A Direcção da UNITA afirma que os militares do partido “sempre admiraram” Fidel Castro, mas sublinha que sem o envolvimento de Cuba em Angola o curso da história nacional teria sido “muito diferente”.
Por Orlando Castro
A posição vem expressa numa nota de condolências pela morte do líder histórico cubano, assinada pelo secretariado executivo da comissão política da UNITA.
Cuba foi aliado do MPLA, no poder desde 1975, desde o período da guerra colonial até à guerra civil que se seguiu à independência angolana do regime colonial português, inclusive com apoio militar no terreno.
“Apesar de se ter afirmado como adversário ideológico e inimigo no campo de batalha militar, os militantes da UNITA sempre admiraram El Comandante Fidel de Castro pela sua tenacidade política na luta anticolonial, pela sua bravura e principalmente pela sua coerência na defesa da revolução cubana”, lê-se no comunicado.
O histórico líder cubano, comandante-chefe da revolução de 1959, que depôs Fulgêncio Batista e viria a instituir um regime comunista naquela ilha caribenha, morreu na noite de sexta-feira, com 90 anos.
A UNITA, o maior partido da oposição angolana e que travou durante quase 30 anos uma guerra civil contra as forças do Governo, do MPLA, dos cubanos e dos russos (entre outros) destaca o “líder revolucionário que transformou Cuba” que se “manteve fiel aos seus princípios ideológicos”, mesmo “depois do colapso do comunismo soviético”.
O partido fundado por Jonas Savimbi afirma que “apesar de tudo” Fidel Castro e a revolução cubana “trouxeram ao povo cubano grandes benefícios no domínio da educação, da saúde e da segurança social”, que “constituem um verdadeiro caso de estudo para a juventude revolucionária mundial dos nossos dias”.
“Reavaliando a História, a UNITA considera, por outro lado, que sem o envolvimento de Cuba nos assuntos internos de Angola, ocorrido no âmbito da guerra fria, a história do nosso país teria levado um curso muito diferente. Entretanto, em toda a história mundial, os adversários nunca deixaram de reconhecer mutuamente o valor uns dos outros”, afirma o partido.
A nota de condolências termina com a UNITA a afirmar acreditar que “os líderes da nova Angola e da nova Cuba” vão saber “transformar as relações de sangue, de amizade e de cooperação económica e científica existentes entre os dois países num catalisador para o fortalecimento dos direitos humanos e da dignidade humana” dos dois povos.
Se não fossem os cubanos
Na década de 80, os confrontos em Angola tomaram uma nova proporção com as investidas da África do Sul no sudoeste do país, apoiando a UNITA, e a defesa do MPLA pelo norte apoiado por cubanos, russos, portugueses, brasileiros etc..
O quinto congresso da UNITA em Kapembe, sul de Mavinga no Cuando Cubango, em 1982 deu início às grandes contra-ofensivas do partido do Galo Negro. Com a chegada de Ronald Reagen ao poder nos EUA, a UNITA passou a ter mais poder bélico e foram travadas ofensivas em Mavinga (Batalha do Cuito Canavale), região da província do Cuando Cubango, que diminuíram consideravelmente o poder bélico e moral das forças militares do governo, sempre apoiadas pelos cubanos e companhia.
Os principais protagonistas deste confronto foram o então ministro da Defesa, Pedro Maria Tonha “Pedale”, e o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), António França N´Dalu, do lado do Governo do MPLA, e das Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA/UNITA) chefiadas pelo general “Ben Ben”.
A partir de 1985 iniciaram-se negociações para a retirada das tropas cubanas em Angola, no âmbito do plano de Independência do Sudoeste Africano/Namíbia e fim do Apartheid na África do Sul, a que não foi alheia, pelo contrário, a derrota das FAPLA e cubanos no Cuito Canavale.
E em 1989 foram assinados os acordos de Gbadolite, cujas delegações da parte angolana foram dirigidas por António França Ndalu e Jorge Alicerces Valentim.
As tropas cubanas chegaram a Angola em 1975, apoiadas pela antiga União Soviética para apoiar as tropas do MPLA, a pedido do primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto.
