O presidente da UNITA, Isaías Samakuva, criticou hoje as medidas governamentais (MPLA) relacionadas com a justiça, defendendo que o combate à corrupção em Angola está “incompleto” e “mal direccionado”, não se esgotando na detenção de “alguns tubarões”. Tubarões que, presume-se sem grandes certezas, estarão inocentes até prova em contrário.
Ao discursar no final da I Conferência Nacional sobre o Ano da Consagração da Memória de Jonas Malheiro Savimbi, que decorreu hoje em Talatona, na zona sul de Luanda, Isaías Samakuva, salientou que, além da corrupção financeira, falta ao Governo do Presidente João Lourenço combater as irregularidades eleitorais, estruturais e institucionais.
Mais valia, a bem do rigor, dizer que num país que tem também 20 milhões de pobres, um alto índice de mortalidade infantil, 46% da população sem registo de nascimento, uma elevada taxa de desemprego, uma saúde miserável e um ensino medíocre, falta (quase) tudo.
“A luta que hoje se faz contra a corrupção está mal direccionada. A verdadeira luta contra a corrupção sistémica não pode ser dirigida para satisfação de objectivos políticos pessoais ou de grupos, mas sim contra o sistema corruptor, montado e dirigido pelo MPLA”, afirmou o líder da UNITA.
Na intervenção de 45 minutos, Samakuva exigiu a revisão da Constituição de 2010, que dá plenos poderes ao Presidente da República, alterações na lei e na composição da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), para a transformar numa entidade “independente”, e a mudança de regime.
“O objectivo da luta contra a corrupção não deve ser o branqueamento da imagem de um partido, mas sim o resgate da pátria e a libertação do Estado das garras da oligarquia, o que implica a mudança de regime, do sistema no seu todo e a efectivação real da transição democrática acordada em Bicesse”, a 31 de Maio de 1991, que selou o acordo de paz entre MPLA e UNITA e levou à realização de eleições gerais em 1992, disse Isaías Samakuva.
Nesse sentido, o líder do partido do “Galo Negro” insistiu na questão do combate à corrupção, salientando que há ainda “muito por fazer” numa luta que, no seu entender, é “selectiva, incompleta e mal direccionada”.
“Os angolanos não se devem entusiasmar com meia dúzia de prisões de alguns tubarões. Estas prisões não irão reduzir a pobreza, não irão aumentar a produção interna, nem garantir as transformações de fundo de que o país precisa nos sistemas da educação, saúde e assistência social”, declarou.
“A luta é selectiva porque parece dirigir-se apenas contra certas pessoas do sistema e não contra o sistema em si, que está montado para a sobrevivência do ‘partido-estado’ com a corrupção. Todos sabem que ministros, governadores e outros dirigentes são utilizados para roubar o Estado e financiar o ‘partido-estado'”, acusou.
Para Samakuva, a liderança do MPLA, partido dirigido por João Lourenço e no poder desde 1975, “reconheceu alguns dos actos de corrupção que cometeu” ao longo da História de Angola, com particular ênfase no próprio passado do partido.
“A fraude sobre a data da sua criação, a fraude sobre a identidade do seu fundador, a fraude sobre os seus presidentes, a fraude sobre o genocídio contra os seus dissidentes [27 de Maio de 1977] e as fraudes eleitorais [em 1992, 2008, 2012 e 2017]. É chegado o momento de se fazerem as correcções necessárias à Constituição e às leis para que Angola termine de vez com as fraudes institucionalizadas e continuadas”, disse.
Todos estes factos, à excepção do “Caso Nito Alves”, foram reconhecidos por João Lourenço (como se nada tivesse a ver com o MPLA e com a governação anterior da qual foi ministro), no discurso proferido em Setembro de 2018, momentos após ter sido empossado como Presidente do MPLA, ao lembrar que a “História” do partido sempre omitiu os nomes dos que, de facto, foram os primeiros líderes do partido: Ilídio Machado e Mário Pinto de Andrade.
