Jonas Savimbi, Holden Roberto e até Agostinho Neto devem estar a dar voltas no caixão perante a desfaçatez de José Eduardo dos Santos e seus muchachos. E mesmo no reino dos vivos, inclusive no próprio MPLA, há muito boa gente que pensa, repensa e volta a pensar no que diz para, de facto, não dizer o que pensa. É que o “querido líder” não olha a meios para alimentar os jacarés do reino.
Então não é que o presidente angolano, não eleito nominalmente e no poder desde 1979, José Eduardo dos Santos, pediu à directora-geral da Unesco, Irina Bokova, para que acompanhasse as políticas governamentais de combate à pobreza, justificando que em Angola muitas pessoas ainda “vivem mal”?
Na altura, Abril de 2012, Irina Bokova estava em visita oficial a Luanda, tendo sido recebida pelo Chefe de Estado. “Abordei com o Presidente da República e ele foi franco nas suas opiniões. Estava consciente de que ainda existem muitas pessoas que vivem mal no país, por isso pediu-me que a Unesco faça um acompanhamento das políticas, das actividades que o Governo tem desenvolvido para ultrapassar a pobreza e para ter uma sociedade mais justa, igual e mais inclusiva”, disse Irina Bokova.
Que Eduardo dos Santos julgasse, e provavelmente tinha razão, que “Irina Bokova” é matumba, ou comprável, ainda vá que não vá. Mas que ele pense isso mesmo dos seus compatriotas… é esticar a corda para além do razoável. É convidar os angolanos a puxar o gatilho.
“Muitas pessoas que vivem mal”? 70% não são apenas muitas…
De acordo com Irina Bokova, em Angola “as desigualdades são visíveis”, apesar das suas “grandes atracções económicas”, por isso “é necessário trabalhar para diminuí-las”.
Não. O que é preciso é acabar com a ditadura do regime do MPLA, no poder desde 11 de Novembro de 1975, tornando Angola um Estado de Direito Democrático. Acabar com os poucos que têm milhões, dando voz e – já agora – comida aos milhões que têm pouco ou nada.
Ao contrário do que, provavelmente, pensa Irina Bokova, o regime de Eduardo dos Santos sabe bem que a melhor forma de exercer a sua “democracia” é mesmo ter 70% da população na miséria, é ter tirado a coluna vertebral à esmagadora maioria dos seus opositores políticos, é dizer ao povo que tem de escolher entre a liberdade e um saco de fuba.
José Eduardo dos Santos que tem, que ainda tem, a cobertura internacional (até mesmo da Unesco), sabe que pôr o povo a pensar com a barriga é a melhor forma de o manter calado e quieto.
De facto, defender a liberdade de expressão não é nada do outro mundo, mas é algo que o regime não quer. Tudo quanto envolva a liberdade (com excepção da liberdade para estar de acordo com o regime) é algo que causa alergias graves a Eduardo dos Santos.
Por tudo o que se passa em Angola estamos, sinceramente, de acordo com as teses do antigo ministro da Defesa, figura de destaque do MPLA, empresário de sucesso em áreas que vão da banca ao imobiliário, hotelaria, jogos, diamantes etc., hoje governador do Huambo, de seu nome Kundy Paihama.
Se todos os angolanos que não são do MPLA, bem como Irina Bokova, levassem em conta as suas palavras, certamente que evitavam ter de comer peixe podre, fuba podre, e ter direito a 50 angolares e a porrada se refilarem.
Num dos seus (foram tantos) célebres e antológicos discursos, Kundy Paihama disse: “Não percam tempo a escutar as mensagens de promessas de certos políticos”, acrescentando: “Trabalhem para serem ricos”.
Esta frase fez com que muitos passassem a venerar Kundy Paihama. A tal ponto vai essa veneração que até se advoga a tese de que as verdades “paihamistas” deveriam, no mínimo, fazer parte das enciclopédias políticas das universidades angolanas e, porque não?, de todo o mundo civilizado.
Se tal tivesse acontecido evitava-se que o mundo continue a pensar que em Angola há pobres. “Durmo bem, como bem e o que restar no meu prato dou aos meus cães e não aos pobres”, afirmou há uns tempos o então ministro da Defesa do MPLA. Não, não há engano. Reflectindo a filosofia basilar do MPLA, Kundy Paihama disse exactamente isso: o que sobra não vai para os pobres, vai para os coitados dos cães.
Ora aí está. E por que não vai para os pobres?, perguntam os milhões que todos os dias passam fome. Não vai porque não há pobres em Angola. Simples. E se não há pobres, mas há cães…
“Eu semanalmente mando um avião para as minhas fazendas buscar duas cabeças de gado; uma para mim e filhos e outra para os cães”, explicou Kundy Paihama.
É claro que, embora reconhecendo a legitimidade que os cães de Kundy Paihama (bem como de todos os outros donos do país) têm para reivindicar uma boa alimentação, pensamos que os angolanos que são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome, não devem transformar-se em cães só para ter um prato de comida.
Embora tenham regressado pela mão do MPLA ao tempo do peixe podre, fuba podre, 50 angolares e porrada se refilares, devem continuar a lutar ter direito a, pelo menos, comer como os cães de Kundy Paihama.