O brilhante “criador de palavras” Mia Couto diz, em «Jesusalém», que seria mais acertado dizer «partida» e não «parto», pois é um momento em que se dá a partida de algo que nos pertenceu. Ao dar a luz, a mulher deixa de ter a criança como parte do seu corpo. Daí o parto é a partida duma parte.
Por Sedrick de Carvalho
Essa partida é dolorosa, pois separar-se de parte do corpo é um processo de vida e morte, e nem preciso falar do índice de mortalidade materno-infantil no nosso país.
E foi doloroso o «parto» de «Cabinda – Um Território Em Disputa», que iniciou a “gestação” na “minha” quarta cela solitária em Calomboloca. Tirei notas no hospital-prisão de São Paulo, contactei alguns participantes enquanto estava em prisão domiciliária e outros a partir da cadeia de Caboxa e Kakila, via telefónica.
É isso! Me confesso. Cometi uma indisciplina passível de punição com o último nível legal internamente. Mas a minha estadia na cadeia começou já no nível punitivo “muito grave” – o último, isolamento. Telefonei até para França de Kakila. Lá estava outro co-autor. É uma confissão e não é bem assim uma confissão, pois não estava a cometer nenhuma irregularidade visto que estava preso injusta e ilegalmente, logo, não deveria estar limitado de comunicar-me com quem quisesse.
A tia Manuela Serrano – já que ontem publicamente falou disso então também falo – várias vezes me aconselhou com veemência para que não fizesse esse trabalho enquanto estivesse preso porque, ao fazer e se fosse descoberto que estava a fazer naquelas condições, certamente não sairia da cadeia tão cedo, isto se algum dia saísse. Ficava apreensiva quando eu a contactava. Dizia para desligar o Facebook porque as ordens superiores eram para que não nos comunicássemos com seja quem fosse. Lá avancei, não acatando o conselho da tia Nela que tinha toda razão de recear o pior para mim porque, melhor do que eu, ela acompanhou e acompanha os que sofreram e sofrem as consequências de abordar pacificamente Cabinda sem preconceitos.
Nunca pensei em desistir deste projecto, embora pudesse ser interrompido caso a greve extrema não tivesse terminado mal começara em Dezembro. Entretanto, com toda a razão os co-autores pensaram que já havia desistido de uma ideia nascida na cadeia há quase três anos. Desenvolver projectos é sempre difícil – acompanhei imensas vezes o Domingos Da Cruz Maninho nas pesquisas dos seus livros e sabia minimamente que para avançar é preciso uma grande força invisível ao exterior.
E nessa força invisível entra a minha esposa Neusa Marques De Carvalho que, para além de todo o amor e apoio emocional, assumiu corajosamente a tarefa de contactar alguns co-autores, para espanto deles, quando voltei à cadeia em Março de 2016. Ela lidera a lista dos agradecimentos no livro.
Mas todo parto precisa de quem o ajude a fazer. É assim que surge o último interveniente nesse processo de “gestação” – o ilustre Manuel S. Fonseca com a máquina editorial Guerra e Paz Editores. As palavras de Manuel S. Fonseca foram: «Sedrick, vamos publicar esse livro». Dessas palavras ficou claro que o parto seria feito por uma editora de rigor científico reconhecido e que hoje completa 12 anos desse exercício tão antigo e nobre – trazer à luz do dia e da noite ideias e ideais.
Não tenho grande mérito nesse trabalho. Têm os co-autores que não hesitaram em aceitar o convite de um presidiário condenado a ficar quatro anos e meio na cadeia. Um declarado excluído da sociedade. Relegado à escória da sociedade. O primeiro a responder ao convite foi o Professor Alberto Oliveira Pinto, «meu orientador» – espero que não lhe recebam o recente prémio que conquistou como fizeram ao tio Setas António -, mas foi o Mais Velho Marcolino Moco a primeira pessoa que, talvez em Outubro de 2016, me contou a razão para ter aceitado o convite. E a explicação resume o que todos os co-autores me disseram depois: dar o apoio necessário aos jovens que têm incontornavelmente de serem ouvidos nessa Angola. E esses jovens somos todos.
Quanto ao mérito… Pelo contrário, estou agora profundamente comprometido com a busca pela resolução do conflito em Cabinda, e por isso brevemente apresentarei o próximo desafio.
Meus agradecimentos ab imo corde ao Professor Alberto Oliveira Pinto, Dr. Marcolino Moco, Pastor Waco Afonso Justino, tio Orlando Castro, Dr. Francisco Luemba, ilustre Rui Neumann, o cota José Marcos Mavungo, tia Manuela Serrano. Domingos Da Cruz Maninho e Lisa Rimli.
Agradeço também a todos os que compareceram ao lançamento. E obviamente aos que não estiveram mas ligaram e mandaram mensagens a felicitar pelo trabalho.
O «parto» está feito e o resultado não me pertence mais. Está solto e em pedacinhos circula em várias mãos pelo mundo, sim, pelo mundo, porque, para além de em Portugal, o livro já tem leitores em França, Dinamarca e, claro, em Angola.
Com Muita Estima,