A ministra das Pescas e Recursos Marinhos, Carmen Van-Dúnem do Sacramento Neto dos Santos, assinou no mês passado o Acordo sobre a Conservação e Gestão da Biodiversidade Marinha Além da Jurisdição Nacional (BBNJ). Angola tornou-se o 107.º signatário deste importante acordo, que visa preservar os oceanos e proteger a biodiversidade marinha. O Ministro das Relações Exteriores de Angola, Téte António, e o representante permanente da missão angolana na ONU, Francisco da Cruz, também participaram da cerimónia de assinatura em Nova Iorque, EUA.
Por Christopher Burke (*)
O sector das pescas em Angola apresenta uma oportunidade inexplorada para o crescimento económico sustentável, equidade e inclusão social, segurança alimentar e conservação/protecção marinha. No entanto, o sector enfrenta desafios comuns às economias dependentes de recursos naturais, incluindo a sobrepesca, a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN), além de mecanismos de fiscalização frágeis. A solução desses problemas transformaria o sector das pescas em um pilar essencial da resiliência económica, social e ambiental.
Ao longo dos anos, as pescas em Angola têm sido caracterizadas por acesso irrestrito e fiscalização regulatória limitada, resultando na superexploração dos recursos marinhos. Esses desafios exigem políticas claras, engajamento comunitário e soluções tecnológicas para proteger os ecossistemas marinhos e garantir meios de subsistência sustentáveis para as comunidades costeiras.
A boa governança, alinhada com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e protocolos internacionais como o Acordo sobre a Conservação e Gestão da Biodiversidade Marinha Além da Jurisdição Nacional (BBNJ) e o Acordo sobre Medidas do Estado do Porto (PSMA), é essencial para atrair investimentos reputáveis. Incentivar práticas sólidas de responsabilidade social corporativa (RSC) entre esses investidores pode abordar desafios estruturais de maneira mais eficaz do que operadores menores e menos confiáveis.
Angola possui um conjunto robusto de leis e regulamentos que garantem a gestão sustentável e a conservação dos recursos aquáticos. A Lei nº 6-A/04 sobre Recursos Biológicos Aquáticos (2004) estabelece regulamentos para actividades pesqueiras, quotas e conservação marinha, fornecendo um arcabouço jurídico abrangente para a gestão, conservação e utilização sustentável dos recursos aquáticos. O Decreto Presidencial nº 284/14 (2014) trata dos desafios relacionados à pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN), detalhando medidas para melhorar o monitoramento, o controle e a fiscalização para evitar a exploração descontrolada. O Decreto Executivo nº 83/07 (2007) estabeleceu a exigência de programas de observação em embarcações de pesca, garantindo conformidade com as regulamentações pesqueiras e práticas sustentáveis.
Segundo Margarida Coelho, analista de inteligência de negócios em Luanda e pesquisadora académica na área de ciência política, actualmente desenvolvendo estudos sobre a economia azul em Angola, um dos principais desafios é a fraca aplicação das leis. De acordo com Coelho, a escassez de recursos e infra-estrutura, aliada à corrupção endémica, agrava ainda mais o cenário. Para ela, reformas estruturais e investimentos são cruciais para reverter esse quadro.
O país perde 20 bilhões de kwanzas (US$ 22 milhões) anualmente devido à pesca ilegal, segundo a Ministra Carmen dos Santos. O acesso irrestrito às áreas de pesca resultou em exploração excessiva dos estoques pesqueiros, ameaçando a sustentabilidade a longo prazo. Embora Angola possua um sistema abrangente de licenciamento, que regula quem pode pescar, onde e como, a aplicação eficaz das normas continua sendo um desafio. A falta de recursos e infra-estrutura de monitoramento, agravada por relatos de corrupção, compromete a fiscalização adequada. Além disso, a extensa costa angolana de 1.850 quilómetros dificulta ainda mais a vigilância das actividades marinhas e pesqueiras.
Reformas políticas direccionadas, acções concretas, iniciativas estratégicas e investimentos, incluindo tecnologias robustas de vigilância e monitoramento, são urgentemente necessários. Os avanços tecnológicos oferecem soluções inovadoras e sustentáveis. Sistemas de monitoramento de embarcações por satélite (VMS) e o rastreamento de dados em tempo real podem ajudar as autoridades a monitorar as actividades pesqueiras e identificar operações ilegais. O fortalecimento da fiscalização por meio da colaboração com as forças de segurança locais e parceiros internacionais é fundamental para ampliar caminhos de governança voluntária e inclusiva.
A pesca INN continua sendo um desafio persistente, comprometendo a sustentabilidade e privando o país de receitas valiosas. Frotas estrangeiras que operam ilegalmente na Zona Económica Exclusiva (ZEE) de Angola frequentemente exploram medidas de fiscalização fracas, deixando as comunidades pesqueiras locais a arcar com os impactos da diminuição dos recursos marinhos. Em 2022, Angola assinou o Acordo sobre Medidas do Estado do Porto (PSMA) para reduzir a entrada de pescado ilegal nos mercados globais e diminuir a lucratividade das actividades de pesca INN.
