As moedas nacionais de Angola e Moçambique estão entre as dez que mais desvalorizaram durante o ano passado, com o kwanza a cair quase 20% e o metical a perder mais de 30% em 2016.
De acordo com a evolução das moedas nacionais durante 2016, estas duas divisas dos maiores países lusófonos em África estão entre as dez piores, só superadas pelas moedas da Nigéria, Venezuela, Suriname e Egipto, no caso de Moçambique, que teve uma desvalorização de 33,2%.
Angola, cujo kwanza desvalorizou 18,9% durante os últimos 12 meses, ficou ligeiramente melhor do que Moçambique, à frente das moedas da Mongólia, Congo e Serra Leoa. Angola e Moçambique enfrentam um significativo abrandamento económico decorrente da quebra dos preços das matérias-primas, nomeadamente do petróleo, e do abrandamento do crescimento mundial.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) e os doadores do Orçamento do Estado suspenderam a ajuda a Moçambique em Abril deste ano, no seguimento da divulgação de empréstimos escondidos garantidos pelo Governo, entre 2013 e 2014, no valor de mais de 1,4 mil milhões de dólares, e que se somaram aos encargos já conhecidos da Empresa Moçambicana de Atum (Ematum), contratados em igual circunstância.
O Governo moçambicano assumiu, a 25 de Outubro, incapacidade financeira para pagar as próximas prestações dos seus encargos com os credores, defendendo uma reestruturação dos pagamentos, indispensável para um novo programa do FMI, cujas regras impedem a ajuda a países numa trajectória insustentável da dívida, como é o caso de Moçambique.
Devido à crise decorrente da quebra na cotação internacional do petróleo, Angola viu reduzir a receita fiscal para menos de metade em 2015, assim como a entrada de divisas no país, agravando o custo das importações e o acesso a produtos, inclusive alimentares, cujos preços dispararam.
O FMI antecipa que Angola registe um crescimento de 1,5% este ano, enquanto a previsão de expansão económica para Moçambique aponta para os 5,5%.
A queda do preço do petróleo justifica muitas coisas, mas não justifica tudo. Isto porque Angola – do ponto de vista económico – tem uma inflação abismal (perto dos 40%) e em vez de crescer… estagnou.
Em Agosto de 2016, o nível homólogo de inflação atingiu os 38,18% na cidade de Luanda. Esta é a informação que consta da Folha de Informação Rápida N.º 8-IPC Nacional, de Agosto 2016, do Instituto Nacional de Estatística.
A inflação é a subida geral dos preços para o consumidor. Os bens e serviços consumidos pelas famílias ao longo do ano são representados por um “cabaz” de artigos, como por exemplo: peixe, carne, farinha, jornais, computadores, corte de cabelo, seguros. Cada um dos produtos incluídos no cabaz tem um preço, que pode variar com o tempo. A taxa de inflação homóloga é o preço do cabaz completo num determinado mês comparado com o seu preço no mesmo mês do ano anterior. Por exemplo, se um prato de mufete custava 1000 em Agosto de 2015, em Agosto de 2016 custa cerca de 1400. No mercado informal arredonda-se para 1500.
Os preços subiram mais de um terço. Isto quer dizer que – e não é demais repetir – a economia angolana tem um problema grave: inflação galopante. Inflação galopante é o termo utilizado para classificar o tipo de inflação caracterizado por altas taxas, normalmente acima dos 10 por cento. A economia começa a estar muito próxima da hiperinflação que acontece quando o aumento anual dos preços é superior a 50 por cento.
Uma situação de inflação galopante desestrutura uma economia e um país. Foi a hiperinflação alemã que levou Hitler ao poder, como foi também a hiperinflação a responsável pela década perdida de 1980 na economia brasileira.
Neste momento, em Angola, aliada à inflação temos uma impressionante desaceleração do crescimento económico. As previsões mais recentes da Economist Intelligence Unit inglesa sobre o progresso económico angolano aponta para um crescimento anual esperado em 2016 de 0,6 por cento. Isto é igual a estagnação.
