NOBEL DA MENTIRA PARA JOÃO LOURENÇO

O Presidente do MPLA, que por inerência é também Presidente da República angolano, destacou os – diz ele – ganhos alcançados em 50 anos de independência (todos sob o comando do MPLA) sobretudo nos sectores da saúde e da educação, contrastando com a “pesada herança” do período colonial, quando Angola “contava apenas com 19 médicos” porque, diga-se, o MPLA encarregou-se de correr com centenas de outros por serem… brancos e portugueses.

Por Orlando Castro

João Lourenço recordou, no discurso sobre o Estado da Nação que proferiu na Assembleia Nacional, que no início da independência, “a escassez de médicos era gritante — Angola contava apenas com 19 especialistas — e era evidente a falta de enfermeiros e técnicos”.

Angola dispunha de apenas 320 unidades sanitárias de diferentes níveis e categorias e a esperança média de vida situava-se nos 41 anos, disse o chefe de Estado, acrescentando – numa tentativa de reescrever a verdadeira história do país/colónia – que a mortalidade infantil era de 134 por mil nascidos vivos e a dos menores de cinco anos atingia 200 por mil nascidos vivos.

No final do conflito armado, “cerca de 80% da rede sanitária estava degradada ou destruída”, mas, João Lourenço salientou que Angola conseguiu manter-se “evitando o colapso que muitos prognosticavam”.

O general presidente sublinhou o papel da “cooperação estrangeira, com destaque para a União Soviética e Cuba”, que considerou “fundamental para assegurar a defesa da soberania, a formação de quadros de todos os ramos do saber e a assistência médica à população”.

Com a paz alcançada em Abril de 2002, “foi possível investir mais na saúde”, realçou, acrescentando que “mesmo em momentos de maior pressão das finanças,” a saúde foi prioritária”.

João Lourenço referiu que, nos últimos sete anos, foram construídas, reabilitadas e apetrechadas novas unidades sanitárias, tendo o país actualmente 3.355 unidades de saúde e 44.222 camas, o que legitima a sua necessidade pessoal e familiar de ir aos EUA, Espanha ou Dubai sempre que precisa de tratar de alguma bitacaia…

O Presidente apontou ainda a “redução gradual” do número de pacientes enviados para o exterior, enquanto o número de juntas médicas para assistência interna passou de 13 em 2017 para 694 em 2024 e 587 durante o primeiro semestre deste ano.

João Lourenço adiantou que, segundo as contas do MPLA, entre 2017 e 2024 foram admitidos 46.649 novos profissionais de saúde, “um aumento de 46,7% da força de trabalho no setor desde 2018” e está ainda “em curso a formação especializada de 38.000 profissionais de saúde até 2027”.

“Hoje o sistema nacional de saúde é inequivocamente mais forte”, afirmou, apontando que nesse período a mortalidade infantil caiu de 44 para 32 por mil nascidos vivos, a mortalidade dos menores de cinco anos de 68 para 52 por mil e a mortalidade materna de 239 para 170 por dez mil nascidos vivos.

Frisou ainda que o sistema respondeu positivamente à pandemia da covid-19 e às epidemias de malária (cuja extinção foi prometida há décadas), febre-amarela e surto de cólera que afectou o país em 2024, destacando as novas unidades da rede sanitária e a melhoria de indicadores como a esperança média de vida que subiu para 64 anos, “mais 23 anos do que no final do período colonial”.

Na educação, João Lourenço afirmou que o sector “merece total empenho por ser decisivo” e lembrou que Angola “herdou um sistema de ensino colonial limitado e desigual, que deixava a maioria da população sem acesso à educação formal”.

Em 1973, o sistema colonial absorvia apenas 608.607 alunos em todos os níveis e tinha 17.978 professores ao todo, enumerou.

