O Presidente da República de Angola, João Lourenço, reuniu-se hoje na Suíça com o homólogo brasileiro, Michel Temer, tendo anunciado no final que prevê realizar uma visita oficial ao Brasil no próximo mês de Maio.
Em raras declarações aos jornalistas presentes, brasileiros e angolanos, à margem do Fórum Económico de Davos, na Suíça, o chefe de Estado angolano sublinhou a importância das relações entre os dois países e anunciou a partida para Brasília do ministro das Finanças, Archer Mangueira, para negociar a retoma dos financiamentos a Angola do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES).
“O ministro das Finanças de Angola deve chegar a Brasília dentro de dois ou três dias para, a esse nível, de ministros, começarem a trabalhar no sentido da retomada da linha de financiamento do Brasil, que é suportada pelo BNDES”, disse João Lourenço, questionado pelos jornalistas após o encontro com o Presidente brasileiro e depois de no dia anterior ter delegado no Ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, as declarações oficiais sobre a reunião que manteve com o primeiro-ministro português, António Costa.
O Presidente angolano sublinhou que aproveitou a oportunidade para “agradecer ao Presidente Temer” o convite formulado para visitar o Brasil “ainda este ano, em data que está muito próxima, provavelmente para o mês de Maio”.
“O encontro foi bastante bom, aliás era de esperar que assim fosse, tendo em conta as relações entre Angola e o Brasil serem relações de amizade, de cooperação, que datam de há bastante tempo, praticamente desde que Angola se tornou independente, há cerca de 42 anos”, disse João Lourenço, sublinhando que a reunião serviu para abordar aspectos gerais da cooperação económica entre Angola e o Brasil.
“Devo adiantar apenas que a nossa prioridade é financiar as obras públicas de grande envergadura, nomeadamente infra-estruturas nos sectores da construção, da energia e águas, sobretudo em barragens hidroeléctricas”, justificou ainda João Lourenço, a propósito das negociações, nos próximos dias, entre os dois governos.
O Governo angolano informou no final de 2016 ter pedido esclarecimentos às autoridades brasileiras sobre a suspensão das linhas de crédito para obras em Angola, em curso por empresas daquele país, e que pretendia então enviar uma delegação governamental ao Brasil.
A informação foi então prestada num comunicado do Governo em que é garantido que a suspensão dessas linhas de crédito – que embora não seja referido no documento está relacionada com as investigações em torno da Operação Lava Jato – aconteceu “há mais de um ano” e obrigou à mobilização de outros recursos para garantir a prossecução das empreitadas.
O BNDES do Brasil anunciou anteriormente que estão suspensos os financiamentos para 25 projectos de empresas investigadas na Operação Lava Jato, entre eles obras em Angola e Moçambique.
Os 25 projectos somam 7,036 mil milhões de dólares (6,361 mil milhões de euros), dos quais 2,3 mil milhões (2,079 mil milhões de euros) já foram pagos, informou o BNDES.
Em causa estão obras no Polo Agro-industrial de Capanda, o aproveitamento hidroeléctrico de Laúca (AH Laúca), o alteamento de Cambambe, e a segunda central da barragem de Cambambe, num total de 808,8 milhões de dólares (731 milhões de euros). No comunicado, lê-se que “são financiamentos contratados a exportações de serviços de engenharia das empresas Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez”.
As cinco empreiteiras são investigadas no mega-esquema de corrupção da petrolífera estatal Petrobras, conhecido como Lava Jato.
“Esta suspensão ocorreu, de facto, há mais de um ano e teve reflexos na actividade das empresas brasileiras que operam em Angola e se encontram vinculadas por importantes contratos de empreitada ao Governo angolano, que tiveram de interromper os seus trabalhos e de despedir pessoal angolano”, refere, por seu turno, o comunicado do executivo, que era então liderado por José Eduardo dos Santos.
Por essa razão, acrescenta, o Governo angolano “teve de mobilizar outros recursos e encontrar soluções financeiras alternativas para não interromper os trabalhos em curso, nomeadamente a construção da barragem de Laúca, o alteamento da barragem de Cambambe e outros”.
A cooperação entre Angola e Brasil fundamenta-se no Acordo Geral de Cooperação Técnica e Científica, rubricado a 11 de Junho de 1980, que é a “base de todos os Protocolos de Entendimento bilaterais e os Acordos Inter-Governamentais sobre as Linhas de Crédito, com garantias reais no petróleo bruto, que suportam os contratos de empreitada”.
Lava Jato “inunda” Angola
Em Setembro de 2016 o ex-ministro brasileiro António Palocci foi preso acusado de ter intermediado créditos de um banco estatal brasileiro para a empreiteira Odebrecht investir em Angola em troca do pagamento de subornos.
Num encontro com jornalistas, o delegado da Polícia Federal, Filipe Hille Pace, afirmou que a empreiteira Odebrecht teria pedido o apoio de António Palocci, ministro nos governos de Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, para aumentar as suas linhas de crédito junto do BNDES destinados aos projectos executados em Angola.
“São mais de 3 mil milhões de dólares investidos nas obras em Angola que foram financiados pelo BNDES. Temos uma mensagem electrónica (de Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empresa) alinhando planos para a liberação de 700 milhões de dólares. Marcelo (Odebrecht) considerava se não seria caso de se buscar o apoio de António Palocci para aumentar o crédito e gerar benefícios (pagar propina) para seu grupo político (o PT)”, explicou o delegado.
Esta não era a primeira vez que investimentos de empresas brasileiras em Angola são alvo das investigações da operação Lava Jato, que há vários anos investiga crimes de corrupção cometidos na petrolífera estatal Petrobras noutras empresas públicas.
Aos jornalistas, o delegado mencionou que Nestor Cerveró, ex-director da Petrobras, que foi condenado e agora colabora com as investigações, disse num depoimento à polícia que no ano de 2006 houve a interferência e o pagamento de subornos ao PT sobre valores investidos na compra de blocos de exploração de petróleo em Angola realizados pela Petrobras.
Folha 8 com Lusa