Até 1993, estimativas militares angolanas apontam para a presença no país de cerca de 200 mil tropas expedicionárias cubanas e 500 assessores soviéticos, enquanto a UNITA dispunha de 80 mil homens em todas as frentes de combate.
Cuba e Angola mantém até hoje vínculos de cooperação, nomeadamente com a transferência de quadros cubanos para a área da saúde e educação em Angola e para a formação de angolanos em Cuba.
Roubo de mármore dos cemitérios
Há muitas e válidas razões para o MPLA amar Cuba e, é claro, para Cuba amar o MPLA. Angola e os angolanos são outra coisa. Recordemos, por exemplo, o brilhante trabalho cubano no apoio à vitória eleitoral do MPLA.
Na altura, Setembro de 2008, ao elogiar a transparência e honestidade das eleições em Angola, bem como o papel de comunicação social (do estado, está bom de ver), Cuba prestou o melhor dos serviços à verdade.
Só não viu quem era ceguinho (e foram muitos, tal como são hoje). Só não vê quem quer continuar a ser cego. E, neste caso, a cegueira é proporcional ao peso do poder do clã presidencial e dos acólitos, muitos dos quais – tanto quanto parece – até militam noutros partidos.
Pedro Ross Leal, embaixador cubano em Angola, em declarações à agência angolana de notícias, Angop (a quem mais poderia ser?), apontou como merecedor de elogio o comportamento da comunicação social (não especificou qual delas, mas é fácil de entender) pela sua “eficiência” e oportunidade dada aos partidos políticos para expressarem os seus “propósitos de governação”.
Relevando como “facto inédito” em África, num país que viveu “longos anos de guerra”, a realização de eleições num clima “de paz, tranquilidade e honestidade”, Ross Leal disse que considerava que o escrutínio foi “transparente e honesto” pelo “comportamento cívico dos cidadãos e dos partidos políticos”.
E se Cuba o diz, quem se atreverá a dizer o contrário?
O diplomata cubano defendeu ainda que a vitória esmagadora do MPLA, com mais de 81 por cento dos votos, nas segundas eleições realizadas em 33 anos de independência (de quê?) e 16 anos depois das primeiras, em 1992, representava uma “mais valia na cooperação entre os dois países, rumo ao desenvolvimento de ambos”.
Pedro Ross Leal lembrou que o MPLA sempre foi um parceiro do governo cubano (bem lembrado!), desde a luta de libertação nacional, quando “o comandante” Che Guevara encontrou Agostinho Neto, o primeiro Presidente da República de Angola, no Congo-Brazaville.
“Foi a partir desta data que se deu início à cooperação bilateral, permitindo assim a mútua ajuda para o desenvolvimento dos nossos povos, bem como para a libertação de Angola das forças coloniais”, apontou o diplomata.
Ross Leal disse ainda que a cooperação entre Angola e Cuba deveria continuar a crescer, sublinhando o número significativo de médicos e professores que Havana já tinha em Angola.
“Já temos médicos e professores cubanos espalhados pelas 18 províncias do país. Com a construção de mais infra-estruturas pelo Governo angolano, haverá igualmente maior contributo da nossa parte, visto que estamos dispostos a lutar juntos para o futuro de Angola”, sublinhou. E quando toca a lutar num país rico os cubanos não se fazem rogados.
Hoje, como ontem e como amanhã, ainda há muitas contas que o MPLA não pagou. Por isso, eles vieram para Angola para ficar.
Aliás, as consequências do envolvimento cubano em Angola foram sobretudo o endividamento de Angola perante Cuba e a dilapidação de muitas riquezas que foram carregadas para Havana, desde carros a mármore roubado até dos cemitérios deixados pelos portugueses.
Recordemos um episódio, relatado em Novembro de 2008, quando alguém nascido e criado no Alto Hama foi visitar Cuba e, em Havana, viu o Autocarro do Grupo Desportivo do Alto Hama aonde ele se fartou de andar quando era atleta júnior da equipa de futebol local, antes da Dipanda… Isto para além dos autocarros da EVA (Empresa de Viação de Angola).