Da mesma forma, hoje, Samakuva lamentou a “deturpação” e o “denegrir” da imagem com que a “história do MPLA” tratou (e continua a tratar) o fundador da UNITA, Jonas Savimbi, que, nas palavras do actual líder do “Galo Negro”, foi “um nacionalista implacável” que sempre defendeu a unidade de Angola e “nunca traiu a pátria ou se deixou corromper”.
“O presidente fundador da UNITA [criada em 1966] nunca se vergou aos interesses hegemónicos de nenhuma potência estrangeira, nem de nenhum grupo nacional. Comandou exércitos, venceu batalhas, administrou territórios, conquistou poder e geriu milhões de dólares, mas nunca traiu a Pátria, nunca hipotecou o futuro do país, nunca utilizou os recursos públicos para enriquecimento pessoal ou dos seus filhos, nunca desviou dinheiro de Angola para o estrangeiro”, sublinhou Samakuva.
Sobre as exéquias fúnebres do líder fundador da UNITA, que foi morto em combate a 22 de Fevereiro de 2002 (fez sexta-feira 17 anos) e cujo corpo foi exumado a 31 de Janeiro último para vir a ser sepultado na aldeia natal de Munhusse (Lopitanga), no Andulo (Bié), Samakuva considerou um acto “justo” para que Jonas Savimbi possa “descansar eternamente no local da sua própria escolha”.
Os restos mortais de Jonas Savimbi estavam sepultados no cemitério municipal do Luena, sob sequestro do Governo, e foram exumados a 31 de Janeiro para determinar se o ADN é o correcto, trabalho que está a ser realizado por três equipas forenses diferentes – uma portuguesa, outra sul-africana e outra angolana -, prevendo-se que se possa proceder à cerimónia fúnebre entre Abril (como defendido pelo Governo) ou Junho (como prefere a UNITA).
O líder “histórico” da UNITA nasceu a 3 de Agosto de 1934, no Munhango, a comuna fronteiriça entre as províncias do Bié e Moxico, e viria a ser morto em combate após uma perseguição das Forças Armadas Angolanas a 22 de Fevereiro de 2002, próximo de Lucusse, no Moxico.
Um fantasma que está vivo mesmo depois de morto
Por imposição e medo do regime que é liderado pelo MPLA desde 1975, ainda hoje muitos políticos angolanos evitam falar de Jonas Savimbi e, mesmo que a despropósito, escolhem Agostinho Neto.
Quer o MPLA goste ou não (não só não gosta como odeia), Jonas Savimbi faz parte da História de Angola. Mesmo quando a reescrevem não conseguem fazer com que a sua mentira – repetida milhões de vezes – se torne verdade.
Jonas Savimbi muito cedo sentiu o despertar do espírito patriótico-nacionalista que o acompanhou durante toda a sua vida. Formou-se em ciências políticas e jurídicas na Universidade de Lausanne – Suíça, com distinção.
Muitos por cá, mas não só, são comprados para deturpar e ofuscar o seu papel na História de Angola. Porém, os factos são teimosos e quando se constituem em contributo para a História da Humanidade, eles são inapagáveis.
Jonas Malheiro Savimbi, inconformado com a realidade colonial no nosso país, ingressou na UPA (União dos Povos de Angola) em Fevereiro de 1961. A sua influência fez-se sentir imediatamente, tendo sido nomeado Secretário-Geral desse movimento. A acção política de Jonas Savimbi encorajou muitos jovens intelectuais a aderirem àquela organização nacionalista, facto que veio dar um novo ímpeto à UPA.
Em 1962 conseguiu convencer os Dirigentes do PDA (Partido Democrático Angolano) e da UPA a uma fusão de que resultou a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola). Ainda nesse ano, com o seu contributo directo, constituiu-se o GRAE (Governo Revolucionário de Angola no Exílio), primeiro instrumento politico-jurídico nacional opositor do regime colonial e Jonas Malheiro Savimbi desempenhou funções de Ministro dos Negócios Estrangeiros desse Governo. A sua habilidade diplomática permitiu o reconhecimento do GRAE pelas instituições regionais e internacionais.
