Pressupondo que somos todos matumbos, o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete, reafirmou em Nova Iorque a disposição do seu país em contribuir para que Angola possa ultrapassar a situação económica difícil.
Por Orlando Castro
C omo é possível um ministro de um país pobre, onde cerca de 20% da população vive no limiar da pobreza, dizer que quer ajudar outro que é rico, embora seja governado por dirigentes corruptos?
Aliás, sempre que Lisboa arde é Luanda que manda os bombeiros.
Os angolanos até já deixaram de perguntar, sempre que um ministro português ruma para cá, qual é o objectivo da visita. Isto porque é o mesmo de sempre: estender a mão para ver se o regime lá põe mais uns cheques chorudos.
Ainda a cadeira onde estivera, em Luanda, o vice-primeiro-ministro Paulo Portas estava quente e já o ministro da Economia, António Pires de Lima, jurava a pés juntos que o investimento angolano em Portugal era “bem-vindo” e que as relações empresariais entre os dois países só “sobem de intensidade” porque as relações políticas “são fluídas”.
Em português corrente, quanto maior é a bajulação maior é a possibilidade de haver dólares.
Numa das visitas a Luanda, o governante português realçou o que realçam todos os que cá chegam a despacho com o regime, ou seja, as “relações muito intensas” que se verificam actualmente entre os dois países, aplaudindo os investimentos (de alguns) angolanos em Portugal e, pois claro, pedindo mais.
“O investimento angolano é bem-vindo em Portugal, aliás nós temos dado prova disso mesmo ao aceitar, com muito gosto, investimento angolano em muitas e diferentes áreas da economia portuguesa. Áreas de carácter estratégico”, realçou o ministro do CDS.
“As relações estão cada vez num patamar mais elevado, do ponto de vista comercial, do ponto de vista empresarial, e isso não seria possível obviamente se as relações políticas não fossem umas relações fluidas”, afirmou Pires de Lima.
Angola é hoje o primeiro destino das exportações portuguesas fora da União Europeia, mas as importações de produtos angolanos por Portugal também tem vindo a crescer, segundo o Ministério da Economia.
“Eu creio que os dois países têm muito em ganhar, no respeito mútuo das suas autoridades, da sua independência, em incrementarem não só as relações comerciais – acho bom que Angola cada vez mais exporte para Portugal, assim como gosto de ver as exportações portuguesas crescerem para Angola – mas também ao nível do investimento. Que as relações sejam cada dia mais equilibradas”, disse Pires de Lima, acrescentando que “esta reciprocidade comercial, esta reciprocidade no investimento, é seguramente uma boa medida da intensidade crescente, intensidade boa, das relações entre Angola e Portugal”.
Ao ouvir os ministros portugueses fica-se com a ideia de que se está a ouvir os ministros do regime quando falam do Presidente Eduardo dos Santos. As louvaminhas lusas são tantas que, na maior parte das vezes, para além de serem bajulação hipócrita chegam a provoca vómitos aos angolanos, e também aos portugueses, que não se revêem em tamanhas falácias.
Os ideólogos do regime e os políticos portugueses entendem, em grande parte por culpa nossa, que somos todos matumbos. E se por cá se fomenta o medo, a ignorância, o pensamento único, o mesmo (ainda) não se pode dizer em relação a Portugal. Custa, por isso, a entende que os portugueses estejam (ou digam estar) tão mal informados em relação a Angola.
Custa a crer, mas é verdade que os políticos e os empresários fazem um esforço tremendo (se calhar bem remunerado) para procurar legitimar o que se passa de mais errado com as nossas autoridades.
Alguém ouviu Cavaco Silva recordar que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é a terceira mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Alguém ouviu Passos Coelho recordar que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?
Antes, alguém ouviu José Sócrates recordar que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade? Alguém ouviu Pinto Balsemão recordar que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?
Alguém ouviu António Pires de Lima (seja como ministro ou ex-Presidente da Comissão Executiva da UNICER e dirigente do CDS/PP) dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos? Alguém Rui Machete dizer que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?
Alguém alguma vez ouviu algum dirigente dos três actuais maiores partidos portugueses dizer que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Ninguém ouviu. Dir-se-á, e até é verdade, que esse silêncio é condição “sine qua non” para investir no nosso país, até porque todos sabemos que nenhum negócio se faz sem a devida autorização de José Eduardo dos Santos. Portugal consegue assim não o respeito mas a anuência do regime para as suas negociatas. Esquece-se, contudo, de algo que mais cedo ou mais tarde lhes vai sair caro: o regime não é eterno e os angolanos têm memória.
Mas não são só os portugueses
Angola registou, em 2014, a visita de 13 Chefes de Estados, sete primeiros-ministros e cinco vice-presidentes de diferentes países e continentes. O beija-mão e o culto, mesmo que hipócrita, ao “querido líder”, continua na ordem do dia.