“Compreende-se assim a pesada herança dos 500 anos de colonização: em 1975, 85% dos angolanos eram analfabetos. Mudar este quadro era uma obrigação”, declarou o chefe do executivo angolano, sendo verdade – reconhecemos – que hoje há milhões de angolanos que são analfabetos, mesmo quase todos tendo diplomas escolares, até mesmo de doutoramento.

Segundo o Presidente (não nominalmente eleito), a taxa de analfabetismo reduziu-se para 24% e o número de alunos cresceu exponencialmente, com 9,6 milhões de estudantes matriculados e 208.488 professores em 2025/2026.

“Os dados revelam bem a nossa preocupação com o capital humano”, assegurou, reconhecendo que “ainda há crianças sem escola e a estudar em condições desadequadas, com o número de escolas abaixo da procura face à pressão demográfica”.

O Presidente informou que estão a ser investidos 199 milhões de euros para diminuir o défice de salas de aula só nas províncias de Luanda e Icolo e Bengo e anunciou a implementação, já neste ano lectivo, do Programa Nacional de Alimentação Escolar para atender mais de cinco milhões de alunos.

João Lourenço retomou as comparações com o período colonial, no que respeita ao ensino superior, afirmando que em 1974 havia apenas 4.776 estudantes universitários (quantos eram os habitantes?), um número que “cresceu muito timidamente por força das limitações da guerra”, e que chega hoje aos 330 mil estudantes no ensino superior.

Angola, que contava na altura com uma única instituição, tem agora 106 universidades, distribuídas em 19 das 21 províncias, das quais 31 públicas, concluiu João Lourenço, afirmando que “estes números traduzem o empenho do Estado angolano em garantir o acesso à educação e ao conhecimento como pilares do desenvolvimento”.

O que João Lourenço não diz

Angola, em 1974, era o terceiro maior produtor mundial de café, o quarto maior produtor mundial de algodão, o primeiro exportador africano de carne bovina; o segundo exportador africano de sisal; o segundo maior exportador mundial de farinha de peixe; por via do Grémio do Milho tinha a melhor rede de silos de África; tinha o CFB — Caminho de Ferro de Benguela, do Lobito ao Dilolo‒RDC, o CFM — Caminho de Ferro de Moçâmedes, do Namibe até Menongue, o CFA — Caminho de Ferro de Angola, de Luanda até Malange e o CFA — Caminho de Ferro do Amboim, de Porto Amboim até à Gabela.

Também tinha no Lobito estaleiros de construção naval da SOREFAME; tinha pelo menos três fábricas de salchicharia; quatro empresas produtoras de cerveja, de proprietários diferentes; quatro fábricas diferentes de tintas; duas fábricas independentes de fabricação ou montagem de motorizadas e bicicletas; seis fábricas independentes de refrigerantes, nomeadamente da Coca-Cola, Pepsi-Cola e Canada-Dry, bebidas alcoólicas à base de ananás ou de laranja. E havia ainda a SBEL, Sociedades de Bebidas Espirituosas do Lobito.

Além disso também tinha a fábrica de pneus da Mabor; três fábricas de açúcar, a da Tentativa, a da Catumbela e a do Dombe Grande; era o maior exportador mundial de banana, graças ao Vale do Cavaco; uma linha de montagem da Hitachi, dos óleos alimentares da Algodoeira Agrícola de Angola, e da portentosa indústria pesqueira da Baía Farta e de Moçâmedes, e da EPAL, fábrica de conservas de sardinha e de atum.

O MPLA, partido que “só” está no poder desde a independência, saúda todos os angolanos (os 20 milhões de pobres não são angolanos) pelo 50.º aniversário da proclamação da independência (mais exactamente da troca dos colonos portugueses pelos colonos do MPLA) do país, apelando a que contribuam “com actos de cidadania e elevado patriotismo” (ou seja, que continuem a aprender a viver sem comer) para que Angola se torne uma nação de referência.

