A representação em Angola do Instituto da Comunicação Social da África Austral (MISA, sigla em inglês) anunciou, recentemente, que vai recorrer ao Tribunal Constitucional por acreditar existirem vários pontos inconstitucionais nas leis que comportam o pacote da comunicação social da iniciativa do Executivo e aprovadas na generalidade pelo MPLA no Parlamento.
Por Sedrick de Carvalho
“N este momento estamos a estabelecer contactos com constitucionalistas e advogados para levamos a cabo uma acção no Tribunal Constitucional exigindo a declaração de inconstitucionalidade de vários artigos contidos nestas leis”, disse Alexandre Solombe, presidente do MISA-Angola, em exclusivo ao Folha 8.
Apenas para citar alguns artigos que constituem preocupação para os jornalistas, Alexandre Solombe destacou a alínea d) do número 1, artigo 20º da proposta de lei da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA) – a nova polícia dos jornalistas, como já é conhecida. Nos termos deste artigo, a atribuição da carteira profissional aos jornalistas será da competência daquele organismo, esmagadoramente controlado por indivíduos indicados por José Eduardo dos Santos, nas vestes de Titular do Executivo e pelo partido MPLA, isto por ser a bancada com maior número de deputados.
“Não faz sentido que assim seja. A ERCA, pela sua composição, é mais um órgão do governo e não pode passar a carteira aos jornalistas. Isto é como se fosse o ministério da Justiça passar carteira aos advogados”, exemplificou Solombe, que já foi deputado.
Ao dar competência para atribuição de carteiras de jornalistas à ERCA, esta lei viola claramente o disposto no número 1 do artigo 49º da Constituição da República de Angola, pois, nos termos deste preceito, “a defesa dos seus direitos e interesses”, bem como “regular a disciplina deontológica de cada profissão”, é uma liberdade “garantida a todos os profissionais liberais ou independentes”.
Miguel Gomes, jornalista ao serviço do Rede Angola, diz mesmo que “a composição da futura ERCA é perigosa e não dá grande espaço de participação à classe, pelo menos na forma como está na lei”.
“São os partidos políticos que vão dominar a ERCA, o que me parece em contramão com a lógica simples”, ressaltou.
Quanto ao poder atribuído à ERCA para emissão das carteiras profissionais, Miguel Gomes não se opõe em termos gerais, mas salienta que “os jornalistas devem ser parte importante do processo”, adiantando que “de outra forma não faz grande sentido”.
O capital social mínimo para constituição de rádios previsto no número 2 do artigo 3º da lei de radiodifusão é também um aspecto que, na visão do MISA-Angola, consiste num atentado à Constituição.
Prevê esta norma proposta por José Eduardo que o valor mínimo para quem quer abrir uma rádio que visa cobrir o espaço nacional e internacional é de 250 milhões de kwanzas, enquanto os que pretendem operar localmente terão de ter como capital social no mínimo 75 milhões de kwanzas.
A Constituição, no seu artigo 44º, atribui ao Estado o dever de assegurar o pluralismo de expressão e de garantir a diferença de propriedade.
“Pelos valores altíssimos exigidos para abertura de rádios, este artigo da lei da radiodifusão vai coarctar a possibilidade de se criarem mais rádios e, logo, colocar em causa o pluralismo de expressão previsto na Constituição”, frisou Alexandre Solombe, que também já foi director da Rádio Despertar.
Quanto ao dever constitucional de garantir a diferença de propriedade, isto com vista a inviabilizar o monopólio da imprensa, “não fica assegurado porque, ao exigir-se estes capitais mínimos, apenas um grupo restrito terá o poder de abrir rádios no país porque são os integrantes deste pequeno grupo que têm dinheiro”, realçou o presidente do MISA-Angola.
Destacamos igualmente o valor mínimo exigido para a constituição de uma agência de notícias. Trinta e cinco milhões de kwanzas é o estabelecido no artigo 46º da Lei de Imprensa de iniciativa do Executivo.
Teixeira Cândido, secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, em declarações à Lusa, chegou mesmo a afirmar que estas leis têm “um objectivo político”, que é “intimidar a imprensa”.
Protesto dos jornalistas
Alguns jovens que se fizeram presentes na conferência de imprensa dos 17 presos políticos que se encontram em liberdade provisória, realizada na tarde de quarta-feira, 17, recomendaram aos jornalistas a adopção de uma postura enérgica para não permitir a aprovação final das várias leis inconstitucionais constantes do pacote legislativo da comunicação social.
Com a mesma visão estão alguns jornalistas que na semana passada participaram de um colóquio organizado pelo MISA-Angola onde se debateu as leis propostas pelo Executivo.
Nelson Sul de Angola, jornalista correspondente da DW, chegou mesmo a propor, na rede social Facebook, que os jornalistas façam manifestações pelas ruas.
“É necessário sairmos à rua. Mais do que discutir ou mostrar-se oposto ao pacote legislativo da Comunicação Social, sou de opinião de, nós os jornalistas, devíamos partir para acções concretas, como, por exemplo, realizarmos uma manifestação defronte a Assembleia Nacional”, escreveu Nelson.
Já Nok Nogueira, jornalista do Novo Jornal, é de opinião que “a discussão e a pressão deve ser feita pelos organismos sindicais”, e apontou inclusive quais: sindicatos, o MISA-Angola e a União dos Jornalistas Angolanos (UJA).
Para Miguel Gomes, “acima de tudo devemos continuar a trabalhar, a ser sérios e a procurar informar as pessoas com a maior objectividade possível”, tendo ainda criticado a intenção de criminalização da actividade jornalística prevista nos diplomas em discussão na Assembleia Nacional, agora na especialidade.
“Criticar (positiva ou negativamente) as coisas é uma das funções do jornalista. A responsabilidade do jornalista deve ser civil, não criminal, salvo nos casos em que se atenta contra a segurança nacional, o que também é polémico porque é um conceito muito aberto, onde cabe quase tudo”, frisou.
O Folha 8 sabe que uma carta será endereçada a José Eduardo dos Santos, na qualidade de proponente das leis repudiadas, e enquanto Presidente da República e sobre o qual recai a obrigação de promulgar as leis. Um assunto que traremos com pormenores brevemente.