Inclui vídeo. Mais de 500 personalidades, sobretudo portuguesas, dos mais variados sectores manifestaram, em Lisboa, solidariedade aos 17 activistas angolanos detidos em Luanda, juntando, paralelamente, críticas ao medo de se estragarem as relações políticas – mas essencialmente económicas – entre Portugal e Angola.
Numa “sessão pública” no Fórum Lisboa, promovida na sequência de uma petição subscrita por 239 personalidades, entre elas várias angolanas – políticos, escritores, jornalistas, músicos, humoristas ou historiadores -, foi destacada a justeza da luta dos 17 activistas, condenados em 28 de Março último por uma panóplia de crimes inventados e que, ao longo da farsa/julgamento, foram sendo alterados consoante os interesses do regime.
O medo das autoridades portuguesas em estragar as relações políticas e económicas com Angola, razão pela qual Lisboa mantém a sua tradicional bajulação ao regime de sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos, foi também realçado nas diferentes intervenções.
O antigo primeiro-ministro angolano Marcolino Moco destacou a “situação caricata” de o Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, “que fugiu da repressão [colonial portuguesa] liderar um Estado que hoje “reprime também jovens” que lutam pela democracia.
Em relação aos 17 activistas condenados a penas de prisão de até oito anos e seis meses, Marcolino Moco realçou a “coragem” dos jovens, tendo em conta as intimidações que foram e continuam a ser levadas a cabo.
A eurodeputada socialista Ana Gomes “atacou” a ideia de que Portugal não pode esquecer que travou o mesmo combate contra a ditadura de António Oliveira Salazar e que estava interligada com as então colónias em África.
“Hoje, infelizmente, vemos que, apesar de uma fachada formal de democracia nalguns países da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa] e, em particular, em Angola, de facto, não há liberdade, não há sequer o direito de crítica mais elementar e há repressão brutal, há um saque dos recursos do país para o enriquecimento de uma minoria de forma obscena”, disse a eurodeputada-
“Um país tão rico como Angola, com um potencial tão extraordinário é inadmissível, é claramente um caso de má governação, de governação contra o povo, e foi isso que Luaty Beirão e todos aqueles que estão injustamente condenados e na prisão denunciaram”, acrescentou Ana Gomes.
Admitindo que Portugal “tem de manter relações” com Angola, Ana Gomes lembrou, porém, que, antes de mais, “está a solidariedade com o povo angolano” e com os que “têm a coragem de falar alto e de se revoltar contra um regime cleptocrático, como é o que hoje, infelizmente rouba os recursos” de Angola.
O advogado Ricardo Sá Fernandes considerou que o caso dos 17 activistas tem “uma raiz política”, mas que no processo foram cometidos abusos jurídicos “muito graves”, exemplificando com a forma como decorreu o julgamento, o teor da acusação, os “tratamentos cruéis” na prisão.
“São problemas que não são políticos, mas sim de direitos humanos”, disse, adiantando ter “consciência” de que o problema fundamental é de “configuração do Estado angolano”, que não se resolve de um dia para o outro.
Também o historiador José Pacheco Pereira salientou a “coragem” dos 17 activistas em Angola e destacou que a iniciativa de solidariedade é uma “resposta” a essa mesma força dos jovens, com a possibilidade de denunciar não só o regime angolano, “mas também as cumplicidades de Portugal, de muitos sectores em Portugal, com o que acontece em Angola”.
“E essa cumplicidade é feita pelas piores razões: é cómodo criticar a Síria ou a Birmânia, mas não é cómodo, em Portugal, criticar Angola, porque existem demasiadas promiscuidades e cumplicidades entre interesses que são de ordem económica, por parte de uma elite angolana, cleptocrática. Se alguém perguntar de onde vem o dinheiro é muito difícil responder a não ser pelo exercício do poder político. Isso chama-se corrupção”, defendeu.
“Em Portugal hesita-se chamar corrupção àquilo que é corrupção e isso é uma razão suplementar. Compreendo que as relações de Estado para Estado são feitas independentemente do regime político. Portugal, por exemplo, torceu o nariz à Guiné Equatorial e, pelos vistos, acha que em Angola tudo corre bem, que há um sistema judicial independente”, acrescentou.
Também o humorista Ricardo Araújo Pereira considerou ser, ao mesmo tempo, fácil e difícil satirizar o regime político em Angola, sobretudo no que diz respeito ao caso dos 17 activistas.
“É fácil porque a situação é tão absurda que quase não é preciso tocar-lhe. São pessoas que são presas por ler um livro, basta dizer isto. Está dentro desta maldade a estrutura da comédia. É difícil porque são pessoas que estão presas e é a vida deles que está em causa. Há sempre um prurido em decidir se o olhar humorístico pode ou não pode posar sobre temas como este. Eu acho que pode”, disse, lembrando a recente sátira que escreveu sobre o tema e que leu na íntegra ao falar em palco.
A cobardia mora no Parlamento português
Recorde-se que PSD, CDS-PP e PCP rejeitaram no dia 8 de Janeiro um voto de condenação apresentado pelo Bloco de Esquerda sobre a “repressão em Angola” e com um apelo à libertação dos “activistas detidos”, iniciativa que teve a abstenção do PS.
Não é despiciendo reafirmar que, tal como acontece em Luanda, se tratou de mais uma palhaçada lusa, sem culpa dos palhaços propriamente ditos.
