A terceira secção da sala do cível e administrativo do Tribunal Provincial de Luanda condenou a sociedade Angoalissar a efectuar pagamentos referentes às quotas em dívida ao cidadão Mpindi André, sócio da empresa desde a sua constituição – em 1992. Os representantes da Angoalissar na batalha judicial não cruzaram os braços e recorreram ao Tribunal Supremo.
Por Sedrick de Carvalho
Mpindi André é um dos dois angolanos que, juntamente com dois libaneses, criaram a revendedora de alimentos e bens denominada Angoalissar – Comércio e Indústria, Limitada, conforme está expresso em Diário da República, III série – nº. 34, de 28 de Agosto de 1992.
Passados quatro anos, precisamente em 1996, os sócios maioritários da empresa – os irmãos Ali Nehmé e Hussein Nehmé, com onze milhões e três milhões de kwanzas, respectivamente – decidiram colocar Mpindi André fora da sociedade sem respeitarem os procedimentos legais previstos no Código Comercial (CC) e Lei das Sociedades Comerciais (LSC).
“Simplesmente comecei a ser recebido de maneira pouco respeitosa na empresa sem saber as razões concretas. Nem sequer foi convocada uma assembleia [nos termos do artigo 56º da LSC] para uma deliberação condigna”, contou ao Folha 8 Mpindi André, antigo cenógrafo da Televisão Pública de Angola.
Os maltratos continuavam até 1998 e, para melhor compreensão, Mpindi André foi à casa de Ali Nehmé, sócio-gerente da Angoalissar, solicitar esclarecimentos, inclusive escreveu uma carta que endereçou ao mesmo onde se lê que “tinha confiança numa pessoa honesta que cumpre os seus compromissos, mesmo verbais”. Os esforços para resolução do conflito não surtiram efeitos.
No mesmo ano, isto em Maio, Ali Nehmé mandou o departamento jurídico da empresa emitir uma “apreciação” sobre a situação do sócio fundador. Abelina Nambi, que assina o documento como jurista, foi breve na sua explanação, tendo concluído: “Em termos legais, a sociedade não tem obrigação de prestar o que quer que seja ao Sr. Mpindi André, uma vez que este deixou de ser seu sócio e nem é sequer seu trabalhador […]”.
Agastado, Mpindi André decidiu recorrer ao tribunal em 2003. A actual juíza do Tribunal Constitucional, Maria da Imaculada Melo, foi a advogada inicialmente. Rapidamente instaurou uma “acção comum de condenação” contra a Angoalissar. O processo durou sete anos. Imaculada Melo já não era a advogada de Mpindi André quando o TPL proferiu a sentença favorável ao seu antigo cliente.
“O tribunal julga procedente porque provada a presente acção, e, consequentemente, condena a R. [ré, no caso a Angoalissar] a efectuar o pagamento ao A [apelante, Mpindi André], do valor correspondente à sua quota em dívida desde Junho de 1996, equivalente a USD 300.00 (trezentos dólares americano) por mês, acrescido de juros legais bem como a indemnizar o A. na quantia correspondente ao dobro do valor em dívida, pelos prejuízos resultantes da sua exclusão da sociedade, acrescida dos juros de mora”, lê-se na sentença declarada a 6 de Abril de 2010.
Tribunal Supremo entra em cena
Enquanto Mpindi André celebrava a vitória conquistada no tribunal de primeira instância, os representantes da Angoalissar já informavam o juiz da causa que iriam recorrer da decisão. E assim fizeram imediatamente.
A execução da decisão tomada pelo TPL ficou automaticamente suspensa, isto nos termos do nº. 1 do artigo 692º do código de processo civil.
Mais que um ano passou desde que se recorreu da sentença e nem um acto sequer foi despoletado pelo Tribunal Supremo (TS) sobre o processo. Em Dezembro de 2011, devido à demora e pela aproximação das férias judiciais daquele ano, António Carlos do Amaral, advogado de Mpindi André, enviou ao tribunal uma reclamação nos seguintes termos:
“Estando a aproximar o período de férias judiciais, sem que sobre esse processo tenha recaído um único acto durante esse ano judicial, o que facilmente indicia a excessiva lentidão da instância”, lamentava o defensor, que acrescentou: “se requer celeridade […] sob pena de defraudação da expectativa jurídica do A [apelado] e do efeito útil da sentença a produzir nesses autos”.
A reclamação “parece que só enfureceu os juízes” do TS, pois, ainda assim, nenhuma acção se registou até o ano 2013, altura em que elaborado um despacho pela câmara do cível, administrativo, fiscal e aduaneiro do TS onde informou a Angoalissar e Mpindi André da aceitação do recurso e notificou os mesmos a apresentarem as suas alegações num prazo de quinze dias. Entretanto, o documento feito a 13 de Novembro só foi entregue ao advogado de Mpindi André no dia 17 de Fevereiro de 2014.
Os valores referentes às taxas de justiça pelas contra-alegações foram depositados no mesmo dia – dezassete mil e seiscentos Kzs.
Sete meses depois, Setembro de 2014, foram informados de que deveriam pagar treze mil e duzentos Kzs de taxa pela preparação do julgamento. Porém, o julgamento até ao momento não aconteceu.
Mpindi André conta agora com oitenta anos de idade. Está doente e vive a base de medicamentos. Foi-lhe recomendado repouso absoluto, mas ainda assim teima em movimentar-se. “Se eu não me mexer, esse caso vai ficar mesmo assim”, justificou o incumprimento da ordem médica.
O ancião desconfia que a Angoalissar tem criado obstáculos junto do TS para que o processo fique paralisado ou então o desfecho seja desfavorável ao sócio.
“É que a demora é tanta que só me leva a desconfiar de uma interferência da Angoalissar no Tribunal Supremo”, disse receoso, acrescentando: “talvez estejam a contar com a minha morte que está para breve em função da minha idade, porque dificilmente alguém dará sequência ao processo na minha ausência”.