FRANÇA, PALESTINA, CABINDA E.…PORTUGAL ?

Esta é uma pergunta que muitos cabindenses terão a curiosidade em colocar, após o reconhecimento do Estado palestiniano pela França na próxima sessão das Nações Unidas. Este gesto de Emmanuel Macron tem um significado altamente simbólico em termos de respeito pelo direito internacional, mas também representa uma realidade geopolítica dura e cruel, distante das expectativas do povo cabindenses quanto ao seu direito à autodeterminação, e quer queiramos quer não…

Por Osvaldo Franque Buela (*)

Dada a fragilidade e a ausência de uma liderança cabindense forte, unida e carismática, que goze de uma certa simpatia da comunidade internacional, continuo a acreditar que o reconhecimento da Palestina por parte da França, embora seja um gesto diplomático de grande importância, não deverá ter um impacto directo e significativo na situação de Cabinda e do seu povo, devido à natureza e ao contexto completamente diferentes…

O reconhecimento da Palestina por um país como a França, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e potência ocidental, é sobretudo um ato de diplomacia simbólica e estratégica que visa promover uma solução de dois Estados e garantir a protecção dos civis palestinianos, posição que, pela sua firmeza, divide um pouco a Europa.

A narrativa da França sobre Cabinda baseia-se nos Acordos do Alvor e de Namibe, numa resposta clara da diplomacia francesa à FLEC. Para a França, a situação dentro de Cabinda é fundamentalmente diferente da Palestina, uma vez que considera Cabinda, até prova em contrário e de acordo com os seus interesses, uma província de Angola, onde existe um movimento independentista histórico FLEC, que reivindica o direito à autodeterminação com base no Tratado de Simulambuco de 1885. No entanto, a comunidade internacional, incluindo Portugal, consideram Cabinda como parte integrante do território angolano, varrendo para debaixo do tapete todas as reivindicações legítimas do povo cabindense.

Actualmente, as relações entre França e Angola são predominantemente bilaterais e cooperativas, com enfoque nos sectores económico e energético, e ambos os países têm todo o interesse em manter a estabilidade regional, numa zona ainda leal à França, que está a perder influência em África.

Embora o reconhecimento da Palestina possa ser visto como uma reafirmação do princípio de autodeterminação dos povos, é crucial entender que a política externa da França é regida pela realpolitik (considerações práticas e geopolíticas) e não apenas por princípios ideológicos. A França não correria o risco de perder a sua influência e benefícios junto do governo do MPLA para um grupo de movimentos independentistas múltiplos e divididos, sem controlo de áreas com recursos estratégicos.

Um determinado apoio a movimentos independentistas sobre tudo desunidos como os de Cabinda criaria de facto uma crise diplomática e económica desnecessária para a França, além de prejudicar os seus próprios interesses na região. Portanto, a probabilidade de o reconhecimento da Palestina influenciar a posição francesa em relação a Cabinda é praticamente nula.

É aqui que nós, cabindenses, devemos entender, compreender que o reconhecimento da Palestina pela frança é uma decisão específica para um conflito complexo e de longa data, enquanto a situação de Cabinda, embora envolva questões de autodeterminação, está refém e inserida num contexto de interesses geopolíticos.

Para França, o problema de Cabinda não é exactamente uma questão de vergonha, mas sim de prioridades geopolíticas, alem do contexto histórico e direito internacional.

POR QUE HÁ UM SILÊNCIO TÃO PESADO E ENSURDECEDOR DE PORTUGAL SOBRE A CABINDA?

Para nos, a narrativa nunca mudou, é a mesma que todo o povo reivindica com base do processo de descolonização de Angola e Cabinda, dado que Cabinda nunca foi parte de Angola, mas sim um protectorado português separado, com base no Tratado de Simulambuco de 1885. Quando Portugal transferiu a soberania de Cabinda a Angola, o fez sob a bandeira de uma Angola unificada, ignorando a reivindicação de separação do povo de Cabinda pela a FLEC.

Para Portugal, reconhecer Cabinda como um território à parte de Angola seria o mesmo que pôr em causa os acordos de descolonização que o país assinou com o MPLA, em 1975, numa grande forma de amnésia e traição histórica.

