.
Três meses após a sua exoneração, Augusto Tomás foi detido, depois de ter sido ouvido por largas horas no Departamento Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP) da PGR. O ex-ministro encontra-se enclausurado no Hospital Prisão de São Paulo, em Luanda.
Sobre o Conselho Nacional de Carregadores, a Inspecção Geral do Estado já tinha anunciado, antes da detenção de Augusto Tomás, que estavam a decorrer investigações por alegada gestão danosa daquele órgão do Ministério dos Transportes.
Uma exoneração de peso
No dia 20 de Junho de 2018, João Lourenço exonerou o seu amigo e compadre Augusto Tomás do cargo de ministro dos Transportes, tendo nomeado para aquelas funções Ricardo Viegas de Abreu, até então secretário para os Assuntos Económicos do Presidente da República.
Esta foi a primeira exoneração entre os ministros empossados em Setembro de 2017 por João Lourenço e teve todos os ingredientes para ser ou, pelo menos, parecer a criação de um bode expiatório.
A exoneração de Augusto Tomás, antigo ministro da Economia e Finanças e na tutela dos Transportes desde a presidência de José Eduardo dos Santos, surgiu cerca de duas semanas depois da polémica em torno da anunciada parceria público-privada para a constituição da tal companhia aérea.
Em Maio de 2018 foi anunciado, em Luanda, a constituição do consórcio público-privado para lançar a Air Connection Express, que pretendia garantir voos domésticos em Angola e que juntava, além da companhia de bandeira TAAG, a Airjet, Air26, Diexim, Mavewa, Air Guicango, Bestfly e a SJL, algumas destas com relações a membros do Governo angolano.
A Air Connection Express contava, como é timbre da governação do MPLA, com a participação de algumas pessoas da total confiança, e até de familiares, de João Lourenço.
Augusto Tomás era neste sector, até pela longevidade que tinha no comando ministerial, um dos quadros mais qualificados do MPLA para gerir (como auxiliar, tal como todos os ministros, do Titular do Poder Executivo) um ministério desta envergadura. Acresce que não são conhecidos, nem sequer especulados, eventuais interesses económicos ou participações societárias que Augusto Tomás possa ter nas empresas, ou nos negócios, ligados ao sector dos transportes.
Era igualmente uma figura pouco simpática junto de muitos jornalistas, sendo mesmo aventada a hipótese ser uma espécie de maçã podre no cesto de João Lourenço, o que estaria a impedir o Presidente de avançar como, supostamente, quer na cruzada contra a corrupção e na defesa da boa governação.
A construtora canadiana Bombardier chegou mesmo a anunciar a 6 de Maio de 2018 que iria fornecer, por 198 milhões de dólares (165 milhões de euros), seis aviões Q400 para a Air Connection Express, conforme contrato assinado em Luanda, na presença do ministro dos Transportes de Angola, Augusto Tomás.
Os voos do ex-ministro
Augusto Tomás não só levantava voo a propósito de tudo e de nada como, reconheça-se, que pôs Angola no ar. Recorde-se, por exemplo, a notícia de que Angola ia instalar mais de duas dezenas de novas estações de comunicação no âmbito segunda fase da modernização do espaço aéreo, para cumprir as normas internacionais, permitindo melhorar a gestão estratégica do tráfego aéreo.
De acordo com informação disponibilizada no dia 25 de Maio de 2018 pelo Ministério dos Transportes, em causa estava um contrato assinado em Abril entre a Empresa Nacional de Exploração de Aeroportos e Navegação Aérea de Angola e a empresa canadiana Intelcan Techonosystems, com vista à aplicação da segunda fase do Programa de Gestão e Controlo do Espaço Aéreo Civil (PGCEAC).
O investimento, de 63,360 milhões de dólares (54 milhões de euros), previa, no domínio dos sistemas de equipamentos de comunicações, a instalação de 14 estações VHF-ER (Very High Frequency-Extended Range), para perfazer 21 estações VSAT (Very Small Aperture Terminal), incluindo o reforço das comunicações do sistema de vigilância ADS C-CPDLC (Automatic Dependent Surveillance Contract and Controller Pilot data link Communication), já existente.
No domínio da vigilância aérea, o Ministério dos Transportes explicou que seriam instaladas nove estações de solo do ADS B (Atimatic Dependent Surveillance Broadcast) e implementado o sistema ABS B – Space Based, via satélite, entre outros equipamentos.
“O PGCEAC tem por finalidade o reforço na modernização da navegação e consequentemente na melhoria da gestão estratégica do tráfego aéreo em Angola”, garantia a mesma informação do Governo angolano.
A implementação da segunda fase do PGCEAC “transformará a região de informação de voo” de Angola “num espaço aéreo de referência internacional, a nível da segurança e eficiência, em consequência da modernização da navegação e qualidade dos serviços de controlo de tráfego aéreo”.
A autorização para este negócio foi feita por despacho presidencial de 2 de Abril, visando “a modernização do espaço aéreo, quer no que respeita a sistemas e equipamentos quer no que respeita ao cumprimento de todas as normas e recomendações da Organização da Aviação Civil Internacional para a região”.
Esta autorização, assinada pelo Presidente João Lourenço surgiu precisamente depois de o ministro dos Transportes, Augusto Tomás, ter estado de visita, no final de Fevereiro, às instalações do consórcio Intelcan, em Otava, para conhecer os equipamentos e sistemas de apoio à navegação aérea ali produzidos.
Aprovado em 2013 pelo Governo e com um plano de desenvolvimento na altura definido para quatro anos, o PGCEAC pretende reforçar o nível dos serviços de apoio aeroportuário e de navegação aérea.
Tudo era com ele
Estávamos em Abril de 2015. O Governo anunciava um investimento der 205 milhões de euros na construção de uma rodovia para transportes públicos.
Segundo um despacho presidencial de 8 de Abril desse ano, foi aprovado o projecto e a empreitada de construção dos corredores de infra-estruturas de transporte público (BRT), fase 2, que servirá a província de Luanda, visando “garantir a melhoria da qualidade de vida”.
O despacho autorizava ainda a contratação da brasileira Odebrecht para a empreitada de construção, por 202.672.923,53 dólares, (191,6 milhões de euros), e a fiscalização da obra à empresa DAR Angola, por 14,1 milhões de dólares (13,4 milhões de euros).
Em Dezembro de 2014, os ministros da Construção, Waldemar Pires Alexandre, e dos Transportes, Augusto Tomás, anunciaram que a capital angolana iria ter vias exclusivas, de mais de 32 quilómetros de extensão, para funcionar num sistema de transporte público de alta capacidade.
Tratava-se de um sistema de transportes de massa, com um corredor a ligar a estalagem, no município de Viana, na via expresso Luanda-Viana, ao estádio 11 de Novembro, desenvolvendo-se ao longo da estrada periférica de Luanda, desembocando pelo Lar do Patriota até à estrada Futungo II.
Waldemar Pires Alexandre disse que este projecto visava facilitar a mobilidade rodoviária, prevendo-se que o futuro sistema transporte cerca de 45 mil passageiros por hora e por direcção.
“Sendo esta uma das principais metas que pretendemos alcançar no âmbito da mobilidade de pessoas e de certa forma vai causar algum alívio na redução do número de veículos a trafegarem pela cidade”, disse o ministro.
Por sua vez, o titular da pasta dos Transportes adiantou que ao longo da extensão daquela via serão construídas 28 estações. Augusto Tomás sublinhou que vão fazer parte da frota 240 autocarros, do tipo regular, articulados e biarticulados.
Folha 8 com Lusa
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