O juiz Januário Domingos uma vez mais (a primeira foi no Caso SME/Quina da Silva/2009), anda em sentido contrário ao do Tribunal Constitucional, quanto à interpretação de uma decisão, deste órgão superior, que é imperativa para um tribunal comum, no caso, a 14.ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda que julga o famoso processo dos jovens presos políticos 15+2.
O magistrado cometeu dois erros capitais em Direito, inadmissíveis, até mesmo em alunos do 3.º ano, primeiro ao admitir o requerimento da representante do Ministério Público, aludindo à alteração da condição carcerária dos arguidos e, segundo, ao deferir com base numa lei que ainda não entrou em vigor (Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro, Lei das Medidas Cautelares), que só entra em vigor no dia 18 de Dezembro (sexta-feira).
Ora, a questão colocada prende-se com a – no mínimo – ligeireza de navegação em normas feridas de legalidade, pelo juiz da causa, que se quer imparcial e escravo exclusivo do Direito e não seu violador. Porquanto, se num caso claro, onde a hermenêutica não nos leva a arrombar os caboucos de Hermes (pai da hermenêutica, ciência da interpretação jurídica), dele se pode esperar o pior, quando se estende a passadeira vermelha para decidir, como agora ocorre.
O juiz Januário, ao transferir a prisão preventiva de uma unidade prisional do Ministério do Interior, para outra unidade prisional; a domiciliária, está a atentar contra a decisão do Tribunal Constitucional, cuja interpretação não é difícil, atente-se, ao que dizem os juízes conselheiros:
“Acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em não declarar inconstitucional o acórdão (do Tribunal Supremo) que negou provimento ao recurso da habeas corpus, devendo, no entanto, ser posto termo a prisão preventiva dos Recorrentes, tão logo entre em vigor (dia 18/12/2015), Lei 25/15 de 18 de Setembro, cabendo, ainda, ao Juiz da causa determinar a medida de coacção a aplicar nos termos desta Lei”. (Tribunal Constitucional, em Luanda, 15 de Dezembro de 2015”)
Mas com a medida tomada pelo juiz é contrária ao que se lê acima, pretende-se dar asas a discricionariedade dos agentes da SIC, que vigiando as residências dos arguidos, possam eleger, o que lhes vai na real gana, como hipotéticas violações e, na esquina de dois meses, voltarem os arguidos à prisão, com base em informes falaciosos.
O juiz deve ser sério e não fazer a restrição da liberdade uma regra, ao invés da excepção, como acontece em qualquer Estado de Direito Democrático.
Atento a esta situação, o F8 colheu em exclusivo a opinião do advogado Luís de Nascimento, face ao acórdão do Tribunal Constitucional:
“Não obstante o Tribunal Constitucional declarar que o Acórdão do Tribunal Supremo “está conforme à Constituição e a prisão dos Recorrentes foi determinada com base na lei vigente aplicável à data”, o mesmo não deixa “de considerar que com a entrada em vigor da nova Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal (Lei n.º 25/15, de 18 de Setembro), o crime de que vêm pronunciados os Recorrentes, passa a não admitir prisão preventiva – art. 36.º, porque punível com pena não superior a três anos”, afirma o causídico que acrescenta; “consequentemente e por se tratar de Lei mais favorável, dela beneficiarão os Recorrentes (aplicação retroactiva) nos termos do n.º 4 do art. 65.º da CRA”.
Ora, o crime de que vêm pronunciados os 15+2 já não admite prisão preventiva, de acordo com a Lei N.º 18–A/92, Lei da Prisão Preventiva em Instrução Preparatória.
Com efeito, o art. 28.º da Lei n.º 23/10, de 3 de Dezembro estipula que “são punidos com pena de prisão até 3 (três) anos ou com a de multa até 360 dias os actos preparatórios dos crimes previstos nos artigos (…) 21.º e 23.º “.
Por seu turno, o art.º 10.º, n.º 2, alínea a) reza que “é inadmissível a liberdade provisória, devendo efectuar-se sempre a captura, nos crimes puníveis com pena superior à pena de prisão maior de 2 a 8 anos ou com qualquer outra pena privativa de liberdade cujo máximo seja superior a 8 anos”.
Ora, em nenhum destes tipos de crime se encontra a punição dos actos preparatórios de que são pronunciados os 15.
Por outro lado, a justificação de que a liberdade provisória era inconveniente, por haver receio de que os 15 (quinze) pudessem continuar a perturbar a ordem pública, não encontra qualquer sustentação no caso em apreço. Tenha-se em atenção que a lei fala em “receio fundado”, o que vale dizer que a recusa da concessão de liberdade provisória teria que estar fundamentada com factos objectivos que justificassem esse receio, o que não acontece no caso em apreço.
Em conclusão: O mérito do Acórdão está no facto da “interferência” no processo ter sido por parte de um órgão judicial, o Tribunal Constitucional, bem como pelo facto do Acórdão pôr termo a prisão preventiva dos Recorrentes, embora tardiamente.
Evidentemente, não pelos motivos que juízes Conselheiros invocam, designadamente a nova Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal (Lei 25/15, DE 18 DE Setembro), não admitir prisão preventiva – art. 36.º, porque punível com pena não superior a três anos, pois, os pretensos crimes de que os 15 são pronunciados admitem caução (vide, a contrario sensu, os n.ºs 2 e 3 do art. 10.º da Lei de Prisão Preventiva em Instrução Preparatória), pelo que eles nunca deveriam ter sido postos em prisão preventiva.
Esta é pois a visão do doutor Luís Nascimento e de uma boa parte de juristas, escravos do Direito e servos da Justiça.