O parlamento angolano, sucursal do MPLA, condenou hoje os tumultos em finais de Julho, defendendo diálogo entre governantes e governados, com a UNITA (oposição que, a muito custo o MPLA ainda permite) a acusar o Presidente do MPLA (por inerência também Presidente da República e Titular do Poder Executivo) ser “o culpado” dos protestos.
Os tumultos registados entre 28 e 30 de Julho, em Luanda e no interior de Angola – que resultaram em pelo menos 30 mortos, mais de 200 feridos e de 1.500 detenções -, na sequência da greve convocada pelos taxistas, estiveram hoje em debate no parlamento, por proposta dos grupos parlamentares do MPLA (no poder há 50 anos) e UNITA (oposição).
Antes, a Assembleia Nacional cumpriu uma formalidade hipócrita proposta pela Presidente, ou seja, um minuto de silêncio em memória das vítimas.
No debate, o primeiro vice-presidente do grupo parlamentar do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder desde 1975), lamentou os “trágicos episódios” de finais de Julho, referindo que cada morte representa uma perda irreparável para as famílias.
“Nenhum angolano deveria ver a sua existência interrompida por actos de violência que nada constrói, mas tudo destrói (…). Estamos aqui não apenas para debater, mas para reafirmar com clareza e convicção que Angola não aceitará a violência e a desordem como instrumentos de mudança”, afirmou Virgílio Tyova que, como é regra no MPLA, se esqueceu de reconhecer que as forças de segurança (que são do MPLA e não do país) continuam a pôr a razão da sua força acima da força da razão dos angolanos, entre os quais estão mais de 20 milhões de pobres.
“O nosso caminho será sempre o do diálogo, da lei e do respeito pela vida. É, portanto, justo e imperativo reconhecer e elogiar o papel das forças de segurança, em particular da polícia nacional”, sinalizou reverentemente às teses do seu chefe, o general João Lourenço, Virgílio Tyova.
Para Virgílio Tchova, Angola construiu com muito sacrifício uma ordem constitucional que dá voz a todos e observou que quem quer protestar “tem canais para o fazer”. “Quem recorre à violência atira irmãos contra irmãos e rasga o tecido da nossa convivência”, acrescentou.
Já Álvaro Chikwamanga, deputado da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, maior partido na oposição), considerou que os acontecimentos resultaram de “vários factores críticos”, nomeadamente a violação sistemática da Constituição, “mau serviço prestado pela comunicação social pública, falha na segurança do Estado, e a fome e pobreza”.
Enumerou também o êxodo populacional para as grandes cidades, “a reacção tardia” do Presidente (não eleito enquanto tal) angolano, general João Lourenço, e a análise superficial sobre os reais factores de instabilidade política e social no país como outros factores que estimularam os protestos.
“A reacção tardia do Presidente da República, que não se pronunciou tempestivamente ante a gravidade daquela sublevação, isto pareceu indiferença ante a ocorrência e encorajou a polícia a atirar à queima-roupa contra civis indefesos”, referiu.
Pelo Partido de Renovação Social (PRS, oposição), o deputado Benedito Daniel condenou os episódios, observando que o seu partido não é contra a greve, mas que esse direito que deve ser exercido nos termos da lei.
“Faltou diálogo entre o Governo e as associações dos taxistas, a greve tornou-se numa convulsão social (…). É preciso solucionar os problemas da fome de forma pacífica, com diálogo e proximidade”, defendeu.
A deputada Florbela Malaquias, presidente do Partido Humanista de Angola (PHA, oposição), apelou aos “incitadores da violência” a absterem-se de manipular o legítimo descontentamento popular para fins alheios ao interesse nacional. A “agitação fabricada e a instigação ao confronto (…) “não constroem democracia, destroem vidas, património e confiança social”, afirmou, exortando ainda a polícia a respeitar os “princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade e humanidade.”
