O futuro secretário-geral da ONU, António Guterres, disse confiar que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) poderá desempenhar “um papel positivo” quanto à pena de morte, em relação à qual a Guiné Equatorial impôs uma moratória.
Por Norberto Hossi
“Apena de morte está espalhada em todos os continentes ainda, infelizmente. Mas tenho confiança que a CPLP possa desempenhar um papel positivo neste domínio”, defendeu o próximo responsável da Organização das Nações Unidas, em declarações aos jornalistas, em Brasília, antes de ser recebido pelo Presidente brasileiro, Michel Temer, no Palácio do Planalto.
Guterres respondia a questões sobre a existência de pena de morte na Guiné Equatorial, que aderiu à CPLP em 2014 depois de impor uma moratória sobre as execuções. Na última cimeira, os países lusófonos declararam o seu apoio às autoridades de Malabo no objectivo de abolir a pena capital.
Sobre problemas de desrespeito de direitos humanos em países lusófonos, o secretário-geral designado das Nações Unidas considerou que “há passos significativos a dar em matéria de direitos humanos em todo o mundo” e lembrou que é uma das “questões essenciais da agenda das Nações Unidas”.
“Espero que a CPLP, como todas as organizações internacionais, tenha um papel muito importante no sentido de que os direitos humanos se transformem num ponto essencial da agenda internacional. Estou confiante que a CPLP, também aí, exercerá um papel muito importante”, defendeu.
Antes, Guterres sublinhara: “Temos de ir ao essencial. O essencial, para mim, 20 anos depois de ter sido co-fundador da CPLP, é uma profunda alegria estar como secretário-geral eleito das Nações Unidas numa reunião da CPLP e ver que está viva, empenhada numa agenda internacional que coincide com a agenda das Nações Unidas”.
O tema eleito pelo Brasil, que assumirá a presidência da CPLP para o próximo biénio, é a Agenda 2030, sobre os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pelas Nações Unidas.
“É um tema central na cooperação entre as Nações Unidas e a CPLP”, disse.
E, pelos vistos e fazendo fé nas declarações de António Guterres, a Guiné Equatorial é o único problema – pequeno, certamente – da CPLP. Até porque, diz o futuro secretário-geral da ONU – “o essencial” é – veja-se – que a CPLP está viva.
No dia 16 de Junho de 2010, quando Pedro Pires recebeu o seu homólogo da Guiné Equatorial, ficou a saber-se que o então presidente de Cabo Verde era cada vez mais apologista da entrada do reino de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo na Comunidade de Países de Língua(?) Portuguesa.
Na altura, os mais ingénuos estranharam que Pedro Pires tenha barrado os jornalistas quando estes, numa coisa a que se chama liberdade de imprensa, se aproximaram para chegar à fala com Teodoro Obiang Nguema Mbasogo.
Pedro Pires impediu as câmaras da televisão de filmarem a entrada para o veículo oficial que levou Obiang Nguema para a Assembleia Nacional, o que gerou manifestações de repúdio dos jornalistas, tal o ineditismo do gesto, que foi mostrado e comentado de forma crítica pela televisão local.
Segundo a Repórteres Sem Fronteiras, em 2009 Cabo Verde tinha caído do 36º para 44º lugar em matéria de liberdade de imprensa. Se calhar, na altura enquanto presidente, Pedro Pires entendia que proteger um ditador é até uma qualidade, sobretudo petrolífera, que pode render muitos pontos.
Obiang, que a revista norte-americana “Forbes” já apresentou como o oitavo governante mais rico do mundo, e que depositou centenas de milhões de dólares no Riggs Bank, dos EUA, tem sido acusado de manipular as eleições e de ser altamente corrupto.
“Mas o que é que isso importa”, terá na altura perguntado Pedro Pires, tal como fizeram José Eduardo dos Santos, Armando Guebuza ou Pedro Passos Coelho.
Obiang, também ele amigo do “querido líder” do MPLA, que chegou ao poder em 1979, derrubando o tio, Francisco Macias, foi reeleito com 95 por cento dos votos oficialmente expressos (também contou, como é hábito, com os votos dos mortos), mantendo-se no poder graças a um forte aparelho repressivo, do qual fazem parte os seus guarda-costas marroquinos.
“Mas o que é que isso importa”, perguntarão hoje José Eduardo dos Santos (esse é Presidente vitalício, tal como Obiang), Filipe Nyusi, António Guterres ou António Costa.
Recorde-se que gozando, como todos os ditadores que estejam no poder, de um estatuto acima da lei, Obiang riu-se à grande e à francesa quando em 2009 um tribunal… francês rejeitou um processo que lhe fora intentado por recorrer a fundos públicos para adquirir residências de luxo em solo gaulês, com a justificação de que – lá como em qualquer parte do mundo – os chefes de Estado estrangeiros, sejam ou não ditadores, gozam de imunidade.
“Mas o que é que isso importa”, perguntam hoje os senhores da CPLP.
Os vastos proventos que a Guiné Equatorial recebe da exploração do petróleo e do gás natural poderiam dar uma vida melhor aos 600 mil habitantes dessa antiga colónia espanhola, mas a verdade é que a maior parte deles vive abaixo da linha de pobreza.
Mas se, por exemplo, em Angola há perto de 70% de pobres, porque carga de chuva não podem também existir, democraticamente, na Guiné Equatorial?, perguntarão certamente António Guterres, Michel Temer e Marcelo Rebelo de Sousa.
Reconheça-se, contudo, que tomando como exemplo Angola, a Guiné Equatorial preenche todas as regras para estar de pleno e total direito na CPLP. Não sabe o que é democracia mas, por outro lado, tem fartura de petróleo, o que é condição “sine qua non” para comprar o que bem entender… incluindo os elogios e a lixívia que António Guterres usará para a ONU limpar a imagem do reino de Teodoro Obiang.
Com Lusa