O perfil da emigração portuguesa para Angola e Moçambique revela uma maioria de adultos masculinos com mais de 30 anos, com lógica empresarial e forte ligação a Portugal, indicam as conclusões de um projecto hoje apresentado em Lisboa.
“A emigração para Angola e Moçambique” foi um dos painéis da Conferência Internacional “Regresso ao futuro: a nova emigração e a relação com a sociedade portuguesa” que hoje decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian.
“Há algumas diferenças em relação a Angola e Moçambique, mas nos dois casos é uma emigração de pessoas com uma componente muito forte de adultos maduros, activos, gente com mais de 30 anos e por vezes com mais de 40 anos”, referiu à Lusa Jorge Malheiros, investigador do Centro de Estudos Geográficos (CEG/Universidade de Lisboa), um dos quatro institutos que coordenam o trabalho e que também englobou o SOCIUS do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES/ISCTE) e o CES de Coimbra.
“No caso de Angola tornou-se muito rápido encontrar emprego, porque daqui na maioria dos casos as pessoas vão com um emprego acertado à partida. Vão enquadrados numa lógica empresarial”, precisa Jorge Malheiros, que dirigiu a equipa do CEG envolvida neste estudo, com coordenação geral do professor João Peixoto, do ISEG.
As conclusões do trabalho indicam que, no caso das duas ex-colónias africanas, trata-se de uma emigração muito “masculinizada”, com predominância de homens, e muito qualificada, com uma componente menos elevada de jovens pós-doutorados.
O estudo, que ainda não está completo, identifica as categorias profissionais destas pessoas: engenheiros e técnicos tradicionais, licenciados. “Não é como acontece por exemplo em Inglaterra onde encontramos um número maior de jovens e 20 e poucos anos, 30 anos, que vão à procura de uma nova experiência profissional”.
Esta emigração “africana” assume assim características mais “enquadradas”, com uma lógica empresarial e com uma “ligação muito forte a Portugal”, mais pronunciada em Angola do que em Moçambique.
“Explica-se porque uma parte das empresas são portuguesas, e porque as pessoas mantêm, mais que nos outros sítios, o resto da família em Portugal, muitas vezes sem a perspectiva de a mudar”, assinala Jorge Malheiros.
“E surpreendentemente no caso de Angola porque fazem a ‘navette’ Luanda-Lisboa com alguma frequência, às vezes mesmo em termos médios com mais frequência do que algumas pessoas que estão em destinos europeus, onde supostamente quer pelo tempo, porque é mais rápido, quer pelo custo, porque há muitas ‘low cost’, seria mais barato”.
O estudo permitiu uma compreensão mais apurada do perfil da actual emigração portuguesa — que se acentua com o desencadear da crise económica de 2010 –, o que a distingue da emigração portuguesa tradicional, para além das diferenças deste fenómeno em destinos diversos, um aspecto particularmente importante.
No caso da emigração para os dois maiores lusófonos de África, a forte ligação a Portugal também se revelou ao nível das remessas, outra particularidade detectada no inquérito.
“Até um período bem recente, porque agora é muito mais difícil ‘remeter’ a partir de Angola, as pessoas faziam uma importante emissão de remessas para Portugal, desde Angola e de Moçambique. Mas de Angola bastante mais, o que justifica os dados do Banco de Portugal que nos dão um crescimento muito significativo do número de remessas de Angola que a transformou na terceira fonte de remessas para o país atrás da França e da Suíça, que têm um avanço grande”, revelou o investigador.
Esta nova vaga de emigrantes para os dois países africanos iniciou-se “de forma suave” no início deste século, entre 2003 e 2004, registou um importante aumento a partir de 2005-2006 e atingiu os valores mais elevados em 2009 — coincidindo com a emergência da crise –, para depois decair um pouco, voltar a aumentar, e de novo com tendência para declinar no último ano, em particular no caso de Angola, indica o estudo.
No entanto, na actual fase da investigação e devido aos “valores muito díspares”, ainda não foi possível estabelecer o número exacto de portugueses que optou por estas duas rotas africanas.
“Mas podemos referir umas dezenas de milhares, bastante poucas dezenas de milhar no caso de Moçambique, e mesmo em Moçambique podemos discutir se há 20 mil ou 30 mil, em Angola serão mais. Mas não serão cento e muitos mil, como por vezes se diz”, arrisca o académico.
“Este decréscimo da emigração tem alguma relação com a situação económica em Angola, primeiro por já não haver a procura de emprego e por outro lado com as dificuldades associadas ao ‘ganhar dólares’, às dificuldades de transferência de dinheiro para o exterior, que hoje já não é possível. Nota-se isso nos últimos anos”, concluiu.