Transportadora tem conseguido recuperar algum dinheiro, mas os depósitos por repatriar sobem a um ritmo médio de três milhões por mês. Governo não quer que rota seja posta em causa.
Por Raquel Almeida Correia (*)
As dívidas do Estado angolano à TAP já rondam, neste momento, os 50 milhões de euros. Apesar de, nos últimos meses, ter recebido algum dinheiro, os pagamentos efectuados estão muito longe de cobrir as vendas que a companhia de aviação não tem conseguido repatriar, fruto da crise de divisas que Angola atravessa. Por agora, não estão previstas mais reduções de voos, mas a operação para este país começa a tornar-se financeiramente insustentável. E do lado do Governo, há pressão para que a rota não seja posta em causa.
As dívidas têm aumentado a uma média de três milhões de euros por mês, mas os montantes são sempre maiores em meses de pico, como Agosto. Os 50 milhões actualmente retidos em território angolano representam praticamente o dobro do valor que a TAP registava no relatório e contas de 2015. No documento, a companhia referia que os depósitos existentes em Angola à data de 31 de Dezembro do ano passado atingiam 27,7 milhões de euros. O PÚBLICO questionou a empresa sobre o tema, mas não obteve respostas.
A dificuldade em repatriar capitais do país começou em 2014 e, desde então, têm sido feitos alguns pagamentos avulso. Mas as promessas feitas por Luanda de que a situação seria integral e rapidamente resolvida estão por cumprir. A transportadora aérea tem tomado decisões mais drásticas para minimizar os impactos que a crise em Angola está a ter nas suas contas: no início de 2015, restringiu a venda de bilhetes no país apenas às viagens que se realizem com origem em Luanda e também redimensionou a operação, como aconteceu em Junho com a redução de dez para oito frequências semanais entre a capital angolana e Lisboa.
No entanto, com os valores em dívida a subir a cada mês, há cenários mais extremados que começam a ser equacionados, nomeadamente, uma diminuição mais profunda dos voos ou, no limite, o cancelamento da rota. É que, ao contrário do que aconteceu na Venezuela, país onde a TAP tem retidos mais de 90 milhões de euros, Angola não permite que as empresas deixem de vender na moeda local. Uma decisão nesse sentido iria ser considerada ilegal e muito provavelmente estimular reacções de Luanda.
É neste capítulo que entra o Estado português, hoje dono de 39% da companhia mas na expectativa de recuperar uma participação de 50% até ao final do ano. O Governo não quer comprometer as relações diplomáticas com Angola e, mais do que isso, quer garantir que a TAP mantém o importante papel que tem ao servir a diáspora e as inúmeros empresas nacionais que estão instaladas naquele país. Têm existido, por isso, conversações no sentido de dar mais tempo ao Estado angolano para responder aos apelos portugueses.
A crise em Angola, provocada pela forte quebra das receitas com a exportação de petróleo, provocou não só dificuldades em repatriar capitais, mas também recuos nas encomendas e atrasos significativos nos pagamentos. Um panorama que, como o PÚBLICO noticiou, está a levar o Governo a trabalhar num reforço das linhas de crédito que dão apoio às empresas com actividade naquele mercado. Uma das principais preocupações diz respeito ao pagamento dos salários dos expatriados.
A TAP está longe de ser a única companhia aérea a ser afectada. A espanhola Iberia foi uma das que este ano anunciou que iria deixar de voar para o país e muitas outras têm optado por reduzir drasticamente a oferta. Para a transportadora nacional, Angola representa hoje uma realidade muito diferente da que existia até há poucos anos, quando era um dos seus mais dinâmicos mercados e um dos vértices do triângulo Europa-África-América Latina.
Os resultados da TAP em 2015 já se ressentiram de uma forma mais profunda da crise que o país actualmente vive, ajudando a que as receitas e os passageiros caíssem pela primeira vez desde 2009. O cenário manteve-se no primeiro semestre deste ano, embora uma das variáveis que contribuem para a queda seja a redução da oferta.
É por isso evidente que a crise em Angola terá novamente impacto nas contas deste ano, assim como a retenção de mais de 90 milhões de euros na Venezuela teve consequências para o resultado de 2015. Mas, no que diz respeito ao repatriamento das receitas obtidas neste país sul-americano, as expectativas continuam muito reduzidas. Apesar de parecer haver uma maior abertura do Governo de Nicolás Maduro para ressarcir as companhias de aviação afectadas, não se conseguiu até agora, pela via diplomática, qualquer entendimento entre Caracas e Lisboa.
(*) Jornal Público