FOME É RELATIVA. POBREZA TAMBÉM

O programa de Fortalecimento da Resiliência e da Segurança Alimentar e Nutricional em Angola (FRESAN) chega ao fim, após sete anos de implementação, com balanço positivo, apesar de a insegurança alimentar persistir no sul do país, disse hoje a coordenadora.

O FRESAN, financiado pela União Europeia com 65 milhões de euros, foi executado entre 2018 e 2025 nas províncias do Cunene, Huíla e Namibe, com foco na redução da fome, da pobreza e da vulnerabilidade climática.

“O balanço do programa FRESAN é claramente positivo, resultado de um trabalho de articulação entre as várias áreas sectoriais que concorrem para a segurança alimentar e nutricional”, afirmou à Lusa Patrícia Carvalho, coordenadora geral do programa, destacando as áreas da agricultura, saúde, nutrição, protecção civil, ambiente e meteorologia.

Patrícia Carvalho destacou, em particular, “o apoio directo às comunidades no acesso à água, um dos pilares estruturais do programa”.

O FRESAN foi implementado por quatro parceiros principais — Camões IP, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e hospital Vall d’Hebron — em articulação com o Governo de Angola, bem como organizações não governamentais e parceiros locais.

Dados fornecidos pelo FRESAN indicam que foram construídas mais de 500 infra-estruturas de água beneficiando mais de 300 mil pessoas e apoiados 16.175 camponeses e pastores.

Destaca-se ainda a capacitação de 12.186 membros de cooperativas e associações agrícolas e o reforço da capacidade de comercialização de produtos agrícolas para 3.955 agricultores, superando os 1.750 previstos inicialmente.

O programa permitiu também instalar seis estações meteorológicas automáticas integradas no sistema do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica de Angola (INAMET) e promoveu escolas de campo para agricultores e campanhas de educação nutricional com foco nos primeiros mil dias de vida das crianças.

Apesar dos avanços, os indicadores continuam preocupantes, já que a intervenção criou capacidade técnica e institucional, mas não eliminou as causas estruturais da fome.

Por isso, os resultados alcançados só poderão ser sustentados se houver continuidade e reforço das intervenções, coordenação intersectorial e soluções a longo prazo, salientou.

“Obviamente que um dos factores críticos é que se consiga, de alguma forma, ao longo do tempo, perpetuar estes resultados, dar-lhe consistência e escala, mas também nesse sentido reforçar que todas as intervenções estão de facto alicerçadas em outros programas e projectos do Governo [angolano]. Entendemos que o caminho futuro permitirá consolidar estes resultados e dar-lhe uma maior escala”, sustentou.

O encerramento do programa decorre esta semana com uma cerimónia oficial no Namibe, antecedida por visitas de campo, debates e uma gala cultural, evento que reúne representantes do Governo angolano, da União Europeia e das várias agências e organizações não governamentais envolvidas.

MILHÕES ALIMENTAM-SE DE… FOME

O presidente do “Tchota Angola”, plataforma de Organizações Não-Governamentais (ONG), Toni-A-Nzinga, afirmou no dia 26 de Novembro do ano passsado que a fome no país (a tal que segundo o general João Lourenço não existia e depois passou a relativa) ganhou “proporções desafiantes”, questionando as celebrações dos 50 anos de independência com “milhares de cidadãos em condições miseráveis”. Vinte milhões de angolanos são pobres, recorde-se.

De acordo com o pastor evangélico, que na altura falava na abertura da “Conferência Nacional Sobre Recursos Naturais: Fome e Riqueza”, a fome em Angola ganhou “proporções muito desafiantes”, apesar dos abundantes recursos naturais, traduzidos em “malefícios” para os cidadãos.

“Este ano a pobreza está mais forte (…), todos precisam de reflectir com seriedade sobre este fenómeno da fome que assola o nosso país. Mesmo com a exploração permanente dos recursos, mesmo após o fim da guerra civil há 22 anos, a fome aperta e os desafios são maiores”, lamentou Toni-A-Nzinga.

Para o presidente do “Tchota Angola”, plataforma da sociedade civil angolana focada na gestão e exploração dos recursos naturais, todas as forças vivas do país devem encontrar soluções para os problemas de hoje e “não apenas um grupo de cidadãos que dirige o país”, criticou, aludindo ao Governo, do MPLA há 50 anos.

A riqueza do país “deve reflectir-se na melhoria das condições de vida dos cidadãos e não nas viaturas e casas de luxo que construímos”, salientou.

Toni-A-Nzinga questionou também os termos e motivações das celebrações dos 50 anos de independência de Angola, a serem assinalados em 11 de Novembro de 2025, quando “milhares de cidadãos vivem em condições miseráveis”. Recorde-se que o general João Lourenço não se cansa de dizer que o MPLA fez mais em 50 anos do que os portugueses em 500.

