Está na moda e não há dirigente político do Governo que não dê palpites, que não opine, que não queira dizer de sua justiça, mesmo quando o assunto é de outro âmbito governativo. Desta vez foi o ministro do Interior de Angola, Ângelo Veiga Tavares, que hoje defendeu, em Luanda, uma maior cooperação internacional no combate aos crimes transnacionais, para facilitar a recuperação dos activos financeiros no exterior do país.
Por Norberto Hossi (*)
 ngelo Veiga Tavares discursava na abertura do Conselho Consultivo Alargado do Ministério do Interior, que hoje arrancou em Luanda, apelando a uma maior cooperação, quer com a Interpol, quer através dos acordos bilaterais e multilaterais existentes.
O governante angolano realçou na sua alocução que Angola vive um momento em que há uma maior exigência para com os distintos órgãos que intervêm na administração da justiça.
O titular da pasta do Interior manifestou preocupação também com a “maior circulação, fluidez, na disseminação de informações, particularmente através das redes sociais, muitas delas feridas de verdade e com o fito de causar o sentimento de insegurança e de difamar outrem”.
Não poderia faltar a acusação sobre esses malfeitores das redes sociais que, talvez como os jornalistas (não é, senhor ministro?) passam a vida a alimentar “o sentimento de insegurança e a difamar”. O melhor será mesmo tratar de mandar essa gente para campos de reeducação onde possam frequentar cursos de “educação patriótica”.
“Isso implica que o nosso sentido de responsabilidade deve aumentar por parte de todos os efectivos do Ministério do Interior e um verdadeiro trabalho de moralização interna deve ser feito, com vista a uma postura condigna e de um verdadeiro agente da autoridade”, frisou.
Aumentar “o sentido de responsabilidade por parte de todos os efectivos do Ministério do Interior”? Não seria mais aconselhável criar antes de aumentar? É que, parece-nos, aumentar o que não existe não resulta.
Segundo Ângelo Veiga Tavares, há também trabalho a fazer no sentido de contribuir para a educação jurídica da população e torná-la um verdadeiro participante da sua própria segurança.
Ora aí está. Isso sim. Juntar a “educação jurídica” à “educação patriótica” é uma boa solução. O ministro do Interior mostra que está atento e disposto a dar luta a todos aqueles que teimem em pensar de maneira diferente do regime. E só por ser diferente está, convenhamos, errada.
Para o ministro, a Polícia Nacional e o Serviço de Investigação Criminal (SIC) devem ser mais contundentes no combate aos crimes violentos, devendo o SIC, em particular, “fazer recurso à inteligência criminal, trabalhar para descobrir os crimes de corrupção e outros de índole financeira, que de uma ou de outra forma contribui para o aumento das dificuldades dos nossos cidadãos”.
O mesmo ministro em 2015
É comovente e de louvar esta preocupação do ministro Ângelo Veiga Tavares com as “dificuldades dos nossos cidadãos”. Por alguma razão, em 2015, o ministro do Interior entendia como “prudente” a detenção dos 15 activistas angolanos, para não permitir o desenvolvimento de planos apoiados por forças estrangeiras para a desestabilização do país, que previam “mortes”.
Ângelo Veiga Tavares, que no dia 4 de Novembro de 2015 falava, em Luanda, em conferência de imprensa sobre o plano das comemorações dos 40 anos da independência de Angola, referia-se ao grupo dos 15 que estão detidos desde Junho desse ano, acusados de prepararem uma rebelião e um atentado contra o Presidente da República.
O ministro apontou, a título de exemplo, que o Governo convidou em 2014 uma cidadã europeia (italiana) a abandonar o país, porque esta se reuniria com aquele grupo, supostamente dando indicações para que nas manifestações de contestação ao regime deveriam ser provocados confrontos com a polícia, gerando entre 20 a 25 mortos.
“Por isso é que em alguns casos, a polícia prefere não permitir que tais manifestações atinjam um nível de confronto para atingir esse fim. Portanto, essa cidadã europeia foi convidada a abandonar o país”, frisou Ângelo Veiga Tavares.
Segundo o ministro, também em alguns círculos diplomáticos, alguns cidadãos com esse estatuto instigavam esses jovens “e coincidentemente sempre na mesma perspectiva”.
“Haver confrontos para permitir – era o termo que utilizavam – a intervenção do ocidente e, por caricato que pareça, a cifra era sempre a mesma, entre 20 e 25 mortos”, acrescentou.
“Portanto, o que se estava a passar não era aquela habitual tentativa de simples manifestação, era coisa bem diferente, era coisa bastante ousada. Ou seja, no meu entendimento, havia sim alguém por trás a arregimentar e a aproveitar o estado de alma desses jovens para fins diferentes daqueles que estão mais desenvolvidos do ponto de vista democrático”, acusou o ministro.
Ainda sobre as investigações, Ângelo Veiga Tavares disse que em finais de 2013 transmitiu à UNITA, o maior partido da oposição, que alguns núcleos daquela força política estavam, naquela altura, a procurar localizar a casa dos ministros da Defesa e do Interior, do chefe do Serviço de Inteligência, do Comandante Geral da Polícia Nacional e do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas.
