O presidente da UNITA, Isaías Samakuva, considerou hoje que o julgamento dos 37 alegados ex-militares das FALA acusados de atentado contra o Presidente da República, no poder há 37 anos sem nunca ter sido nominalmente eleito, é uma montagem para atingir o maior partido da oposição.
Em entrevista à agência Lusa, Isaías Samakuva afirmou que este caso, cujo julgamento arrancou este mês, em Luanda, foi denunciado pela própria UNITA, incluindo as “cenas macabras” que diz terem sido desenvolvidas pelos serviços secretos do MPLA (seguindo ordens superiores) com o propósito de “criar embaraços” ao partido.
“Nós estamos atentos a acompanhar o evoluir da situação para vermos qual é a real acusação e quem sairá como o principal acusado desta cena toda, que é uma montagem que tem as mãos escondidas de forças que são bastante conhecidas”, apontou.
Samakuva garante peremptoriamente que o partido não teve qualquer intervenção neste caso: “Nós não tivemos mão nenhuma. A UNITA denunciou apenas que os serviços secretos do Estado estavam a urdir algumas cenas bastante macabras, nós apenas quisemos alertar a opinião pública, denunciar pelo facto de constatarmos que essa iniciativa não era dos ex-militares da UNITA”.
Em causa está o julgamento que teve início a 2 de Dezembro, na sala dos crimes comuns do Tribunal Provincial de Luanda, e envolve alegados ex-militares, desmobilizados, das Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA), o braço armado da UNITA durante a guerra civil em Angola, que terminou em 2002 com o assassinato de Jonas Savimbi.
De acordo ainda com o líder do maior partido da oposição, tudo aponta para que “havia de facto a intenção da parte dos serviços secretos” de levar a cabo uma “cena” de “conspiração” que “visava essencialmente criar embaraços e problemas bastante sérios à UNITA”.
Isaías Samakuva reclama pela imparcialidade do tribunal, para que seja “aprofundada a verdade” sobre os reais culpados dessa acção.
A acusação promovida pelo Ministério Público sustenta que o grupo de acusados “era bastante organizado militarmente e que recrutavam os ex-militares das FALA com o objectivo de atentarem contra o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, e tomarem o poder à força com recurso a armas de fogo, catanas e ainda de métodos feiticistas”.
São acusados de associação de malfeitores, posse ilegal de armas e atentado contra o presidente da república, na forma frustrada, previsto para a madrugada de 31 de Janeiro de 2016.
Acusações que são refutadas pela defesa, que refere que a única mobilização que os acusados fizeram foi para uma manifestação pacífica para reclamar a não-inserção na Caixa Social das Forças Armadas Angolanas, “e não atentar contra o presidente da república”.
A polícia apreendeu igualmente na posse dos acusados armas de fogo e catanas.
Dois dos 37 arguidos encontram-se foragidos e os restantes em prisão preventiva, desde a sua detenção, a 30 de Janeiro de 2016.
Mais uma… palhaçada
No passado dia 6 de Dezembro, uma equipa de juízes da 14ª Secção de Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, encabeçada por João António Eduardo Agostinho, proibiu os jornalistas que se tinham apinhado em frente do tribunal de acompanhar as audiências e a produção de provas do “Processo dos 37”.
O aludido processo criminal, que se estende no tempo em preparatória secreta desde já há mais de um mês é, nada mais nada menos, um amassado de actos de rebelião de que resultou num julgamento que começou no dia 2 de Dezembro no Tribunal Provincial de Luanda.
Montado em baixíssima surdina nos meandros mais secretos do poder judicial, todo o seu dossiê se refere a um verdadeiro atentado à vida do general supremo, exactamente, à vida do presidente José Eduardo dos Santos! Desta vez não há ficção a apoiar uma falsa realidade, ou melhor, a apoiar a inexistência de realidade, como foi o caso no Processo dos 17+2 revús.
Neste caso é pão-pão, queijo-queijo, num alucinante rol de factos que não foi possível esconder. Mas, enfim, tudo foi feito para que eles fossem o mais discretamente possível levados a público, o que foi conseguido durante algum tempo, mas não bastava, razão pela qual o juiz da causa interditou os jornalistas de meterem o bico no que se está a passar na sala de audiências, onde estão a ser julgados os 37 indivíduos, ex-militares, literalmente acusados de crime de tentativa de destituição do presidente da República, associação de malfeitores e posse ilegal de arma de fogo, indivíduos que, de facto, ousaram tomar de assalto o palácio presidencial com o intuito de, pelo menos, depor o PR, talvez matá-lo e instaurar em Angola um poder político de transição, liderado certamente pelos mentores desta intentona, que, manifestamente, falhou.
Portanto, se até agora pouco se sabia do caso, doravante nada mais vamos saber até ao último dia do julgamento.
Segundo um oficial do tribunal, o juiz orientou os agentes da ordem para informar os repórteres que só terão acesso à sala nos dias das alegações finais (o último confronto entre os advogados e os representantes do Ministério Público) e do anúncio da sentença.