O deputado da UNITA Adriano Abel Sapiñala acusou o Presidente angolano (general “4 em 1” – Presidente do MPLA, Presidente da República, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas) de ser “o culpado” pelos actos de vandalismo, considerando que “tem falhado redondamente na sua governação”. “Se existe um culpado da situação (…) é o Presidente, João Lourenço, não vale a pena mentir”, referiu.
Já a deputada do MPLA, Elizandra Gourgel, disse que os acontecimentos “não representam” o que os jovens querem para o país: “Nós queremos uma Angola que mantenha o calar das armas, com estabilidade política e social e economicamente desenvolvida”.
Parlamento aprova pacote legislativo eleitoral
O parlamento angolano aprovou hoje na globalidade as alterações às leis do pacote legislativo eleitoral, com os deputados a destacarem os consensos alcançados.
As propostas de alterações às leis (Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, Lei sobre a Organização e Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral e à Lei do Registo Eleitoral Oficioso) foram aprovadas na reunião plenária extraordinária da Assembleia Nacional (parlamento).
Deputados do MPLA, da UNITA, do PRS, da FNLA e do Partido Humanista de Angola (PHA) votaram a favor das propostas.
Para o deputado do MPLA João Martins o seu voto favorável reflecte o “diálogo sereno, sério, objectivo e assertivo” com a oposição.
“Conseguimos que os processos eleitorais em Angola venham a ser massivamente participados pelos detentores da soberania, o povo angolano. Porque conseguimos reafirmar o Bilhete de Identidade (BI) como principal documento habilitador para o exercício do voto, sem descurar o uso do cartão de eleitor para o voto em 2027”, argumentou.
João Martins insistiu que o partido vai manter do diálogo [com outras forças políticas], sobretudo para questões estruturantes: “O que reafirma a convicção de que não precisamos de convocar manifestações ou participar delas para conseguirmos o melhor para Angola e para os angolanos”, atirou.
Na sua declaração política, apresentada pela deputada Mihaela Webba, a UNITA justificou o voto favorável à alteração à lei sobre as eleições gerais por entender que estas eram necessárias para permitir um quadro legal que “gere alguma confiança” nos actos eleitorais.
A deputada listou as principais alterações: O cartão de eleitor, a par do BI, continuará a valer para votar até 2027; não foram aceites as mesas móveis; foi eliminada a ata síntese, mas foram melhorados os elementos da ata de mesa; e os resultados eleitorais por município passarão a ser publicados no ‘site’ da Comissão nacional de Eleições (CNE).
Segundo Mihaela Webba, sendo a UNITA “um factor de estabilidade política”, apesar de esta alteração não ser perfeita, foi a alteração possível a bem de Angola e dos angolanos.
O PRS votou a favor por entender que, sempre que as circunstâncias exigirem, os comandos constitucionais que formam o conjunto de quaisquer normas infraconstitucionais “devem ser actualizados no tempo e no espaço para poderem corresponder às dinâmicas dos concorrentes”, disse o deputado Benedito Daniel.
Para o PHA, a lei aprovada introduz “melhorias relevantes” na organização e transparência do processo eleitoral angolano, ajustando-o às exigências constitucionais e às boas práticas democráticas, afirmou o deputado Fernando Diniz, para quem as alterações feitas respondem à necessidade de práticas identificadas nas eleições de 2012, 2017 e 2022.
O plenário aprovou igualmente a alteração à Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento da CNE.
Para o deputado da UNITA Alcino Kuvalela, a decisão resultou de consensos.
Para o MPLA, na voz do deputado Nvunda Salucombo, as alterações devem imprimir “mais eficácia e mais eficiência” ao funcionamento da CNE.
A Assembleia Nacional também aprovou na globalidade as alterações Lei do Registo Eleitoral Oficioso para salvaguardar os princípios associados ao processo de registo eleitoral, designadamente o da universalidade, permanência, oficiosidade, unicidade e inserção única.