Jonas Malheiro Savimbi, em 25 de Maio de 1963, participou na criação da OUA (Organização da Unidade Africana) como Presidente da Comissão de todos os Movimentos de Libertação de África, que endereçou um memorando aos chefes de estado africanos, lido diante da Assembleia Magna da OUA pelo veterano do Quénia, Onginga Ondinga. Esta Comissão era dinamizada por Jonas Savimbi – Presidente, Mário Pinto de Andrade – Secretário e Julius Kianu – Relator.
As divergências de pensamento e método político com a Direcção da UPA quanto à condução da luta, levaram Jonas Malheiro Savimbi a abandonar a organização e fundar a União Nacional para a Independência Total de Angola – UNITA, criando assim mais um espaço político de luta de libertação para dar novo impulso à luta anticolonial, baseando-se em três princípios fundamentais:
a) Direcção no interior do país;
b) Contar essencialmente com as nossas próprias forças;
c) Consciencializar o Povo e uni-lo na luta pelos seus direitos inalienáveis.
Assim a UNITA, sob a Presidência de Jonas Malheiro Savimbi é criada aos 13 de Março de 1966 no Muangai, província do Moxico, apresentando aos presentes o seu projecto politico baptizado de Projecto do Muangai ou Projecto dos Conjurados do 13 de Março.
A 4 de Dezembro de 1966, Jonas Malheiro Savimbi recebe o “baptismo de fogo” no ataque ao posto colonial de Kassamba, comandado directamente por ele. Mas foi a 25 de Dezembro de 1966 no ataque à vila de Teixeira de Sousa que oficialmente a UNITA sob liderança do seu Presidente, inicia a Luta Armada de Libertação Nacional. Este ataque deu à UNITA a sua personalidade politica e o seu reconhecimento nacional e internacional.
De 1 a 6 de Julho de 1967, Jonas Malheiro Savimbi é detido na Zâmbia, quando fazia uma digressão no exterior do país para angariar meios para a continuação da luta, devido aos ataques que a UNITA levava a cabo ao longo do Caminho de Ferro de Benguela (CFB). Aprisionado durante 6 dias, Jonas Savimbi, graças à intervenção do Presidente Nasser do Egipto junto do Presidente Kaunda, é exilado no país de Nasser durante nove meses, de onde regressa clandestinamente à Angola, em Julho de 1968.
Jonas Malheiro Savimbi foi o único dirigente dos movimentos de libertação nacional que se encontrava no interior do país por ocasião da revolução do 25 de Abril de 1974, em Portugal. Por isso, Jonas Savimbi viu-se obrigado a deslocar-se para o exterior do país com vista a procurar uma aproximação com os outros presidentes dos movimentos de libertação para estabelecerem uma plataforma de cooperação em face da presente realidade político-militar. Assim, em 25 de Novembro de 1974, em Kinshasa – Zaire, Jonas Savimbi assinou a plataforma de cooperação com Holden Roberto da FNLA.
A 18 de Dezembro de 1974 assinou a plataforma de cooperação com António Agostinho Neto do MPLA, no Luso – Moxico. De recordar que as conversações com o Presidente Neto iniciaram em Dar es Salaam (Tanzânia) em Novembro do mesmo ano e no Luso assinou-se a plataforma.
Jonas Malheiro Savimbi promoveu a Conferencia de Mombaça no Quénia em que participaram os líderes dos três movimentos de libertação, onde concordaram estabelecer uma plataforma de entendimento e cooperação criando condições conducentes à negociação com a entidade colonizadora, para a Independência de Angola. Esta Conferência ocorreu de 3 a 5 de Janeiro de 1975.
Por ocasião das discussões dos acordos de Alvor, Jonas Savimbi apresentou o texto onde defendia a multirracialidade de Angola e enriqueceu, também, os princípios referentes às eleições gerais. Jonas Malheiro Savimbi foi signatário dos Acordos de Alvor a 15 de Janeiro de 1975, juntamente com Holden Roberto e Agostinho Neto e os seus movimentos (FNLA, MPLA e UNITA) reconhecidos como os únicos representantes do Povo Angolano.