“Isto é celebração?”, questionou, considerando que “enquanto as populações estiverem a viver em condições miseráveis, (…) não estamos independentes”.

Toni-A-Nzinga criticou a postura dos políticos que, no seu entender, no parlamento, defendem apenas a militância e não a cidadania para o desenvolvimento inclusivo e democrático do país. “Para Angola ser democrática todos devem participar no processo de cidadania”, notou, apontando para a necessidade de “todos os cidadãos acordarem” em prol do desenvolvimento equilibrado e inclusivo do país, salientando que os recursos naturais “devem ser uma bênção e não malefício” para os cidadãos.

O contraste entre a abundância de recursos naturais e a situação de fome nas comunidades afectadas pela exploração, situação dos direitos humanos em contexto de exploração de recursos naturais e os desafios para transparência na indústria extractiva são alguns dos temas em abordagem nesta conferência.

Milhares de cidadãos, entre políticos, activistas e demais atores da sociedade angolana, marcharam no sábado, em Luanda, contra a fome.

Em Angola não há, formal e legalmente, pena de morte. Isso não impediu, por exemplo, o então Presidente Agostinho Neto de mandar matar milhares e milhares de angolanos nos massacres de 27 de Maio de 1977.

Em Angola não há, formal e legalmente, pena de morte, mas há 20 milhões de pobres, há crianças a morrer à fome. Muitas famílias abandonam as suas cubatas e as suas aldeias à procura de qualquer coisa que sirva para enganar a barriga… vazia. As crianças são geradas com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome.

Em Novembro de 2021, a Unicef queria garantir o tratamento imediato da desnutrição severa de 10 mil crianças no sul de Angola, região que enfrentava (e continua a enfrentar) uma das piores crises dos últimos 40 anos, anunciou a organização. Ao que parece, o MPLA (que está no Poder há 50 anos) desconhecia que o sul de Angola faz parte de… Angola!

A Unicef adiantava na altura estar a trabalhar com os governos de províncias do sul de Angola num projecto financiado pela Direcção de Protecção Civil e Ajuda Humanitária da União Europeia (ECHO) que visava “fornecer serviços nutricionais essenciais de qualidade para crianças menores de cinco anos de idade”.

A agência da ONU falava do aumento da insegurança alimentar e um número cada vez maior de crianças a sofrer de desnutrição. A morrer de fome, dizemos nós. E dizemos há muito, muito tempo. Mas, é claro, formal e legalmente Angola não tem pena de morte.

A Convenção sobre os Direitos da Criança é o tratado internacional mais ratificado em toda história. Nunca mais chega a altura de todos os dias do ano serem dia das crianças. Então em África, então em Angola…

Como sempre, Angola ratificou a Convenção em 1990 manifestando desta forma o seu pleno compromisso com a realização de cada direito da criança. Contudo, as nossas crianças continuam a ser geradas com fome, a nascer com fome e a morrer, pouco depois, com… fome. Mas, relembre-se que formal e legalmente Angola não tem pena de morte.

O Governo do MPLA mostra, também nesta matéria, que assinar “coisas”, legislar, propagandear é a sua principal arma. Quando toca a cumprir é que o rabo torce a porca…

“O cenário actual é desafiador mas é importante que esta crise não se transforme numa crise dos direitos da criança. Falhar com a criança e os seus direitos hoje, é falhar com o presente e o futuro. Nenhuma sociedade prospera se os direitos da criança não forem protegidos”, afirmou em tempos Ivan Yerovi, representante da Unicef em Angola. Mas, dirá o MPLA, em Angola, formal e legalmente, não há pena de morte.

Angola fracassou no alcance das metas definidas no protocolo internacional dos 11 compromissos da criança, dizem analistas angolanos para quem é necessário que o Governo do MPLA tenha (como é seu dever) um papel mais activo para que se cumpram esses objectivos.

Os 11 compromisso são “a esperança de vida ao nascer”, a “segurança alimentar e nutricional”, o “registo de nascimento”, a “educação da primeira infância”, “a educação primária e formação profissional”, “ justiça juvenil”, “prevenção e redução do impacto do VIH/SIDA nas famílias e nas crianças”, “a prevenção e combate à violência contra criança”, “a protecção social e competências familiares”, “a criança e a comunicação social, a cultura e o desporto” e “a criança no plano nacional e no Orçamento Geral do Estado”.

Recordar-se-á o general João Lourenço que o seu partido/Estado garantiu que “o Governo iria materializar o estabelecido nos instrumentos jurídicos, nacionais e internacionais, aplicáveis à protecção e à promoção dos direitos inalienáveis da pessoa humana e da criança em particular”?

Como anedota até não esteve mal. Mas a questão das nossas crianças não se coaduna com os histriónicos delírios de um regime esclavagista que as trata como coisas. Seja como for, formal e legalmente, Angola não tem pena de morte, e isso basta…

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