O Governo de Angola reconhece esses desafios e tem reiterado seu compromisso com o reforço da vigilância, mas os desafios relacionados à falta de recursos para fiscalização ainda persistem. Investimentos substanciais em mecanismos de fiscalização, incluindo embarcações de patrulha, vigilância aérea e inspecções portuárias, são essenciais para combater efectivamente a pesca INN. Além disso, a imposição de penalidades mais severas para os infractores e o fortalecimento da cooperação regional com países vizinhos podem reforçar ainda mais o combate à pesca ilegal.
As comunidades costeiras são fundamentais para o sector das pescas em Angola. Essas comunidades dependem dos recursos marinhos para sua subsistência e segurança alimentar, mas frequentemente carecem de apoio para gerir esses recursos de forma sustentável. O engajamento dessas comunidades na gestão pesqueira pode gerar um sentimento de pertencimento e responsabilidade, incentivar a conformidade com as regulamentações e promover práticas sustentáveis.
Uma forma de alcançar esse objectivo é por meio de sistemas ou práticas de co-gestão comunitária. A participação dos pescadores locais na tomada de decisões e na fiscalização pode garantir que as políticas estejam alinhadas com as realidades locais. A oferta de capacitação e recursos para iniciativas comunitárias de monitoramento pode empoderar as comunidades para que desempenhem um papel activo na protecção das suas águas, sugere Brooke Porter, designer instrucional da FAO eLearning Academy. Subsídios governamentais ou receitas provenientes de licenças de pesca poderiam financiar essas iniciativas, ajudando as comunidades a investir em melhores equipamentos, treinamentos e programas locais de vigilância.
O potencial económico do sector das pescas em Angola é significativo, mas o sector ainda permanece amplamente subdesenvolvido. A baixa agregação de valor, como o processamento e a embalagem, limita o acesso a mercados de maior valor. O sector pesqueiro de Angola pode aumentar sua rentabilidade ao adoptar práticas alinhadas com os padrões globais de sustentabilidade, atendendo à demanda internacional por frutos do mar obtidos de forma responsável, afirma Linda Etta, Assessora Sénior da Economia Azul da União Africana (UA).
Programas de certificação, como ecoetiquetagem para peixes capturados de maneira sustentável, podem abrir portas para mercados premium. A exportação de frutos do mar certificados como sustentáveis permite que Angola pratique preços mais elevados e fortaleça sua reputação global. Para isso, são necessários investimentos significativos em infra-estrutura de processamento e sistemas de rastreabilidade para verificar a sustentabilidade das capturas.
Os acordos de licenciamento com frotas estrangeiras também representam uma oportunidade de geração de receita. Esses acordos devem incluir condições rigorosas de sustentabilidade, abrangendo quotas e restrições de equipamentos, para garantir que os ganhos económicos não comprometam a saúde dos recursos a longo prazo. As receitas provenientes desses acordos podem ser reinvestidas no sector, apoiando actividades de monitoramento, desenvolvimento de infra-estrutura e programas comunitários.
Os avanços tecnológicos recentes oferecem ferramentas poderosas para gerir as pescas de Angola de forma mais eficiente, afirma Miguel da Cruz, especialista em Monitoramento e Avaliação, baseado em Luanda, com experiência no Ministério da Agricultura e Pescas, Banco Mundial e Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (IFAD). O aumento da rastreabilidade e transparência é essencial em toda a cadeia global de suprimento de frutos do mar, enfatiza Alexandra Maria Azevedo, cientista marinha baseada na Cidade do Cabo, África do Sul.
A combinação de sistemas de monitoramento por satélite, sistemas automáticos de identificação (AIS) e tecnologia blockchain para rastreabilidade pode fortalecer a transparência e a responsabilidade em toda a cadeia de suprimento/valor, explica Lorenzo Casarosa, Gerente de Política e Engajamento Profissional do Instituto de Engenharia Marinha, Ciência e Tecnologia (IMarEST), no Reino Unido. Essas ferramentas não apenas ajudam a combater a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN), mas também garantem conformidade com os padrões de sustentabilidade exigidos pelos mercados internacionais.
A tecnologia blockchain pode melhorar a rastreabilidade ao criar um registro verificável e à prova de adulteração sobre a jornada de um produto marinho, do oceano ao mercado, aumentando a confiança do consumidor e os esforços de sustentabilidade, explica Alexandra, na África do Sul. Essa transparência fortalece a confiança dos compradores e melhora a posição de Angola nos mercados competitivos de frutos do mar. Os investimentos nessas tecnologias são cruciais para a modernização do sector pesqueiro de Angola, alinhando-se às melhores práticas globais.
Como conclusão, o sector das pescas em Angola possui um enorme potencial para o crescimento económico e o apoio às comunidades costeiras, mas para que esse potencial seja plenamente alcançado, é fundamental a implementação de práticas sustentáveis. O fortalecimento da governança, o empoderamento das comunidades e a adopção de tecnologia impulsionarão o crescimento do sector, equilibrando sustentabilidade socioeconómica, institucional e ambiental. Para isso, é necessário um compromisso sólido e colaboração entre responsáveis políticos e pescadores locais. A priorização da sustentabilidade garantirá a preservação dos recursos marinhos de Angola e posicionará o país como líder na gestão responsável das pescas.