O Presidente angolano, nunca nominalmente eleito e no poder há 37 anos, puxou dos seus galões e defendeu hoje que o diálogo deve ser a via para a resolução de problemas políticos que o continente africano enfrenta, e não a procura de resolução no Tribunal Penal Internacional (TPI).
Por Orlando Castro
Dir-se-ia que, com a perspicácia de quem trata a democracia e o Estado de Direito abaixo de cão, José Eduardo dos Santos vê nas costas dos outros o que poderá um dia destes passar-se nas suas. Ele sabe que, nesta altura, é considerado um ditador… bom. No entanto, também sabe que quando – um dia destes – passar a ditador… mau, poderá ter de enfrentar coisas desagradáveis.
Coisas essas que, a nível externo, poderão enquadrar-se no âmbito do TPI e que, internamente, podem enquadrar-se nos exemplos de justiça popular que “julgou” Muammar Kadhafi ou Nino Vieira.
José Eduardo dos Santos discursava hoje em Luanda na VII reunião de alto nível do Mecanismo Regional de Supervisão do Acordo-Quadro para a Paz, Segurança e Cooperação na República Democrática do Congo (RDCongo) e na Região dos Grandes Lagos.
O chefe de Estado angolano deu o exemplo de Angola e da África do Sul, que “apesar das situações dramáticas que viveram”, não procuraram resolução no tribunal internacional “para alcançarem a reconciliação nacional”.
O exemplo de Angola é, de facto, paradigmático. É preciso ter uma lata do tamanho de África para falar de “reconciliação nacional” no nosso país. O que se passou foi que o MPLA ganhou a guerra e, é claro, a UNITA perdeu. Como vencedor, o MPLA impôs as suas condições e a UNITA aceitou-as. Isso não é “reconciliação nacional”. É a submissão pura e simples do perdedor ao vencedor.
“Devemos manter as pontes de diálogo construtivo”, realçou José Eduardo dos Santos, sendo que no caso do seu reino o que chama de diálogo é um mero monólogo. O seu regime determina a sentença e faz depois o julgamento em conformidade. Mata primeiro e interroga depois. Entende que, até prova em contrário, todos são… culpados.
Sobre a situação na RDCongo, país colonizado pelo regime angolano, José Eduardo dos Santos, que preside à Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos, disse desejar (o que é diferente de desejar) que a criação de um Governo de unidade nacional e o período de transição que o país vizinho vai viver até a realização de eleições em Abril de 2018, permita pôr fim ao clima de contestação e desestabilização que tem reinado nos últimos tempos.
Para os políticos congoleses envolvidos no conflito, José Eduardo dos Santos salientou que “é importante que saibam que só em paz e com estabilidade é possível levar-se a cabo um processo eleitoral sério, honesto e credível, tanto para o povo que vai votar como para a comunidade internacional que vai testemunhar”.
Esta tese de Eduardo dos Santos prova, inequivocamente, a farsa que se vive em Angola. Se, como afirma, “só em paz e com estabilidade é possível levar-se a cabo um processo eleitoral sério, honesto e credível”, então o nosso país não está em paz e nem tem estabilidade. É que, por cá, até hoje nenhum “processo eleitoral foi sério, honesto e credível”.
“Para aqueles que querem chegar ao poder é importante que saibam que o podem fazer democraticamente, respeitando a lei e a vontade soberana dos eleitores e que valerá a pena esperar mais alguns meses para o fazerem em condições de segurança e tranquilidade do que enveredarem por caminhos incertos de violência, que se sabe sempre como e por que razão começam, mas nunca quando terminam”, sublinhou o vitalício monarca angolano.
Democraticamente? Respeitando a lei e a vontade soberana dos eleitores? Onde é que sua majestade o rei encontra exemplos disso no seu reino? José Eduardo dos Santos deveria, no mínimo, abster-se de nos passar constantes atestados de menoridade intelectual e de crescente matumbez.
Já para os que aspiram governar, o chefe de reino angolano referiu que “é importante que saibam que é sempre melhor e mais fácil fazê-lo em paz e com ordem, do que assumir o poder nas condições de um país devastado”.
Pois é. Veja-se o caso de Angola. Paz e ordem imposta pela força ditatorial do regime e por um exército dos mais poderosos do continente, ambos amamentados solenemente pela corrupção.
“Na República Democrática do Congo, o Governo, a oposição e a sociedade civil não podem perder de vista o facto de que todos devem conjugar esforços na luta contra as forças negativas e a ameaça da expansão do terrorismo”, apelou Eduardo dos Santos. Poderia ter acrescentado que, como em Angola, “as forças negativas” e a “ameaça da expansão do terrorismo” devem-se a todos aqueles que não são do… MPLA.
O recente ataque terrorista que sofreu o Quénia foi condenado “com veemência” pelo presidente de Angola, apelando a todos o reforço da vigilância.
“Os exemplos a que hoje assistimos no mundo, particularmente no Médio Oriente e em África, são mais elucidativos para qualquer político consciente e honesto e qualquer retórica a esse respeito. É também por essa razão que temos apelado sempre ao reforço do cumprimento rigorosos do princípio do não reconhecimento pela União Africana dos poderes estabelecidos pela via ilegal e através de métodos anticonstitucionais”, destacou.
Poderes estabelecidos pela via ilegal e através de métodos anticonstitucionais? Eis o fiel retrato de Angola. O MPLA está no poder desde 1975 porque legalizou os métodos anticonstitucionais desde que, note-se, praticados pelos seus acólitos.
Eduardo dos Santos acrescentou que “a observância da lei e o estrito respeito pela ordem constitucional estabelecida são o melhor critério da verdade para dirimir antagonismos que se afiguram aparentemente irreconciliáveis”, reiterando a escolha pelo diálogo “que preserve e suscite a sensatez, que conduza a posições razoáveis e a consenso e afaste o extremismo”.
Mais do mesmo para matumbos ouvirem. E como esses matumbos africanos não têm alternativa, lá terão de se curvar perante o poderio bélico de Eduardo dos Santos, beijando-lhe a mão e aceitando estar no poder para cumprir tudo o que o rei de Angola manda. Até um dia, é claro.
José Eduardo dos Santos manifestou a continuidade do empenho de Angola nos esforços para a manutenção da paz e estabilidade na África central e na região dos Grandes Lagos, garantindo que se reforce o clima de boa vizinhança e de cooperação entre os países dessas sub-regiões. Para isso basta que compreendam que ele é o mais alto representante de Deus na terra.
Esta reunião que Luanda acolhe é uma co-organização das Nações Unidas e União Africana, para a análise na RDCongo e outros países da região, depois das reuniões que foram realizadas em Adis Abeba, Nova Iorque em anos anteriores.