Não há um passado colonial directo da França na Palestina da mesma forma que Portugal em Cabinda.

O silêncio de Portugal sobre Cabinda não é um “gene político” de inacção, nem um bocadinho da traição e da hipocrisia que sentimos, mas sim uma escolha estratégica baseada na realpolitik.

Portugal já tinha optado por permanecer em Angola de uma forma diferente, confiando no MPLA para fazer de Angola um parceiro estratégico em vários sectores, como economia, cultura e política, sobre tudo na lavagem de dinheiro dos dignitários de um regime notoriamente autoritário. Desafiar a soberania angolana sobre Cabinda colocaria em risco essa relação vital para a sua economia.

O reconhecimento da Palestina pela França e a posição de Portugal sobre Cabinda são questões distintas. A França age num contexto internacional de consenso crescente, enquanto a inacção de Portugal em relação a Cabinda é uma decisão calculada para proteger as suas relações com a elite Angola do MPLA, e claro que não é uma questão de vergonha, mas sim uma escolha pragmática face a um legado histórico complexo.

A “injustiça” de Cabinda está prisioneira de legados coloniais, da realpolitik e de interesses económicos. A superação deste impasse depende não só de uma alteração da posição do governo angolano, mas também de uma força cabindense unificada, capaz de exercer pressão internacional, que actualmente não existe.

Se os políticos cabindense não forem cautelosos, a situação parece destinada a manter-se num conflito de baixa intensidade, prolongado e sem solução à vista, para o benefício do regime colonial do MPLA.

A extensão do conflito armado, que nos impõe uma resistência defensiva e não ofensiva, cria as condições para o status quo, e o status quo engendra a miséria, e quando um povo como o nosso se habitua à opressão, corre o risco de confundir a paz com o sentimento de serenidade em que vive.

O sucesso de Cabinda depende sobretudo dos seus próprios políticos, antes de esperar dos outros.

A história, a ciência política e a experiência nos provou que os movimentos divididos internamente enfrentam enormes desafios para alcançar os seus objectivos, especialmente quando se confrontam com um adversário forte e unificado como o governo angolano do MPLA. No caso dos movimentos cabindenses, a falta de consenso e a fragmentação interna são, de facto, um dos principais obstáculos ao sucesso da sua luta.

Quando vários grupos reivindicam a representação do povo cabindense, mas não conseguem apresentar uma frente unida, isso enfraquece a sua credibilidade aos olhos da comunidade internacional. É difícil para outros países ou organizações apoiarem um movimento que não tem uma liderança clara ou um projecto coerente. E o MPLA, que nunca mudou a sua técnica, continua a usar o mesmo software para dividir, e argumentar perante a comunidade internacional que a FLEC, por exemplo, é uma gota no oceano, que os líderes dos movimentos políticos independentistas são instáveis e não representam a vontade de toda a população.

Não creio que precisemos de um quadro para entendermos que a estratégia do MPLA é explorar as nossas divisões. Sabemos que, quando o regime finge negociar separadamente com diferentes grupos, foi sempre com o objectivo de nos enfraquecer, oferecendo concessões a uns e isolando os outros, semeando a desconfiança entre os movimentos. Esta técnica de “dividir para controlar” é ainda historicamente eficaz na neutralização dos movimentos políticos de resistência.

É imperativo que os dirigentes cabindenses ponham fim a esta luta interna, porque a luta interna por liderança, fundos e apoio desperdiça recursos preciosos que poderiam ser utilizados para a luta principal, a da dignidade do povo cabinda.

Em vez de concentrar esforços na defesa dos direitos cabindenses, os lideres de movimentos continuam de competir uns com os outros, perdendo tempo e energia em conflitos mesquinhos.

Chegou a hora de compreendermos que a população de cabinda que enfrenta difíceis condições de vida, mostra por vezes sinais de desilusão, desorientação e sofre, certamente, com esta grande falta de unidade. É difícil para um povo apoiar uma causa quando não sabem quem realmente o representa. Isto leva à apatia e ao declínio do apoio popular, o que é vital para qualquer movimento de libertação.

Que Deus ilumine os dirigentes políticos de Cabinda sobre a necessidade de unidade e que o povo cabindense viva para sempre.

(*) Escritor pan-africanista e refugiado político em França

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