A imprensa portuguesa anunciou há dias que a empresa Amorim Energia, do milionário luso Américo Amorim, vendeu cinco por cento da sua participação na GALP, a maior empresa portuguesa.
Por Rui Verde (*)
Accionista maioritário e presidente do Conselho de Administração, Amorim reduziu a sua participação na GALP de 38,34 por cento para 33,34 por cento.
Segundo fontes do mercado de valores de Lisboa, a empresa do milionário português teria comprado estes cinco por cento de acções pelo valor total de 590 milhões de euros, vendendo-as agora por 484 milhões de euros. Com esta operação, Amorim sofre portanto um prejuízo de 106 milhões de euros. Regra geral, só se vende nestas condições quando se precisa urgentemente de liquidez, o que não parece ser o caso de Amorim.
Como é sabido, cerca de 45 por cento da empresa Amorim Energia pertence à Esperaza Holding, empresa dominada pela Sonangol e onde Isabel dos Santos detém 40 por cento, que obteve através de um empréstimo da Sonangol, tornando-se muito difícil distinguir o que é de Isabel dos Santos e da Sonangol no que à GALP diz respeito. Este tema foi já objecto de análise detalhada no Maka Angola.
Acontece que as mesmas fontes do mercado de valores e a imprensa portuguesa afirmam que a venda levado a cabo por Amorim resultou de exigências de Isabel, que necessitava de liquidez. Na realidade, ela ou a Sonangol, ou ambos, vão receber cerca de 240 milhões de euros com a operação.
A confirmarem-se estes rumores de mercado, poderemos estar perante um conflito de interesses óbvio entre a Sonangol e Isabel dos Santos, entre os negócios privados e os negócios públicos da presidente do Conselho de Administração da Sonangol.
Vejamos. Mal assumiu a presidência da Sonangol, Isabel apressou-se a exarar um despacho em que “congelava” todas as operações de alienação de património ou de activos da Sonangol. Ora, um dos activos importantes é a participação na GALP. A verdade é que, três meses depois de assumir o cargo, Isabel promove a venda desse activo (participação social na GALP), com perdas significativas.
Tudo se isto se passa ao mesmo tempo em que os órgãos oficiais e oficiosos do regime angolano propalam as melhorias na Sonangol. Por seu turno, a agência noticiosa portuguesa Lusa asseverava: “A Sonangol garantiu mais de 65 por cento das receitas que o Estado angolano angariou em Junho, totalizando 84.659 milhões de kwanzas (465 milhões de euros).” Portanto, a Sonangol estaria em franca recuperação e não precisaria de vender participações ao desbarato.
Simultaneamente, nos negócios privados de Isabel dos Santos está em curso um outro movimento. A filha do presidente José Eduardo dos Santos prepara-se para comprar acções do Banco de Fomento Angola (BFA), ao accionista maioritário Banco Português de Investimento (BPI), que detém 50.1 por cento do capital. A UNITEL, na qual a Sonangol e Isabel dos Santos detêm conjuntamente metade do capital societário, detém as restantes acções do BFA. Aparentemente, para convencer Isabel dos Santos a mudar de posição face à OPA (Oferta Pública de Aquisição) que os espanhóis do CaixaBank estavam a fazer ao banco português BPI e a que Isabel se opunha, os portugueses ofereceram-se para lhe vender dois por cento do BFA por cerca de 30 milhões de euros. Com esta operação, Isabel ficará a controlar mais um banco em Angola, talvez o melhor e mais bem gerido. Mas para concretizar a operação, precisa de dinheiro líquido, que possivelmente não consegue obter de um momento para o outro. Já se sabe que as contas do seu amontoado de empresas são em muitos casos bastante opacas.
Depois, a joalharia que lhe pertence anda por esse mundo fora a fazer magníficas festas e a comprar os “maiores diamantes do mundo”. Com que dinheiro? A estrutura de capital da De Grisogono é desconhecida e não está submetida ao público. Só a compra do “Constellation”, anunciada no início do mês de Setembro, terá custado mais de 60 milhões de dólares…
Ora, o que se sabe é que, segundo o jornal Le Matin Dimanche, Isabel dos Santos desempenhou em 2012 um papel essencial no resgate da De Grisogono, que estaria sem dinheiro e à procura de investidores para continuar no activo. Portanto, em 2012, a empresa estava com dificuldades. Pouco mais de três anos depois, abre uma enorme joalharia luxuosíssima (que o autor deste texto teve oportunidade de ver in loco) na zona mais cara de Londres (Bond Street) e adquire os diamantes mais caros do mundo. É evidente que estes investimentos não resultam do giro habitual da De Grisogono, mas sim do capital dos accionistas.
Em resumo:
– Por um lado, a Sonangol perdeu 50 milhões de euros numa operação de venda de activos na GALP em Portugal, que lhe renderam um valor acima dos 200 milhões de euros.
– Por outro lado, Isabel dos Santos precisa de liquidez para os seus negócios privados, como a compra de dois por cento do BFA ou o financiamento da De Grisogono.
Uma coisa pode estar ligada à outra. Quer dizer, a Sonangol poderá ter vendido um activo com prejuízo para financiar as actividades privadas de Isabel dos Santos. Ou talvez não.
O problema é que a promiscuidade de funções, a opacidade de participações e contas, a completa confusão entre negócios públicos e privados permitem todo o tipo de suspeitas, que uma condução transparente e proba dos negócios evitaria. Poderemos então estar perante o primeiro caso de conflito de interesses entre a Isabel presidente da Sonangol e a Isabel detentora de empresas privadas.
(*) Maka Angola
Foto: Folha 8