O titular da pasta do Interior frisou ainda que havia também informações sobre a preparação de alguma desordem na capital angolana, com a ocupação de novas centralidades habitacionais, a destruição de viaturas e de multibancos.
“Nós, confrontados com esses dados que tínhamos do passado, com essa ingerência de fora, que perspectivava que se criasse condições de confronto e mortes para que houvesse intervenção do ocidente, achamos prudente ter algumas atitudes que permitissem cortar e não permitir o desenvolvimento de acções dessa natureza”, afirmou o ministro.
O ministro sublinhou que as autoridades angolanas não têm “o prazer de prender quem quer que seja”, realçando que o processo de paz em Angola ainda “não está totalmente consolidado”, por isso há necessidade de algumas cautelas na abordagem de certos assuntos.
Novamente sobre a ingerência externa nos assuntos de Angola, e sem concretizar (acusar sem provar está no ADN do regime), Ângelo Veiga Tavares frisou a necessidade de os angolanos preservarem “um ganho muito importante”, que foi terem conseguido alcançar a paz “metendo de fora os estrangeiros”.
“Hoje, há a tentativa e o agrado do estrangeiro, porque estamos a abrir outra vez uma brecha para que esses estrangeiros venham determinar e voltar ao passado de desentendimento”, realçou.
Admitindo “problemas por resolver” no país, sublinhou que o tempo é dos políticos resolverem internamente.
“Porque há uma tendência muito grande de dar espaços muito bem desejados por alguns estrangeiros, para desvirtuarem e criarem situações de muitas dificuldades, que podem ser muito graves e trazer-nos consequências muito perigosas”, concluiu.
Ângelo Veiga Tavares foi, apesar de tudo, modesto no enquadramento. Esqueceu-se de dizer que foi descoberto em poder dos jovens diverso material bélico, altamente letal, a saber: 12 esferográficas BIC (azuis), um lápis de carvão (vermelho), três blocos de papel (brancos) e um livro sobre como derrubar de forma pacífica as ditaduras.
Sabe-se, igualmente, que a Polícia Nacional do regime descobriu que os jovens activistas tinham mísseis escondidos nas lapiseiras, Kalashnikovs camufladas nos telemóveis e outro armamento pesado e letal disfarçado nos blocos de apontamentos. São, reconheça-se, provas mais do que suficientes para provar que estavam a preparar um golpe de Estado.
Os jovens estavam (era isso, não era senhor ministro Ângelo Veiga Tavares?) no seu quartel-general, por sinal uma residência em Luanda, numa reunião dos seus estrategas militares que planeavam o golpe a partir da leitura do livro “Da ditadura à democracia — Uma estrutura conceptual para a libertação”, do norte-americano Gene Sharp.
No quintal, debaixo de uma mangueira, o exército mobilizado por esses jovens (talvez uns milhões de guerrilheiros) afinava os códigos para lançamento dos mísseis e, talvez, até de ogivas nucleares contra a residência de Eduardo dos Santos…
Perante este manancial de provas, o Ministério Público do regime provou que os jovens activistas estavam envolvidos numa conspiração para a “destituição do Presidente da República e de outros órgãos de soberania”, plano que estava a ser congeminado há muito, muito tempo. Cerca de três meses.
De regresso a 2018
Relativamente ao Serviço de Migração e Estrangeiros (SME), o governante apontou a necessidade de uma maior capacitação, “com vista a adaptar-se e dar resposta pronta ao momento actual, que recomenda mais abertura com vista ao incentivo do desenvolvimento e empreendedorismo”.
Ângelo Veiga Tavares apelou ainda que o serviço penitenciário, com o apoio da caixa de protecção social, alargue a capacidade produtiva dos estabelecimentos prisionais, para contribuir na produção alimentar, entre outras, e formar recursos nas distintas artes e ofícios, facilitando a sua inserção na vida livre.
Outra nota foi feita ao sistema de protecção civil, no sentido do seu aprimoramento, com vista a uma resposta mais rápida e eficaz nos diferentes níveis de actuação, devendo a educação da população ser um factor de destaque, para a diminuição dos riscos e vulnerabilidade a que estão expostos.
À Polícia Nacional, o ministro do Interior endereçou felicitações “pela forma como vem reduzindo as cifras negras dos registos dos crimes”.
Contudo, a introdução de maior rigor e firmeza no combate à corrupção, à indisciplina, junto dos efectivos, é um dos desafios que ainda têm pela frente, de acordo com Ângelo Veiga Tavares.
Durante dois dias, será realizado o balanço do grau de cumprimento do Conselho Consultivo realizado em Dezembro de 2017, apresentado o relatório de Segurança Pública no mesmo período, bem como será apreciado o Projecto de Lei do Regime de Porte e Uso de Armas de Fogo e outros meios coercivos pelos agentes da Polícia Nacional.
(*) Com Lusa