O Presidente do Conselho de Administração da Sonangol, petrolífera estatal angolana, denunciou hoje em Luanda a realização de uma transferência de 38 milhões de dólares (31,1 milhões de euros), pela administração cessante, após a sua exoneração.
Carlos Saturnino, que falava hoje em conferência de imprensa, no âmbito dos 42 anos de existência da petrolífera, deixou a gravata no gabinete, mostrou que quer ser o homem certo no lugar certo, pôs os jornalistas à-vontade, não se furtou a responder e a sua postura foi, se comparada com a da sua antecessora, diametralmente oposta. Deu, aliás, uma lição na arte de bem dirigir uma conferência de Imprensa.
Isso não o impediu de reconhecer que a empresa está doente mas que, garante, em breve estará de plena saúde. E sobre a doença, enumerou algumas constatações sobre o grupo Sonangol, que encontrou após a exoneração da anterior administração, liderada por Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos.
“Tomamos posse no dia 16 de Novembro de 2017 e nesse dia, à noite, apercebemos que o administrador que cuidava das finanças na Sonangol, embora tivesse sido exonerado no dia 15, ordenou uma transferência no valor de 38 milhões de dólares para a Matter Business Solution, com sede no Dubai”, acusou.
Segundo Carlos Saturnino, a referida transferência foi realizada através do banco BIC, “que passou a ser um dos bancos preferenciais a nível da Sonangol”.
“Acho que isso dispensa comentários. Não foi o único caso. No dia 17 de Novembro, houve o pagamento de mais quatro facturas também. Ou seja, como é que pessoas que tinham sido exoneradas pelo Governo ainda faziam transferências. Não pode ser um acto de boa-fé de certeza absoluta”, observou Carlos Saturnino.
Isabel dos Santos foi Presidente do Conselho de Administração da Sonangol entre Junho de 2016 e Novembro de 2017, até ser exonerada pelo novo Presidente da República, João Lourenço, que colocou Carlos Saturnino na liderança da petrolífera.
Ficou, entretanto, a saber-se que a Sonangol vai manter as participações que tem no capital social da portuguesa GALP e no Millennium BCP por se tratarem de “investimentos estratégicos”.
Segundo Carlos Saturnino, aqueles dois investimentos são estratégicos e dão “bons resultados”.
“O investimento na GALP é um bom investimento. A GALP está envolvida em concessões petrolíferas e outras actividades não só em Portugal, na Península Ibérica, tem investimentos em Angola, em vários blocos, tem investimentos muito interessantes e sonantes a nível do Brasil, de maneira que é um investimento estratégico e que tem dado bons resultados”, disse Carlos Saturnino.
Relativamente ao Millennium BCP, o PCA da Sonangol salientou que o banco “melhorou substancialmente, tem produzido dinheiro, tem produzido resultados, não tem distribuído grandes montantes, mas é um banco que tem adicionado valores através da sua actividade”.
“Ou seja, por cada euro investido, o banco hoje gera valor adicionado, para a organização que o banco continua a reinvestir, ainda não deu o salto no sentido de gerar valor para distribuir aos accionistas, mas são conhecidos os seus resultados”, acrescentou.
Questionado sobre o reforço da participação que a Sonangol mantém no Millennium BCP, Carlos Saturnino disse ser prematuro avançar dados, anunciando que a petrolífera tem estado a desenvolver negociações com o grupo chinês Fosun, o maior accionista no BCP quanto ao futuro do banco.
“Essas negociações são normais e são feitas pelos maiores dois accionistas, a Fosun e a Sonangol. A administração do BCP terminou o mandato em Dezembro de 2017 e normalmente é no fim do ano e no início do ano seguinte, quando o mandato acaba, que os dois accionistas fazem concertações sobre qual deve ser o modelo de governo e de negócio do banco, qual deve ser a equipa que deverá assumir o comando dos órgãos sociais”, adiantou.
“Nós temos estado a fazê-lo nas últimas semanas, com muito mais afinco, naturalmente há discussões também directas com o presidente do Conselho de Administração do Banco Millennium, com o presidente da Comissão Executiva do Banco Millennium, tem estado em discussão um novo modelo de governo para o Banco Millennium e tudo isto é uma preparação para a informação que tínhamos que fazer chegar durante o mês de Fevereiro à supervisão bancária, ao Banco de Portugal e ao Banco Central Europeu, em Frankfurt, esse trabalho está praticamente concluído e é a preparação para a assembleia geral que haverá em maio deste ano”, acrescentou.
Sobre o futuro dos investimentos no BCP, adiantou que tudo depende da estratégia que vier a ser acordada dentro do banco.
“Para dar um exemplo, a Sonangol propôs à gestão do banco e também ao parceiro Fosun, reactivar um Conselho Superior de Estratégia, que o banco sempre teve, mas que não estava muito activo, que nós achamos muito importante para termos assento com os nossos representantes, pessoas da administração da Sonangol, da administração do banco, da Fosun e de outros accionistas e discutir qual vai ser a estratégia do banco consoante as diferentes regiões, ou seja, geoestratégia para África, para a Europa, etc.”, frisou.
Carlos Saturnino recordou que futuros investimentos no banco não são uma decisão somente da administração da Sonangol, é do seu dono, com um parecer da direcção da petrolífera. “Ou seja, nós não estamos a dizer que não vamos investir em Portugal”, destacou.
A respeito de futuros investimentos, Carlos Saturnino não afastou a hipótese, não particularizando apenas Portugal.
De acordo com o PCA da petrolífera angolana, a Sonangol é uma empresa que tem presentemente uma exposição internacional, razão pela qual devem ser analisados quais os resultados que novos investimentos podem trazer.
“Dizer que não investiremos em Portugal, não podemos dizer. Pode ser que haja investimentos a fazer. Nós não particularizamos o caso de Portugal. Hoje a Sonangol tem investimentos em Portugal, em empresas que têm actividade no Brasil, em Cuba, na Venezuela, através de participadas tem investimentos na Indonésia, Singapura, Wall Street, Nova Iorque”, enumerou.
Segundo Carlos Saturnino, 45 milhões de dólares são pagos mensalmente ao Estado Angolano pela Sonangol no quadro da dívida da empresa, em impostos, avaliada em USD 1,3 mil milhões. O valor referiu também terem pago, em 2017, todos os atrasados relacionados com os impostos ligados ao IRT (Imposto sobre o Rendimento do Trabalho) e outras despesas para-fiscais.
Em 2016, a dívida da Sonangol era de USD 9,8 mil milhões (incluía pagamentos a fornecedores e impostos), mas reduziu em 2017 para USD 4,8 milhões, fruto da disponibilidade injectada pelo Estado.
Quando assumiu a administração da Sonangol, o novo PCA disse ter priorizado a realização de um diagnóstico ao estado real da empresa, pelo que agora trabalha na reestruturação da companhia e no resgate da imagem da concessionária nacional junto dos parceiros internacionais.
Para demonstrar a normalização da relação com os credores, Carlos Saturnino informou que as receitas totais arrecadadas em Janeiro de 2018 totalizaram USD um bilião e 158 milhões, dos quais USD 834 milhões e 586 mil serviram para o pagamento da dívida.
Outro desafio a que se propôs a nova administração foi melhorar a relação com as multinacionais que operam em Angola e em resultado disso já assinou acordo com a ENI, no domínio da refinação, e com a Total, para o desenvolvimento de campos petrolíferos em águas ultra-profundas.
Mais desenvolvimentos sobre esta conferência da Sonangol nas nossas secções “Economia” e “Última Hora”.
Folha 8 com Agências