A “De Grisogono” até há bem pouco tempo, nem meia dúzia de meses, era uma pequena empresa onde trabalhavam 150 pessoas, em Plan-les-Ouates, perto de Genebra, na Suíça.
Por António Setas
Com boutique na Madison Avenue, em Nova Iorque, mas PME de importância mediana no ramo da joalharia e relógios de luxo, de repente, eis que ficamos a saber que essa “cambuta” ambiciona ser líder mundial desse sector.
A razão é uma pedra, grande, um diamante que aterrou na sua mesa como que caída do céu ou por encanto, dando origem a uma mega festança que reuniu 700 VIP’s, modelos de “passerelle” e actrizes, organizada em Maio por ocasião do Festival de Cinema de Cannes no Eden Roc e com ampla mediatização na imprensa internacional.
O fundador, PCA e director artístico da De Grisogono, Fawaz Gruosi, a partir daí começou a ver o futuro da sua empresa em tons de azul e ouro, com notas verdes pelo meio, depois de ter comprado a referida pedra, excepcional, um diamante angolano de 404 quilates, então recentemente encontrado na mina de Lucapa, província da Lunda-Norte.
“Estou muito nervoso, este diamante tira-me o sono, é a primeira vez que me preocupo por não ser capaz de fazer o que tenho que fazer. A minha responsabilidade é enorme”, disse Fawaz Gruosi, solicitado a comentar, na sua boutique de Nova Iorque, a descoberta do pedregulho. Responsabilidade tão grande que Gruosi não se aventurou a lapidar o mambo sozinho e recorreu aos serviços do prestigioso lapidário nova-iorquino Ben Green.
Compreensível, pois a verdade é que, com o “404”, a sua empresa e ele próprio mudavam de estatuto, como alegou um especialista do ramo diamantífero em Genebra. “Em geral, este tipo de aquisição é reservado às maiores empresas, como a Graff ou a Winston”, disse ele.
Trata-se, de facto, de um golpe de mestre. O “404” é o maior diamante jamais descoberto em Angola e nunca a marca De Grisogono, fundada em 1993, tinha obtido uma pedra deste calibre.
Mas vamos com calma… por essa altura, o que de maior reboliço e irritação grassava na área diamantífera entre os concorrentes da De Grisonogo, era o ciúme, a sua meteórica ascensão e a exageradamente dispendiosa maneira de divulgar a existência desse diamante na supra-citada gala VIP no Eden Roc, organizada no em pleno Festival de Cinema de Cannes, em Maio deste ano de 2016.
Por outro lado, sejamos francos, a De Grisogono podia dar-se ao luxo de ser generosa. Porque a sua marca, contas bem-feitas, tem aliados que lhe permitem desempenhar um papel de liderança. Em 2012, a empresa foi adquirida – por meio de uma montagem ad hoc, offshore – pelo empresário Sindika Dokolo, marido de Isabel dos Santos, filha do presidente angolano Dos Santos.
Monsieur Dokolo avançou com 100 milhões de francos suíços destinados a transformar a De Grisogono em um cliente privilegiado de diamantes angolanos destinados à joalharia. Vai de si que, com a compra do “404”, esta visão estratégica se concretizou na prática de maneira deveras espectacular.
Por outro lado, Sindika Dokolo também está por trás da Nemesis, uma empresa de diamantes em Dubai, nada de um aparente nada 18 meses antes. De acordo com o seu director, Nicky Polak, foi ela, a Nemesis, que comprou o “404” à empresa estatal angolana, Sodiam, antes de vender os seus direitos à De Grisogono (que não pagou nem um Luei, só pagará no final da lapidação e receberá lucros que se contam em milhões de dólares).
Portanto, não é preciso ser perito em economia para ver neste lance que o diamante passou de uma empresa do Estado, controlada pela filha do presidente da República, (Sodiam), para as empresas privadas, Nemesis e De Grisogono, que são propriedade de Sindika Dokolo, marido da dita filha do presidente. O que suscitou a indignação do jornalista, investigador e “bête noire” do presidente Dos Santos, Rafael Marques.
“Eles vendem-se a si mesmo”, reclama o jornalista investigador. Para ele, o diamante, também denominado “4 de Fevereiro” (em homenagem ao início da resistência armada em Angola de 4 de Fevereiro de 1961), deve ser “confiscado pelas autoridades norte-americanas, já que ele está em Nova Iorque”, porque essa pedra foi “roubada ao povo de Angola”.
Estas críticas, no entanto, inspiradas pela (de)lapidação pública feita a 19 de Junho, publicamente, em Nova Iorque, não devem impedir que o diamante seja vendido. Além de Isabel dos Santos – uma fã de longa data da marca – os clientes da De Grisogono têm pouco interesse em tudo o que toca à política angolana. O problema é obter o melhor preço da pedra “404”, muito, mas mesmo muito acima dos 16 milhões de dólares que ela custou antes de ser cortada e lapidada.
“O desafio será planear uma inteligente campanha de marketing na qual terá de se esconder ao comprador o preço final a que ele poderá negociar a transacção”, comentou o especialista de Genebra supracitado. Fawaz Gruosi é optimista. “Nós temos alguém que está interessado o suficiente”, disse ele no outro dia em Nova Iorque. «O “404”, acrescentou Nicky Polak, poderá perfeitamente vir a ser um belo presente de Natal».
Entretanto, perguntas ficam no ar: quantos milhões de dólares do Estado foram vazados para bolsos privados neste lance? Quantos biliões de dólares, em nome da lei instaurada por este regime, em nome dos usos, dos costumes e das velhas técnicas arcaicas de enriquecimento, têm sido, ao longo de décadas, ou melhor, ao longo de séculos, desviados em detrimento do verdadeiro dono do nosso país, o povo de Angola? Ela, a lei, existe, isto não é roubo, é simplesmente um histórico desfalque institucionalizado.
Fonte: Artigo de Sylvain Besson (Le Temps) no site Le Monde Afrique