Os Acordos de Alvor eram o único instrumento político-jurídico de transição do poder do regime colonial português para os angolanos, representados pelos três movimentos de libertação. Esta transição passaria por eleições livres em Outubro de 1975 e o Governo saído das eleições proclamaria a 11 de Novembro de 1975, em nome de todo Povo Angolano, a Independência do País.
Muito cedo o MPLA iniciou (com o total apoio das autoridades coloniais portuguesas) a inviabilização da aplicação dos Acordos de Alvor, excluindo do processo a FNLA e a UNITA. Em face desse clima de violação dos Acordos, Jonas Savimbi, numa tentativa de salvá-los, no dia 16 de Junho de 1975, promoveu a cimeira de Nakuru (Quénia) entre os dirigentes dos três movimentos para se restabelecer a paz no País antes da data acordada para a Independência.
Infelizmente, o MPLA violou totalmente os Acordos de Alvor e autoproclamou-se como o único representante do Povo Angolano e adjectivou os outros movimentos de inimigos e por isso nenhum palmo de terra para esses inimigos em Angola.
Assim, a 11 de Novembro de 1975 Agostinho Neto proclama a Independência de Angola em nome do Comité Central do MPLA e não do Povo Angolano.
Perante esta exclusão, acrescida a máxima de que para o inimigo (UNITA) nem um palmo de terra, Jonas Malheiro Savimbi apela – com êxito – à resistência popular generalizada contra o regime monopartidário e ditatorial do MPLA, na altura apoiado pelo imperialismo russo-cubano.
Assim, durante 16 anos, Jonas Malheiro Savimbi dirigiu a resistência contra o expansionismo russo-cubano e o monopartidarismo, tendo angariado apoios e simpatias interna e externamente. Classificado como estratega político-militar de craveira internacional; combatente pela liberdade; esperança de Angola pelos países amantes da liberdade e da democracia, Jonas Savimbi, obrigou à saída dos cubanos de Angola e o fim do monopartidarismo.
A 31 de Maio de 1991, Jonas Savimbi assinou os Acordos de Bicesse/Portugal com Eduardo dos Santos, acordos que puseram fim à República Popular de Angola, levando o País às primeiras eleições gerais em Setembro de 1992.
As eleições de 1992 foram classificadas pela oposição de fraudulentas e não credíveis, reabrindo assim o clima de instabilidade.
A 16 de Outubro de 1992, Jonas Savimbi, em nome da UNITA aceita os resultados das eleições para evitar o impasse e o regresso à guerra. Mas como as maquinações no sentido de voltar a impor o cenário de 1975/76 tinham amadurecido, o MPLA pôs em marcha a sua estratégia de genocídio politico-tribal, massacrando dirigentes e quadros, assaltando e espoliando todo o património da UNITA
Mesmo diante deste clima, Jonas Savimbi procurou sempre vias do diálogo para solucionar o conflito pós-eleitoral, protagonizando variadíssimas iniciativas diplomáticas em prol da Paz.
A carreira de Jonas Savimbi foi fundamentalmente de um cidadão sensível aos problemas do seu Povo; de um empenho total as causas profundas e legítimas do seu Povo; de um condutor de homens cujo pensamento e acção determinaram a evolução do processo de libertação do Povo de Angola e de África Austral, tornando-o num dos patriotas mais vibrantes e empreendedores do fim do Século XX.
Jonas Malheiro Savimbi tinha uma visão clara e convicta da dinâmica da sociedade e da necessidade de se ajustar a prática política à evolução inevitável da história. Foi ele, o único dirigente nacionalista angolano que circunscreveu nos ideais do seu movimento, aquando da sua fundação em 1966, a democracia assegurada pelo voto do Povo através de vários partidos políticos. Impregnado deste valor, Jonas Savimbi, lutou com ele contra o colonialismo e o exclusivismo do sistema monopartidário.
Folha 8 com Lusa