As autoridades policiais angolanas libertaram hoje mais de 70 das 101 pessoas detidas no sábado, na província da Lunda Norte, durante um protesto para reivindicar a autonomia do Reino Lunda, no qual morreu um jovem de 26 anos.
A informação foi confirmada hoje pelo presidente do Movimento Protectorado Lunda Tchokwe, promotor da manifestação de sábado, que segundo José Mateus Zecamutchima tinha sido comunicada às autoridades angolanas a 15 de Janeiro.
“Não esperávamos esta reacção brutal sobre o nosso povo. A manifestação foi completamente violentada, detiveram ao todo 101 pessoas e 19 ficaram feridas, após a intervenção da polícia. Um jovem foi ainda baleado e acabou por morrer em casa, no Cafunfo”, explicou o presidente daquele movimento.
De acordo com José Mateus Zecamutchima, após a libertação, esta manhã, de grande parte dos manifestantes, seis ainda permanecem detidos no município do Cuango e 24 em Capenda Camulemba.
“Muitos refugiaram-se nas matas porque a polícia está a fazer rusgas às casas dos elementos do nosso movimento. Mas nós não estamos a fazer nada que não esteja dentro da legalidade”, sublinhou, recordando que o protesto surge depois de uma carta enviada pelo Protectorado ao Presidente angolano, João Lourenço, a pedir diálogo para “restabelecer a autonomia das Lundas como um direito natural”.
Aquele movimento reivindica a autonomia de uma vasta região no leste de Angola e anunciou em 2015 o reforço da “mobilização e consciencialização” da população para o tema, depois de a Assembleia Nacional ter emitido um parecer desfavorável à pretensão.
A posição constava então do comunicado final sobre a reunião metodológica dos secretariados regionais daquele movimento, que teve lugar em Lucapa, na Lunda Norte, entre 9 e 11 de Abril, durante a qual foi reforçada, pelos presentes, a pretensão “do direito à autonomia da Nação Lunda Tchokwe”.
A Assembleia Nacional de Angola, através da Comissão de Relações Exteriores, Cooperação Internacional e Comunidades Angolanas no Estrangeiro, deu parecer desfavorável à revindicação de autonomia do denominado Reino Lunda, no interior do país, em reunião de 30 de Março de 2015.
O Reino Lunda abrange um vasto território no interior de Angola, do norte a sul, envolvendo as províncias da Lunda Norte, Lunda Sul, Moxico e Cuando Cubango.
Na área norte deste território (Lundas), está concentrada a produção angolana de diamantes, a segunda principal fonte de receitas em Angola, depois do petróleo.
Os promotores desta reivindicação baseiam-se num acordo celebrado entre os representantes de Portugal e da Bélgica, antigas potências coloniais na região, antes da Conferência de Berlim (1884-1885), que delimitou as fronteiras das colónias africanas.
Já a Assembleia Nacional recordou que o referido acordo “não respeitou a história, as relações étnicas e os laços de consanguinidade existentes entre os seus povos”. Contudo, para “prevenir potenciais conflitos armados”, devido a disputas territoriais, a Carta da Organização da Unidade Africana e da União Africana estabelecem a “intangibilidade das fronteiras herdadas das potências coloniais, como norma imperativa”.
A versão do Movimento
Eis, na íntegra, o comunicado do Comité Político do Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe:
«A manifestação pacifica convocada há sensível 40 dias para cá nos termos do artigo 47.º e da lei n.º16/91 de 11 de Maio, desde o dia 15 de Janeiro de 2018, com a comunicação previa ao gabinete do Presidente da Republica João Manuel Gonçalves Lourenço, foi ontem vandalizada brutalmente pela Policia Angolana com seguinte resultado, mais 101 elementos presos, incluindo 19 feridos actualização de hoje 25 de Fevereiro, entre eles dois graves atingidos pelas balas e uma casa destruída totalmente.
Dos 19 feridos; o Sr Filipe Muvuma duas balas alojaram-se nas pernas, levou 32 pontos e o senhor Estevão Aroma, bala rachou a cabeça tento levado mais de 36 pontos corre o perigo de perder a vida (morto).
As balas que atingiram o Sr Filipe Muvuma, foram disparadas pelos Agentes da policia no interior da Viatura que os transportaram do local da manifestação para a unidade.
A brutalidade do espancamento na Unidade da Policia de Cafunfo resultou em outros feridos de manifestantes perfazendo os 19 elementos, o verdadeiro desejo da Policia de Angola era de matar “os porcos tchokwe” conforme os comentários que os mesmos faziam enquanto torturavam. Os feridos são: Filipe Muvuma, Lucas Brito Muacatende, Joaquim Domingos Muacombi, Isabel, Estevão Romano, Jacinta Gaby, Celina Tximona (ferido com 7 pontos), Rosalina Xatela, Evalina, Joaquina Domingos, Janete fiawana, Costa Kalwimbi, Andre Nzende (costelas), Adelino Paulo entre outros.
O quadro das detenções: 69 manifestantes em Cafunfo, dos quais 35 homens e 34 mulheres, 8 manifestantes no Cuango e 24 manifestantes em Capenda Camulemba, totalizando 101 manifestantes.
Durante o dia de ontem teve caça homem na localidade de Cafunfo e de Capenda Camulemba entre 17 horas e 0:00 horas, onde detiveram mais quatro cidadãos, a mãe e duas sobrinhas do Senhor André Zende cuja Residência foi totalmente destruída pela Policia e torturado brutalmente, também caíram na armadilha policial, senhora Joana Kambakomba, os netos Job Tximboji e Romano Itatxi respectivamente.