O MPLA encoraja o seu Presidente, que por inerência é também Presidente da República e Titular do Poder Executivo (não nominalmente eleito), e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas (ditas apartidárias) general João Lourenço, “a continuar a implementar medidas de políticas que visam melhorar o Índice de Desenvolvimento Humano, impulsionar o aumento da produção, o crescimento económico e a prosperidade da nação”.

Ou seja, fazer tudo o que não conseguiu fazer ao longo dos últimos 50 anos, 23 dos quais de paz total.

O MPLA homenageia igualmente os que pagaram “com a própria vida o empenho directo e abnegado na luta de libertação” e reafirma-se como “vanguarda da promoção e reinserção política, económica e social de todas as forças vivas da nação, combatendo as várias formas de injustiça e discriminação”.

“Neste dia jubiloso, marcado pela libertação do povo angolano da dominação colonial portuguesa, o MPLA, em nome dos militantes, simpatizantes e amigos do Partido, apela todos os cidadãos a celebrarem o aniversário da independência nacional com manifestações de incontida alegria, que reforçam a crença na elevação dos níveis de unidade nacional e de coesão interna”.

Alguém ouviu alguma vez o general João Lourenço reconhecer que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é das mais altas do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Alguém o ouviu dizer que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?

Alguém ouviu alguma vez o general João Lourenço reconhecer que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade? Alguém o ouviu dizer que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?

Alguém ouviu alguma vez o general João Lourenço reconhecer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos? Alguém o ouviu dizer que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?

Alguém alguma vez ouviu o general João Lourenço reconhecer que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?

Alguém ouviu alguma vez o general João Lourenço reconhecer que Angola é um dos países mais corruptos do mundo e que tem mais de 20 milhões de pobres?

“Muitos governantes que têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”. Esta foi e é, por muito que nos custe, a realidade do nosso país.

Alguém do MPLA se recorda, por exemplo, o que D. José de Queirós Alves, arcebispo do Huambo, afirmou em Julho de 2012 na comuna de Chilata, município do Longonjo, a propósito das eleições?

O prelado referiu que o povo angolano tinha muitas soluções para construir uma sociedade feliz e criar um ambiente de liberdade onde cada um devia escolher quem entender.

“Temos de humanizar este tempo das eleições, onde cada um apresenta as suas ideias. Temos de mostrar que somos um povo rico, com muitas soluções para a construção de uma sociedade feliz, criar um ambiente de liberdade. É tempo de riqueza e não de luta ou de murros”, frisou.

”Em Angola, a administração da justiça é muito lenta e os mais pobres continuam a ser os que menos acesso têm aos tribunais”, afirmou em 2009 (nada de substancial mudou até agora), no mais elementar cumprimento do seu dever, D. José de Queirós Alves, em conversa com o então Procurador-Geral da República, João Maria Moreira de Sousa.

D. José de Queirós Alves admitia também (tudo continua na mesma) que ainda subsiste no país uma mentalidade em que o poder económico se sobrepõe à justiça.

O arcebispo pediu maior esforço dos órgãos de justiça no sentido das pessoas se sentirem cada vez mais defendidas e seguras: “O vosso trabalho é difícil, precisam ter atenção muito grande na solução dos vários problemas de pessoas sem força, mas com razão”.

Importa ainda recordar, a bem dos que não têm força mas têm razão (e que, por isso, não são do MPLA), que numa entrevista ao jornal português “O Diabo”, em 21 de Março de 2006 (19 anos depois tudo continua na mesma), D. José de Queirós Alves disse que “o povo vive miseravelmente enquanto o grupo ligado ao poder vive muito, muito bem”.

Nessa mesma entrevista ao Jornalista João Naia, o arcebispo do Huambo considerou a má distribuição das receitas públicas como uma das causas da “situação social muito vulnerável” que se vive Angola.

D. Queirós Alves disse então que, “falta transparência aos políticos na gestão dos fundos” e denunciou que “os que têm contacto com o poder e com os grandes negócios vivem bem”, enquanto a grande massa populacional faz parte da “classe dos miseráveis”.

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