Preocupados com a insegurança e a possibilidade de escassez de bens, muitos luandenses procuraram hoje abastecer-se nas poucas lojas ainda abertas, temendo as incertezas dos próximos dias. As autoridades angolanas confirmaram a existência de quatro mortos e já detiveram mais de 500 pessoas.
No segundo dia da paralisação convocada pelos taxistas — que degenerou em protestos violentos, actos de vandalismo e pilhagens –, populares ouvidos pela Lusa na capital angolana manifestaram receios face à instabilidade e condenaram os distúrbios, mas reconhecem que há motivos para os protestos, que atribuem sobretudo ao agravamento das condições de vida.
“As pessoas pensam com a barriga, não pensam com a cabeça”, resumiu Feliciano Lussati, jovem professor residente na zona de Benfica, à saída de uma cantina (pequena mercearia local) onde conseguiu comprar pão.
“A situação do país é caótica, é precária e as coisas estão sempre a aumentar. O salário é quase a mesmice”, disse, justificando a legitimidade da greve dos taxistas.
Para Feliciano, a violência que se seguiu “tem que ver com a fome. Quem tem fome não pensa nas consequências”, porque os problemas socioeconómicos do país fazem “com que as pessoas não pensem com a cabeça, pensem com a barriga”.
“Se nós virmos aquilo que nós temos assistido nas redes sociais, as pessoas estão mais a vandalizar centros comerciais, a tirar comida, não é? Então, eu acho que quem não tem fome não estaria aí a invadir uma loja de um particular para tirar dividendos ou para tirar proveito disso, não é? Eu acho que a fome está na base disso, o desespero da população está na base disso”, justificou.
Apesar de no seu bairro a situação estar calma, Feliciano passou estes dois dias praticamente em casa, atento às redes sociais, enquanto ouvia barulho ao longe.
“Fui comprar pão porque temos que nos prevenir”, sublinhou, admitindo estar preocupado com os efeitos da greve.
Na sua opinião, o desfecho dependerá da capacidade de resposta do executivo.
“O Governo precisa de saber dialogar, tomar medidas próprias e fazer um esforço de maneira que apazigue a situação e haja consenso, porque se a situação continuar por este caminho, infelizmente, nós teremos situações mais preocupantes e a coisa vai ficar feia a cada ano, a cada dia que passa”, comentou.
A capital angolana acordou esta terça-feira ainda marcada pela tensão do dia anterior. Bombas de combustível fechadas e protegidas por forças de segurança, táxis encostados junto a barricadas improvisadas com contentores de lixo, e homens armados — à paisana — a circular em alguns bairros marcam a paisagem.
Na zona comercial do São Paulo, habitualmente fervilhante, quase não se via comércio aberto. Apenas algumas ‘zungueiras’ (vendedoras de rua) carregavam alguidares com água ou fruta. Maria, também vendedora ambulante, moradora no bairro Mundial (Benfica) queixou-se à Lusa da falta de clientes.
“Hoje não há clientes. Por causa do táxi que não está a circular”, disse a vendedora que veio a pé trabalhar.
No dia anterior, a vida “estava mesmo bem difícil (…) não tinha nada para a gente comer. E consegui mesmo só hoje”, desabafa.
Sobre os protestos, cujas causas disse desconhecer, Maria limitou-se a dizer que viu “assaltos nos supermercados” pela televisão.
As marcas da destruição eram ainda hoje visíveis em várias zonas: armazéns com vidros partidos, vestígios de lixo queimado no asfalto, ruas sem moto-táxis nem os típicos azuis e brancos.
Na marginal de Luanda, o vazio contrastava com o habitual movimento. Na Samba, o tráfego intenso foi substituído pelo silêncio apenas interrompido por viaturas que passavam espaçadamente.
O comerciante Moisés Francisco decidiu hoje manter parcialmente aberta a sua cantina, padaria e farmácia — a “MAF” –, apesar do receio. “De manhã aqui estava bastante cheio. Havia muita gente à procura de pão, porque encontravam as lojas fechadas”, relatou. Com medo de tumultos, acabou por suspender o atendimento que só reiniciou porque “a vizinhança estava a chorar”.
No dia anterior “não conseguiram comprar pão”, justificou.
Para Moisés, a paralisação teve fundamento. “A greve foi por causa do aumento dos combustíveis. Pode ser motivo, sim. Mas não é motivo para fazer pilhagem”, criticou. “Estão a sofrer também [os comerciantes], não conseguem prosperar. Isso é um retrocesso, lamentou.
A paralisação dos taxistas foi convocada na sequência do aumento do preço dos combustíveis.
O protesto, que seria pacífico, rapidamente degenerou em violência em várias zonas de Luanda, com lojas saqueadas, transportes paralisados, barricadas nas estradas e relatos de mortes e feridos.
As autoridades angolanas confirmaram a existência de quatro mortos e já detiveram mais de 500 pessoas.