Angola prevê emitir em 2018 até 295 milhões de euros em dívida pública indexada à taxa de câmbio do dólar, contrariando assim a opção inicial, revelada em Fevereiro pelo ministro das Finanças de Angola, Archer Mangueira.
De acordo com decreto executivo 25/18, assinado pelo ministro das Finanças, é autorizada, para este ano, a emissão de Obrigações do Tesouro em kwanzas, “com taxas de juro de cupão definidas na colocação, através de leilão de quantidade” e actualização em função da “variação diária da taxa de câmbio de referência” do Banco Nacional de Angola para a compra de dólares norte-americanos.
Para este efeito, fica prevista a colocação de Obrigações do Tesouro angolano, indexadas à taxa de câmbio do dólar, de até 77.820 milhões de kwanzas (295 milhões de euros), para “financiamento de investimentos públicos previstos no Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2018”.
O ministro das Finanças afirmou a 14 de Fevereiro, na sequência da aprovação final da lei do OGE para 2018, que a dívida pública de Angola vai passar a ter maturidades mais longas, acabando a indexação ao dólar.
De acordo com Archer Mangueira, em causa estavam medidas que visavam reduzir o endividamento angolano e que passam, nomeadamente, pelo “abandono da indexação da dívida”, um tipo de emissão que até agora protegia os investidores da desvalorização do kwanza angolano.
“Angola vai deixar de emitir instrumentos de dívida, designadamente Bilhetes do Tesouro e Obrigações do Tesouro, indexados ao dólar”, afirmou então o Ministro das Finanças.
O anúncio do fim da emissão de dívida indexada ao dólar surgiu precisamente numa altura em que, apenas desde 9 de Janeiro, o kwanza já desvalorizou mais de 20% para a moeda norte-americana e 30% para o euro, com a introdução pelo Banco Nacional de Angola do novo regime flutuante cambial.
“O objectivo é de facto alterar a actual trajectória crescente da dívida. Fazer com que ela deixe de estar concentrada em instrumentos de muito curto prazo, designadamente Bilhetes do Tesouro, que são instrumentos que o Estado coloca no mercado para captar recursos com uma maturidade de apenas um ano, para permitir que esta dívida seja paga ao longo do tempo, evitando que haja uma pressão de tesouraria no curto prazo”, avançou o ministro das Finanças.
O ministro das Finanças explicou anteriormente no Parlamento que em 2018 o Estado vai precisar de contrair 1,128 biliões de kwanzas de dívida (cinco mil milhões de euros), enquanto necessidades liquidas, e que 4,153 biliões de kwanzas (18.650 milhões de euros), serão para pagar o serviço da dívida actual, respeitante a este ano.
Na prática, mais de 50% da despesa pública está direccionada para o pagamento da dívida pública angolana, em 2018.
A tese defendida em 3 de Janeiro
O ministro das Finanças de Angola, Archer Mangueira, admitiu no dia 3 de Janeiro estar a estudar o fim da indexação do kwanza ao dólar, mas acompanhando de perto a variação da moeda para garantir que não vai flutuar de forma descontrolada.
“Vamos olhar atentamente para a grande diferença entre a taxa de câmbio oficial e a paralela, e considerar deixar que a moeda flutue, mas isso será feito com um olhar atento para garantir que o kwanza não fique descontrolado”, anunciou Archer Mangueira em entrevista publicada nesse dia pelo The Banker, uma revista do grupo do jornal Financial Times.
Na entrevista, o ministro das Finanças (que transitou do governo anterior de José Eduardo dos Santos) disse que o país tem “carregado um fardo pesado por ter mantido uma taxa fixa face ao dólar desde Abril de 2016”, o que originou um enorme desfasamento entre a taxa oficial, de 166 kwanzas por dólar, e os cerca de 430 kwanzas por dólar nas transacções feitas no mercado paralelo.
Para além da flutuação do kwanza, o ministro disse também à revista The Banker que um dos objectivos para este ano é “acelerar a mobilização das receitas”, o que envolve, entre outras medidas, “expandir a base de taxação de forma a que não aumente o fardo para os actuais contribuintes”, optando por direccionar os esforços para “alguns sectores subtaxados, que incluem as tarifas e as importações e novas formas de impostos sobre a propriedade”.
Do lado da despesa, Archer Mangueira salientou o “fim progressivo dos subsídios, incluindo os generosos subsídios na água e energia, o que deverá gerar uma margem orçamental adicional”.
Assim, o défice deverá melhorar de 3,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017 para 3,2% este ano, ajudado também pela adopção de medidas “para garantir que há um processo de licitação transparente nas obras públicas, usando um mecanismo electrónico para a provisão de bens e serviços para o Governo”.
De acordo com dados divulgados pela agência de informação financeira Bloomberg, as reservas de Angola em moeda estrangeira diminuíram de 15,4 mil milhões em Outubro para 14,2 mil milhões de dólares em Novembro, o que representa uma queda superior a 25% face aos mais de 20 mil milhões no início de 2017.
Numa reunião do Conselho de Ministros, orientada pelo Presidente da República, João Lourenço, foi aprovado um Programa de Estabilização Macroeconómica para o ano de 2018, um documento que, segundo a Presidência, “visa, a partir do imediato e de forma efectiva, dar início a um processo de ajuste macroeconómico, do ponto de vista fiscal e cambial, que permita o alinhamento da nossa economia a um ambiente referenciado como novo normal”.
Desvalorização acelerada do kwanza
Recorde-se que o kwanza perdeu 30% do valor face ao euro e mais de 22% para o dólar norte-americano em dois meses, desde a estreia do regime flutuante cambial, em que as taxas de câmbio são formadas nos leilões de divisas.
Esta depreciação, que foi mais acentuada em Janeiro e que desde Fevereiro tem rondado um ritmo de quase 1% por semana, foi confirmada com cálculos feitos a partir das taxas cambiais oficiais do Banco Nacional de Angola (BNA), de 1 de Janeiro e de 8 de Março.
No início de Março a taxa de câmbio média do euro rondava os 264,37 kwanzas, quando a 1 de Janeiro era de 185,40 kwanzas, o que representa uma depreciação de 29,8% no espaço de dois meses. Já o dólar norte-americano era cotado à taxa média de 213,25 kwanzas, quando há dois meses valia 165,92 kwanzas, uma depreciação, neste caso, de 22,2%.
Folha 8 com Lusa