Em Capenda Camulemba, o senhor António Candido Muayenze, por ordem do Comandante Municipal da Policia senhor Abreu Muaco, ele mesmo presenciou a tortura brutal infligido ao senhor Muayenze, espancado nu com uma corda amarado aos seus órgãos genitais tendo havido sangramento nas orelhas do cidadão sem ter sido socorrido para o hospital.
Nesta brutalidade da Policia de Angola, o senhor MUAYENZE é neste momento a pessoa mais grave, com ferida na cabeça, continua deitado na cela sem assistência medica, sem alimentação. Aqui não se trata de espancamento brutal simplesmente, trata-se de exterminação do povo Lunda Tchokwe, não se compreende que um manifestante pacifico que não se rebelou com a autoridade no momento da sua detenção (caça homem em sua casa não se encontrava na manifestação), posta na Unidade da Policia deve ser espancado.
A brutalidade policial é aqui testemunhada por um agente da corporação: “É arrepiante como nós, enquanto órgão vocacionado para proteção da segurança dos cidadãos estamos a agir como se fôssemos terroristas ou uma organização criminosa”, Agente da PIR que pede para não ser identificado. “É mesmo muito doloroso ver como as pessoas estão a ser batidas, mesmo a sangrar, e os nossos chefes [comandantes] têm o prazer de ver e incentivar tudo isso. Vou abandonar a corporação por essas práticas”.
Há também a lamentar a actitude reprovada de alguns Sobas afectos ao MPLA no Cafunfo, sobretudo, aproveitaram a ocasião para tirar satisfações a manifestantes que eles considera inimigos do Governo de Angola o colono da Lunda Tchokwe, assim, o Soba Mário Kamanguanda, deslocou na calada da noite em casa do membro do Protectorado Sr Henrique Manuel Cassule e o atacaram gravemente com mais 6 elementos.
Desde 1979 – 2017 da governação ditatorial e tirânica de José Eduardo dos Santos, agora sob João Manuel Gonçalves Lourenço, que o Lunda Tchokwe tem sido violentado, humilhado e assassinado, enquanto isso, o nosso povo civilizadamente tem respeitado as leis de Angola, que o Executivo do MPLA viola sistematicamente.
O mundo sabe que, no dia 15 de Janeiro e 1 de Fevereiro, o Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe escreveu carta ao Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço e o seu Ministro Ângelo Veigas Tavares anunciando a realização da referida manifestação á 24 de Fevereiro, o que covardemente o Executivo do Governo do MPLA tentou abafar, mantendo até ao momento mais de 101 presas nas Unidades Policiais do Cuango e Capenda Camulemba.
Vamos sim, colocar o assunto junto de instâncias internacionais devido a violações graves dos direitos humanos desencadeados pelo Estado angolano, que é membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Sempre apelamos ao diálogo. A nossa luta foi sempre pacífica. Mas o Governo sempre usou a força da arma e outros meios violentos contra o ‘Povo da Lunda Tchokwe’. Depois disso, não nos resta outra saída senão apresentar uma denúncia junto das Nações Unidas e da União Europeia, assim como junto na Organização da União Africana.
Ao nosso povo pedimos serenidade, a liberdade não se oferece, a liberdade conquista-se com sacrifício, porque a LIBERDADE – Direito ou condição de alguém dispor de si mesma, de fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Condição do homem livre. Independente. Livre de pensamento e de seus actos sem coação, porque a liberdade custa caro, defende-la custa ainda mais caro.
Esta manifestação não será a primeira nem a última em 2018, pois dentro de 90 dias iremos novamente sair pacificamente às ruas para exigirmos o diálogo com o governo angolano e o estabelecimento da nossa autonomia (Povos Lunda Tchokwe lembrem o povo Israelita sob domínio Egípcio). Sobre repressão colonial a luta continua…»
Ler também sobre este assunto o artigo “Governo responde com porrada, prisões e tiros”, publicado no passado dia 24 aqui no Folha 8.
Folha 8 com Lusa
Folha 8 um jornal de que gosto,(sou assinante on line se assim se pode dizer),pela variedade dos temas e pela frontalidade como apresenta todas as notícias.Todavia de um tempo para cá tenho estado deveras desagradado com a importância que dá aos casos de desejos de independência de alguns aproveitadores,enganadores e subversivos que tentam alcançar os seus objectivos macabros enganando os incautos citadinos.Estou a referir-me à Cabinda e às Lundas que desde o tempo da escravatura nos séculos IX e/ou até ao sec XIV e XVI, e não desde e só a partir do tratado de Simulambuco é que é parte integrante dos reinos que formaram Angola que é hoje.Outrossim condeno aquelas forças que se dizem vanguardas dos povos em causa(Cabindas e Lundas) que não tiveram participação nas lutas dignas desse nome contra o colonizador,e não ter feito absolutamente nada ou quase nada para serem valorizadas no âmbito dos acordos que levaram à independência.O meu repúdio ao Folha 8 pela valorização desses objectivos macabros por parte desses aproveitadores,não obstante considerar que a notícia deve ser divulgada de forma imparcial.
Caro Jerónimo Pinto.
Está no seu direito de repudiar o que bem entender, inclusive o trabalho dos jornalistas quando, no cumprimento do seu dever, escrevem coisas que você não gosta,
Era isso mesmo que diziam os portugueses quando os jornalistas falavam do direito dos angolanos à independência.
Era isso mesmo que diziam os indonésios quando os jornalistas falavam do direito dos timorenses à independência.