Esse voto do Bloco de Esquerda, porém, contou ainda com o apoio de seis deputados socialistas (Alexandre Quintanilha, Isabel Moreira, Inês de Medeiros, Isabel Santos, Pedro Delgado Alves e Wanda Guimarães), além do representante do PAN (Pessoas Animais e Natureza).
“É preciso travar e dar por finalizado este arrastado processo que visa intimidar, deter e punir aqueles que criticam a governação de José Eduardo dos Santos, que tem tido interferência directa ao longo de todo o processo, dando ordens no sentido de prolongar indefinidamente as audiências”, referia o voto da bancada bloquista.
O PCP (irmão gémeo do MPLA) demarcou-se totalmente desta iniciativa do Bloco de Esquerda, apresentando uma declaração de voto na qual se adverte que outras forças políticas “não poderão contar” com os comunistas “para operações de desestabilização de Angola”.
“Reiterando a defesa e a garantia das liberdades e direitos dos cidadãos, cabe às autoridades judiciais angolanas o tratamento de processos que recaiam no seu âmbito, de acordo com a ordem jurídico-constitucional, não devendo a Assembleia da República interferir sobre o desenrolar dos mesmos, prejudicando as relações de amizade e cooperação entre o povo português e o povo angolano”, lê-se na declaração de voto apresentada pela bancada ortodoxa, acéfala, marxista e leninista do PCP.
Por outro lado, com a abstenção do PSD e do CDS-PP, a Assembleia da República aprovou – registe-se – um voto apresentado pelo Bloco de Esquerda condenação pela recente morte de três activistas curdas e feministas Sêvê Demir, Pakize Nayir e Fatma Uyar na sequência de uma operação militar turca.
“A Assembleia da República expressa o seu mais profundo pesar por este triste acontecimento e presta homenagem às vítimas, suas famílias e ao povo curdo e repudia todos os atentados contra a liberdade e os direitos humanos na Turquia, como em qualquer outro país do mundo”, lê-se no voto aprovado pelo Parlamento.
Para além de pôr de joelhos e de mão estendida políticos como José Sócrates, Passos Coelho, Assunção Crista (entes Paulo Portas), Jerónimo de Sousa e Cavaco Silva, José Eduardo dos Santos juntou agora ao seu séquito e de forma oficial o primeiro-ministro António Costa. Segue-se Marcelo Rebelo de Sousa.
O processo português de bajulação do dono de Angola começou, de facto, há muito tempo. Recorde-se, por exemplo, que o então presidente da Assembleia da República de Portugal elogiou no dia 17 de Dezembro de 2007, em Luanda, a política externa angolana e deu os “parabéns” ao país pela “ambição” de um papel cada vez maior no continente africano e no Atlântico Sul.
“Um país com estas capacidades, aliando o seu potencial económico à sua diplomacia criativa e à capacidade militar, tem que ter uma ambição regional. Parabéns Angola por ter uma ambição regional!”, felicitou Jaime Gama num discurso aplaudido e que, mais coisa menos coisa, poderia ter sido feito por um qualquer deputado da maioria, ou seja do MPLA.
E disse, com nova revoada de aplausos das bancadas do Parlamento, que Angola “olha de igual para igual” para os principais protagonistas do Atlântico Sul, como o Brasil, Argentina ou África do Sul: “Parabéns Angola por olhar para o Atlântico Sul.”
O discurso apologético de Jaime Gama poderia, igualmente, ter sido feito por qualquer um dos actuais palhaços de plasticina que estão na ribalta dos areópagos políticos, partidários e parlamentares de Portugal. A única excepção é o Bloco de Esquerda.
No capítulo das relações bilaterais, Jaime Gama salientou na altura o crescendo do investimento português em Angola, cujo mercado tem um lugar especial nas empresas portuguesas que procuram a sua internacionalização, e apontou o igualmente significativo investimento angolano em Portugal em áreas como a banca, a energia e outras que se (des)conhecem.
Jaime Gama depositou uma coroa de flores no monumento a Agostinho Neto, suposto fundador da nacionalidade angolana e primeiro presidente do país com a ajuda, entre outros, de russos, cubanos e – é claro – portugueses.
Com todo este suporte bajulador, Eduardo dos Santos continua a encher o peito e a garantir que os angolanos não vão deixar que “os mentirosos, os demagogos e os caluniadores cheguem ao poder”.
“Aqueles que teimam em fomentar agitação, instabilidade e negar o que toda a gente tem diante dos olhos terão a devida resposta nas urnas”, avisou José Eduardo dos Santos. E se não for nas urnas eleitorais será nas urnas funerárias.
Mas, afinal, quem são os mentirosos, demagogos e caluniadores? De uma forma geral são todos aqueles que não alinham no MPLA. São, por isso, todos aqueles que dizem que em Angola:
– Todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos há angolanos que morrem de barriga vazia. 70% da população passa fome;
– 45% das crianças angolanas sofrem de má nutrição crónica, e que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos;
– No “ranking” que analisa a corrupção Angola está nos lugares de liderança;
– A dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos e que o silêncio de muitos, ou omissão, deve-se à coacção e às ameaças do partido que está no poder desde 1975;
– A corrupção política e económica é, hoje como ontem, utilizada contra todos os que querem ser livres, que 76% da população vive em 27% do território, que mais de 80% do Produto Interno Bruto é produzido por estrangeiros; mais de 90% da riqueza nacional privada foi subtraída do erário público e está concentrada em menos de 0,5% de uma população;
– O acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.