No dia 5 de Dezembro, os agentes da ordem já haviam comunicado aos jornalistas que eles só poderiam entrar para a sala de audiência com um bloco de notas e esferográfica, deixando os rádios gravadores e as câmaras na recepção, mas a audiência não se realizou em consequência de um corte de electricidade na rede pública.
A anedótica acusação
De acordo com a acusação, lida na primeira audiência de julgamento por um dos dois representantes do Ministério Público, os ex-militares das extintas FALA – de notar que de início os assaltantes eram 60 indivíduos, mas só 37 foram apanhados em flagrante -, pretendiam invadir no dia 31 de Janeiro do corrente ano, para começar em beleza, três “nobres” instituições públicas, nomeadamente, o Palácio Presidencial, a TPA e a RNA.
Para tal, usariam sete AKM com 12 carregadores, uma pistola, 26 catanas, uma espada, entre outros vestuários das Forças Armadas Angolana (FAA). Além disso, dois dos integrantes do grupo são acusados de falsificação de documentos autênticos, no caso Bilhete de Identidade e Passaporte.
No documento lido no dia 2 de Dezembro 2016, nas instalações da 14ª Secção de Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, consta que o principal mentor do assalto é um chamado Jacob Cassoma ou Mutu YaKevela, residente em Luanda, que teria começado com a campanha de mobilização para este golpe em Dezembro de 2013, na província do Huambo. Para conseguir atrair os 60 indivíduos que participariam na alegada tentativa de golpe de Estado, teria sido invocado o próximo reaparecimento de Jonas Savimbi. Dizia-se, “Está vivo” ou que “iria ressuscitar”.
Mais tarde, em data indeterminada de 2014, o réu Raimundo Chiquete reuniu-se mais uma vez em sua casa, no Cacuaco, com Jacob Cassoma (Mutu YaKevela), mais um punhado de ex-militares, e “criaram o grupo Linha Estrela Brilhante, com o fito de recrutar antigos militares das extintas FALA a fim de realizar manifestações e acções de rebelião visando atingir a integridade física do Presidente da República, o engenheiro José Eduardo dos Santos”.
É o que consta na pronúncia, que depois se refere a vários encontros, em Setembro do mesmo ano, altura em que o mesmo Raimundo Chiquete juntou em sua casa alguns ex-militares de média e alta patente, entre os quais os co-réus Adolfo Jaime, Xavier Fernando, David Rufino, Madaleno Calandula, Celestino Leonardo e os comparsas prófugos, Jacob Cassoma, Silvestre Staloni, entre outros, para distribuir as funções que cada um deveria assumir até tomarem o poder de assalto.
No encontro a seguir, criaram as coordenações provinciais do grupo Linha Estrela Brilhante, sendo Carlos Simba para o (Bié), Armando Segunda (Benguela), Paulo Camambala (Huambo), Celestino Leonardo e David Rufino Esanjo (Luanda), e estabeleceram um Quadro de Trabalho no qual os de mais alta patente teriam postos de alta responsabilidade tais como Procurador-Geral da República, chefe de Estado Maior, chefe Político e de Reconhecimento, etc….
O juiz da causa apurou que o grupo gizou um atentado contra o PR que seria materializado no dia 15 de Outubro de 2015 aquando da abertura do ano legislativo, por ocasião da sua ida à Assembleia Nacional proferir o discurso sobre o Estado da Nação, mas não o efectivaram porque ainda não tinham adquirido… as armas. Nessa altura, o Chefe de Estado também não compareceu por causa de um mal-estar e coube ao vice-presidente a responsabilidade de ler o discurso.
Ainda segundo a mesma fonte, o dia 31 de Janeiro 2016 foi agendado como data em que seria realizado o segundo atentado, após terem participado num ritual de feitiçaria a que deram o nome de “blindagem”, dirigido pelos kimbandas António Baptista (prófugo) e Augusto Manuel Saím (já falecido). Na altura, acreditavam que tal ritual os tornaria imunes às balas, em caso de troca de tiros com as forças de segurança.
Na noite do “assalto”, o grupo esteve repartido em três sub-grupos: o primeiro, com 40 cidadãos (chefiado por Celestino Leonardo), ficou nas imediações do Hospital Josina Machel para assaltar o Palácio Presidencial; o segundo, com 15 (comandado por David Rufino e Armando Segunda), estava concentrado no Largo da Independência para servir de reforço aos demais grupos e o terceiro, com cinco (liderado por Xavier Fernando e Mário Pinto), estava concentrado no Largo das heroínas para assumir o comando da RNA e da TPA para anunciarem que haviam tomado o poder.
De acordo com o magistrado, repetimos, eles tinham sete AKM e 12 carregadores, uma pistola, 26 catanas, uma espada e vários uniformes das FAA. As armas de fogo e diversas catanas estavam a ser transportadas numa viatura Toyota Hiace, de cor azul e branca, para serem distribuídas aos alegados invasores antes da meia-noite, mas tal não sucedeu porque… um dos pneus estoirou.
Curiosamente não conseguimos obter mais informações e mesmo o dia, ou a noite, em que se deu o assalto, continua, pelo que sabemos, relegado para o segredo dos deuses.