Assim, parece que Angola se encontra numa situação de estagflação. Este termo designa uma situação de inflação, a que se junta a estagnação. É das piores situações em que uma economia se pode encontrar, porque exige medidas contraditórias. O combate à inflação exige a redução do dinheiro em circulação e o aumento das taxas de juro; o combate à estagnação exige o aumento do dinheiro em circulação e a diminuição das taxas de juro. Imagine-se um doente a morrer que está simultaneamente com a tensão arterial elevada e com uma hemorragia. Para baixar a tensão temos de usar um medicamento que facilita a circulação do sangue, tornando-o mais fino; mas para parar a hemorragia temos de usar outro remédio que torne o sangue mais grosso e parado. Tratar uma doença implica piorar a outra.
Chegámos a este ponto na economia angolana. E chegámos a este ponto em véspera de eleições. Contudo, o governo recusa-se a tomar medidas reais, “empurrando com a barriga” o problema.
Qualquer cura vai trazer sofrimento grave numa primeira fase. Se o governo optasse por combater a inflação primeiro, o que deve ser feito, as taxas de juro têm de subir, o dinheiro restringido, o consumo diminuído, e as importações eventualmente reduzidas. Todo um conjunto de medidas que deixaria as massas populares ainda mais descontentes. Tecnicamente, devia ser essa uma parte da receita que o FMI traria, e o ex-ministro Armando Manuel defenderia. Por isso terá sido demitido, além das eventuais desavenças com o filho do presidente.
Claramente, o presidente quer fazer uma gestão política do ciclo económico, tentando chegar às eleições sem medidas impopulares ao nível da economia, além das que já tomou e aparentemente foram absorvidas pelo povo.
Simplesmente, se a inflação continuar persistentemente descontrolada terá efeitos muito negativos em várias áreas, como:
A redistribuição de rendimento: um primeiro risco de inflação mais elevada é o seu um efeito regressivo sobre as famílias de baixo rendimento e sobre os idosos. Isto acontece quando os preços dos serviços alimentares, como o pão, aumentam a um ritmo acelerado.
A queda dos rendimentos reais: milhões de pessoas enfrentam um corte real nos seus salários, o que significa que ficam com menos dinheiro e que compram menos; facilmente podem passar mais fome.
As taxas de juro reais tornam-se negativas: se as taxas de juros de contas de poupança são inferiores à taxa de inflação, então as pessoas que dependem de juros ficam mais pobres.
Custo dos empréstimos: a inflação alta também pode levar a custos de empréstimos mais elevados para as empresas e as pessoas que necessitam de empréstimos.
A incerteza do negócio: a inflação alta e volátil não é favorável à confiança dos empresários, em parte porque eles não podem ter a certeza de que os seus custos e preços são susceptíveis de ser pagos.
Portanto, em resumo, menos dinheiro e menos negócios, empréstimos mais caros. Estes são os perigos da inflação, e já estão a verificar-se em Angola.
Não se pense que tudo se resolve com a subida do preço do petróleo. A causa estrutural dos problemas da economia não foi a descida dos preços do petróleo.
A descida do preço do petróleo apenas mostrou que a economia de Angola estava no mar sem calções, como diria o grande investidor americano Warren Buffet.
O problema em termos de diagnóstico é mais simples: a economia angolana teve dinheiro a mais e produção a menos; andou embriagada, e como a bebedeira foi muito grande, a ressaca é dramática.
E não é possível continuar a fingir até às eleições.
Note-se, aliás, que uma primeira consequência lateral de tudo isto foi o anúncio efectuado pelo secretário de Estado das Relações Exteriores, Manuel Augusto, de que Angola adiara até 2021 a pretensão de ser considerada pela ONU um país de desenvolvimento médio. Angola continua e continuará a ser um país de baixo desenvolvimento, pobre e com dirigentes multimilionários, que roubam do povo para serem bilionários.
Folha 8 com Lusa e Rui Verde (Maka Angola)
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