Os angolanos são os que mais pediram o estatuto de refugiado em São Paulo, a maior cidade do Brasil, em 2016, segundo um levantamento divulgado pela Cáritas. Não são, com certeza, cidadãos afectos ao regime. Tudo indica que, de acordo com a terminologia do reino, são apenas uma espécie menor de angolanos.
A ONG católica, que acolhe e ajuda na integração de refugiados no Brasil, compilou dados sobre os atendimentos que realizou e fez uma apresentação em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
Segundo o levantamento, 3.234 estrangeiros procuraram refúgio em São Paulo, recorrendo ao apoio da Cáritas, em 2016.
Neste mesmo período, a instituição auxiliou 6.375 pessoas, número que abrange refugiados e requerentes de asilo ou pessoas que estão a aguardar documentação.
No caso dos angolanos, os pedidos de refúgio geralmente são feitos por cidadãos que têm problemas com o Governo despótico e esclavagista de José Eduardo dos Santos e que se declaram vítimas de perseguição política.
Um destes casos é o do activista social angolano Raul Lindo Mandela, que teve que fugir do que ele classificou como “perseguição do regime do Presidente José Eduardo dos Santos”.
Em entrevista à Lusa, o activista explicou que pediu asilo no Brasil porque estava numa lista de pessoas que iriam ser mortas, certamente por alguma bala perdida nos céus de Angola desde o tempo em que a UNITA não ia à missa do MPLA.
“Eu vim para o Brasil porque um responsável da região de Huambo, lugar onde nasci, me disse que eu estava na lista das pessoas que o regime iria matar”, explicou. Estava ele como estão outros. Compreendessem todos os angolanos que são livres e nada disto aconteceria. Livres para pensarem e fazerem tudo o que o regime manda, entenda-se.
Raul Lindo Mandela relatou que começou a ser perseguido em 2011 porque participava num grupo de activistas inspirados nos protestos da Primavera Árabe, que começou a incentivar a população a manifestar-se contra o Presidente José Eduardo dos Santos, no poder em Angola há 38 anos sem nunca ter sido nominalmente eleito.
“Em Angola perdura uma situação dramática, é um país comandado por um regime criminoso e até hoje não existe liberdade de expressão. O povo não tem o direito de dizer nada, por isto fomos às ruas ensinar as pessoas que elas podiam manifestar-se”, disse.
Sobre a opção de emigrar para o Brasil, o activista explicou que a escolha foi natural devido à língua: “O Brasil como Angola foi colonizado por Portugal e falamos a mesma língua. Pensava em ir para o Canadá depois, mas ainda estou aqui onde a minha vida é outra, onde tenho paz”.
O perfil dos angolanos e de cidadãos de outros países de África que procuram o Brasil começou a mudar, segundo o levantamento da Caritas.
“Em 2013, era mais comum acontecer a chegada de homens sozinhos (solteiros ou com a intenção de trazer a família após se estabelecer no Brasil), vindos de Angola e de outros países africanos. Nos últimos dois anos, cresceu o número de chegada de mulheres, sozinhas ou acompanhadas pelos filhos”, indica o relatório apresentado pela ONG.
A proporção de mulheres que pedem refúgio no Brasil cresceu muito nos últimos anos. Segundo a ONG, em 2013 as mulheres representavam 13% do total de processo, número que passou para 17% em 2014, 27% em 2015 e 36% em 2016.
Marcelo Maróstica Quadro, padre brasileiro que dirige os trabalhos da Cáritas em São Paulo, explicou que as mulheres africanas procuram o Brasil para fugir da violência e do abandono familiar.
“Elas acabam sozinhas e mais vulneráveis a estupros e outras formas de violência por isto querem viver no Brasil”, frisou o director da Cáritas.
O Comité Nacional para os Refugiados (Conare), órgão submetido ao Ministério da Justiça do Brasil, informou que até o final do ano passado o país reconheceu 10.418 solicitantes de refúgio.
Os países cujos cidadãos fizeram maior número de pedidos de refúgio para o Brasil são o Senegal (7.656), Angola (4.719), Venezuela (4.421), Síria (3.794) e Bangladesh (3.669).
Folha 8 com Lusa
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