O concerto “Ikopongo”, juntando os ‘rappers’ Luaty Beirão e MCK, foi esta noite improvisado por alguns minutos no exterior do Cine Tivoli, em Luanda, espaço cuja licença de funcionamento foi revogada pelas autoridades do regime.
“T udo aqui é deles, tudo pertence a alguém que tem rabos-de-palha e muito a perder se for erradamente conotado comigo, com o MCK ou pessoas com postura abertamente crítica para com este ‘status quo’ [governação do país]”, afirmou Luaty Beirão à Lusa, pouco depois de improvisar o espectáculo na rua, com três músicas.
O activista, um dos 17 condenados em Março, na capital do reino, por suposta e nunca provada rebelião, e que musicalmente se apresenta como Ikonoklasta, já ontem tinha explicado que foram confrontados com a alegada retirada da licença ao Cine Tivoli, após presença no local da polícia do regime.
Os dois músicos passaram o dia de domingo junto à sala de espectáculos, para, sem sucesso, proceder à montagem da luz e som. À hora prevista, 20:15, improvisaram o espectáculo para algumas dezenas de pessoas que se encontravam no exterior e que, como sabem, podem ser igualmente acusadas de rebelião e de crimes contra a segurança de sua majestade o rei José Eduardo dos Santos.
“Foi bom, cantaram connosco e quando dissemos que íamos devolver o dinheiro dos bilhetes disseram que não queriam, que tinha valido pelo momento”, disse ainda Luaty Beirão, anunciando que o concerto previsto para o Cine Tivoli será transmitido em directo nas próximas horas, via internet, a partir de um espaço privado.
Pelo aluguer da sala de espectáculos, os dois músicos – ambos conhecidos por interpretarem música de intervenção e críticos do Governo do MPLA (no poder há 41 anos) – afirmam ter pago 500.000 kwanzas (2.700 euros), mas foram informados no sábado pela gerência da impossibilidade de o concerto se realizar, conforme anunciado.
“Ligaram-nos a dizer que a polícia foi lá e apreendeu a licença. Não sabemos porquê”, acrescentou Luaty Beirão. Na ordem de apreensão, cópia do que é praticado nas mais evoluídas democracias que o regime segue (Guiné Equatorial e Coreia do Norte), deverá estar escrito: “O rei quer, pode e manda”.
E perante isso, os sipaios do regime nada mais fazem do que, caninamente, obedecer.
O concerto “Ikopongo” chegou a estar programado e anunciado publicamente para sábado, no Chá de Caxinde, outra sala de espectáculos de Luanda, mas a gerência comunicaria depois, segundo os músicos, que não autorizava a sua realização.
“Por vezes são actos de autocensura, é algo que me deixa triste. É o país que temos, não é o país que queremos”, lamentou Luaty Beirão.
É o país que (não) temos
Sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos, reconheça-se, continua a querer transformar a Angola dele num país desenvolvido e de referência em África e no Mundo. Está no poder desde 1979, nunca foi eleito e, por isso, tem tanto prestígio junto dos seus acólitos.
Como no seio da seita/partido começam a aparecer, embora de forma ténue e muito tímida, pessoas a pensar que têm direito de opinião, o rei dá ordens para que todos sejam obrigados a estar calados.
Isto porque, como explica o sipaio secretário-geral da seita, Dino Matross, “estava a haver muita confusão”.
E, como se sabe, na seita/partido como no regime, só existe direito de ter uma única opinião, a de sua majestade o rei José Eduardo dos Santos.
Fazendo nossas as ideias do sipaio Julião Mateus Paulo “Dino Matross”, devidamente autenticadas pelo “escolhido de Deus”, a seita/partido precisa de mais uns 40 anos no poder para concretizar a luta pela escravidão total do Povo angolano. E se José Eduardo dos Santos não durar tanto, lá estarão os seus filhos para continuar a obra e preservar a monarquia.
E é neste contexto que Luaty Beirão, MCK e mais alguns jovens corajosos são uma ameaça. Quem os autorizou a pensar? Quem os autorizou a dizer o que pensam? Será que eles julgam que o reino é uma democracia e um Estado de Direito?
Mau grado a divina actuação de sua majestade ficam, contudo, algumas dúvidas. Se a Angola (deles) é, por força da impoluta governação do MPLA que já dura desde 1975, uma referência em todo o Mundo e arredores, para onde quererá a seita/partido que o reino vá?
É que a Angola (deles) é mesmo uma nobre e incólume referência mundial, graças exclusivamente ao MPLA e à liderança do “querido líder” José Eduardo dos Santos que, por ser divina, já dura desde 1979 sem carecer de qualquer eleição nominal. Não fossem as instruções filantrópicas do rei, sempre atento aos seus escravos, e a seita/partido teria em todas as eleições mais de 100% dos votos.
Com 70% dos escravos afectados pela pobreza, com uma taxa de mortalidade infantil (nos escravos) que é a mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças, o reino de Angola é uma referência em África, no Mundo e – seguramente – arredores.
Mas há mais dados que revelam toda a capacidade que o reino de Angola tem, graças ao MPLA e ao seu líder – “o escolhido de Deus”- para ser um paradigma pelo menos africano e mundial.
Quem não se recorda de, em Agosto de 2012, por exemplo, os centros de saúde dos bairros Bula-Matady, Nabamby e o Hospital Municipal do Lubango, no bairro da Mitcha, na capital da província de Huíla, terem solicitado às parturientes que se fizessem acompanhar de velas para a sua assistência, devido às falhas de energia e falta de geradores?
O rei lembrou-se, recorde-se, de dizer que a aposta do Executivo é na diversificação da economia para que o país deixe de depender exclusivamente do petróleo e dos diamantes e, mais importante do que tudo isso, que a seita/partido, ao longo da sua trajectória, cumpriu os seus princípios ideológicos, enraizando-se no povo e tornou-se “numa força respeitada em Angola, em África e no Mundo”.
Em síntese. Antes de a seita/partido existir, o reino de Angola não existia. E é isso que José Eduardo dos Santos quer que MCK, Luaty Beirão e mais uns tantos jovens corajosos entendam.
Folha 8 com Lusa
Velho porco sem vergonha na cara, compra tudo com gasosa, e mata tudo