Do número total, segundo as contas laudatórias da Angop, realce para 12 presidentes africanos, um sul-americano, além de oito primeiros-ministros e vice-presidentes africanos, um europeu e outro asiático. A estreia foi do Presidente da República do Ruanda, Paul Kagamé, que chegou ao país a 14 de Janeiro, para participar na V Cimeira de Estado e de Governos da Região dos Grandes Lagos. Uhuru Kenyatta, Chefe de Estado do Quénia, foi o segundo a desembarcar em Luanda no mesmo dia e com o mesmo objectivo do primeiro.
Ainda em Janeiro registou-se o maior fluxo de visitas, devido à V Cimeira de Chefes de Estado e de Governos da Região dos Grandes Lagos (CIRGL), realizada entre 10 e 15, em Luanda. Com o mesmo objectivo, assinala-se a chegada no dia 14 dos presidentes da África do Sul, Jacob Zuma, e da República do Uganda, Yoweri Kaguta Museveni. No mesmo dia, desembarcaram os segundos vice-presidentes do Burundi, Gervais Rufyikiri, e do Sudão, Hasabu Mohammed Abdel-Rahman. No dia seguinte foi a vez do presidente da RD Congo, Joseph Kabila.
Em Fevereiro (dia 18), destaque para o primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe, Gabriel Costa, no âmbito do reforço da cooperação, enquanto em Março (dia 4) se deslocava a Luanda a presidente interina da República Centro-Africana, Catherine Samba-Panza, no âmbito do relançamento das relações entre os dois países.
No decorrer de Março (dia 24), Kagamé e Kabila regressaram à capital angolana para participar na minicimeira da CIRGL, período em que esteve também no país o presidente do Congo, Dennis Sassou Nguesso, enquanto no dia seguinte era a vez de Yoweri Musseveni (Uganda).
Em Abril (dia 14), registou-se a visita do chefe de Estado da República do Chade, Idriss Déby Itno, e em dois dias abordou com seu homólogo angolano, José Eduardo dos Santos, o relançamento das relações bilaterais de cooperação, numa jornada que incluiu, no dia seguinte, a recepção do vice-presidente das Ilhas Comores, Fouad Mohadji, para participar, em Luanda, de 16 a 17 de Abril, no encontro dos ministros da Saúde de África.
Para Maio (dia 8), as atenções estiveram viradas para a chegada do primeiro-ministro da China, Li Kegiang, para visita oficial de dois dias, no quadro do reforço da cooperação com Angola.
No âmbito do reforço das relações de cooperação com Angola, o presidente da República Unida da Tanzânia, Jakaya Kikwete, chegou a Luanda também em Maio (dia 10) e nove dias depois foi a vez do vice-presidente do Conselho de Ministros da República de Cuba, Ricardo Cabrisas Ruiz, que cumpriu uma visita de trabalho de algumas horas, visando o reforço da cooperação bilateral e político-diplomática entre os dois estados.
Ainda em Maio (dia 20), esteve em Angola o primeiro-ministro da República Centro-Africana (RCA), André Nzapayeké, para uma visita de 24 horas, antes do desembarque a 23 do mesmo mês do vice-presidente do Brasil, Michel Temer, em trânsito para África dos Sul, onde se deslocou para a cerimónia de tomada de posse do chefe de Estado sul-africano, Jacob Zuma.
Em Junho, dia 4, o primeiro-ministro de Cabo Verde, José Maria Neves, chegou à capital angolana para visita oficial de dois dias, para reforço das relações bilaterais de cooperação entre os dois estados de língua oficial portuguesa. Depois de dois dias, 6 de Junho, pela segunda vez o presidente da República do Congo, Denis Sassou Nguesso, participou na minicimeira tripartida entre Angola, Congo e Chad, numa iniciativa de José Eduardo dos Santos.
Já na ponta final de Junho (dia 29), o primeiro-ministro de Moçambique, Alberto Vaquina, desembarcou em Luanda para representar o presidente Armado Guebuza, na Cimeira Constitutiva do Fórum dos 5 Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (FORPALOP). Em Julho (dia 1), chegaram os presidentes de São Tomé e Príncipe, Manuel Pinto da Costa, e da Guiné-Bissau, José Mário Vaz. Depois o país recebeu o vice-primeiro-ministro da RD Congo, Alexandre Luba Ntambo, para participar na FORPALOP.
A 14 de Julho chegou ao país o primeiro-ministro da RCA, André Nzapayéké, para abordar o relançamento das relações bilaterais e dia 20 escalava Luanda o presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, a caminho de Timor-Leste, para participar na 10ª Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), realizada a 23 de Julho.
No mesmo dia, 20 de Julho, desembarcou o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, para uma visita de trabalho de 48 horas, com o objectivo de aprofundar e relançar as relações bilaterais entre os dois estados. Cinco dias mais tarde, Jorge Carlos Fonseca escalou pela segunda vez Luanda de regresso ao seu país, proveniente de Díli (Timor-Leste).
Agosto (dia 11) chegou a presidente do Chile, Michelle Bachallet, para uma visita de 24 horas a Angola, destinada ao reforço das relações de amizade e cooperação, enquanto em 13 do mesmo mês se assinalava a vez de Jacob Zuma, convidado, da 2ª Minicimeira da CIRGL, de 14 de Agosto, momento em que se registou igualmente o regresso de Kabila e pouco depois de Paul Kagamé (17 de Dezembro).