Por regra, de acordo com os modernos conceitos de civilidade democrática, Angola deveria ser constituída por uma sociedade civil que, na defesa dos interesses comum à esmagadora maioria do Povo, deveria ser autónoma e crítica dos poderes públicos, mesmo que democraticamente eleitos, bem como dos seus dirigentes políticos.
Dir-se-ia que a estabilidade e pujança de Angola, enquanto nação independente, deveria depender da vitalidade dessa sociedade civil. No entanto, se a pujança do país for proporcional a essa vitalidade, vamos mal. Todos falamos muito, quase se dizendo que falamos calados, todos junto, um de cada vez. Não existe consciência colectiva e o estímulo que o Poder dá à divisão da sociedade continua a ter mais relevância, nomeadamente financeira, do que a vontade do conjunto, do que a tarefa de dar voz a quem a não tem.
“A história mais recente da sociedade civil angolana traduz-se na história da reconstituição do espaço público angolano no período do partido único que o havia fechado ainda mais do que o espaço político colonial das duas últimas décadas do período colonial (1960-70)”, diz Nelson Pestana.
Assim, a sociedade civil teve de enfrentar duras batalhas, todas elas armadilhadas pelo regime, perdendo demasiado tempo a lutar contra obstáculos móveis, superiormente dirigidos – reconheça-se – por um partido único que, mesmo com o advento do pluripartidarismo, continua a achar que é o único partido, que é a única organização capaz de dirigir as massas, não olhando a meios para atingir os seus fins.
Tal como está no ADN do partido-Estado, qual guia supremo da humanidade, o MPLA foi permitindo que estrategicamente a sociedade civil registasse algumas vitórias que, catalogadas como estruturantes, não passaram de vitórias de Pirro. A corda que o poder foi fornecendo à sociedade não resultou de uma conquista e nem se destinava a segurar o capim das cubatas. O seu fim era, como foi, como continua a ser, enforcar os mais contestatários, os que embora podendo estar à venda, não têm preço.
Os intelectuais, no sentido mais lato, podem hoje criticar, embora dentro de alguns limites, o poder do Estado. Com o seu ego pleno de triunfalismos, contentam-se em ser convidados de luxo para as acções de marketing do regime, tal como acreditam que a carta a Garcia será entregue pelos homens do Presidente. Cegos pela ribalta, anafados pela lagosta, nem sequer reparam que os servos de quem manda deitaram a carta na primeira valeta que encontraram.
Será que a sociedade civil angolana existe por mérito próprio? Será que tem consciência que a sua existência está nas mãos dos homens do Presidente? Será que foi protagonista das conquistas ou, apenas, figurante real a quem no catálogo do espectáculo foi dado o epíteto de protagonista principal?
O comodismo, sobretudo quando bem comido e melhor bebido, é a esterilidade da criação, da evolução, do progresso. O poder sabe disso. E como os velhos revolucionários marxistas-leninistas, muito dos supostos líderes da sociedade civil continuam a advogar os ideais de Esquerda mas preferem viver no materialismo da Direita.
Atentos a tudo isso, os homens do Presidente não se cansam de fornecer a tal corda, nem esquecem que de quando em vez é salutar (para eles) pôr a sociedade civil em confronto entre si. Isso ao mesmo tempo que, por força das circunstâncias, vão comprando alguns dos que eram primeiro inimigos, depois adversários e agora são cúmplices.