DA CÓLERA VIVO, SE DE CÓLERA MORRES!

Faz amanhã, 23 de Janeiro, um ano desde que a directora Nacional de Saúde Pública, Helga Freitas, com ar convicto e olhar distante, afirmou que Angola não tinha registos de cólera. “Estamos no nível 2 devido aos casos registados na Zâmbia e na República Democrática do Congo”, disse na altura, assegurando que ainda assim, o país já reforçava a vigilância, preparação e distribuição de água tratada. Hoje, um ano depois, o Ministério da Saúde admite mais de 600 casos registados e 29 óbitos.

Por Mwata Santos

Sim, 29 vidas perdidas. Mas, claro, vamos fingir surpresa. Diz-se que pior do que cometer erros é recusá-los, mas parece que em Angola o lema é outro: pior do que cometer erros, é admiti-los. E assim seguimos, numa espécie de teatro de horrores, onde o ngapa não precisa voar porque a incompetência já levita sozinha.

A debilidade do saneamento básico no país, com maior destaque para Luanda e as suas duas “filhas” – Bengo e a mais-nova agora, Icolo e Bengo – deu o palco perfeito para o surto da cólera. As moscas e mosquitos, que agora confundem os horários não respeitando quem actua em horário nobre e não-nobre, esses sim, sabem aproveitar as oportunidades. Passeiam nos nossos pratos, fazem espargatas nas paredes das nossas cubatas e ainda encontram tempo para um banho nas nossas águas.

Enquanto isso, no mercado da Estalagem, em Viana – onde o lixo, charcos, maminhos e outros vermes convivem em harmonia com a fuba e o peixe -, o gu-vernu assobia um semba desafinado ao ritmo de “corrigir o que está mal e melhorar o que está bem”. O que dizer? Talvez que as moscas são mais produtivas que os nossos marimbondos.

Valha-me Deus, não sabemos quem é pior: Se as moscas que saúdam as nossas dibingas e contaminam as nossas águas, se os marimbondos que nos trouxeram até esse destino moribundo.

Não posso deixar de questionar se…

• Não teria sido diferente se, no auge das denúncias, o Ministério admitisse a existência de cólera, alertando a população e combatendo a situação?
• Que medidas serão tomadas para que vidas não sejam perdidas tão inutilmente no futuro?
• Quando é que o secretismo institucional que mata inocentes vai acabar?
• Quantos dias faltam para que esse gu-vernu ganhe vergonha na cara e admita que fracassou?

As estatísticas são sombrias: em cada dez angolanos, cinco não têm acesso a água potável. E em cada dez, cinco defecam ao ar livre. Não há sistema de drenagem para as águas residuais. É um ciclo vicioso de abandono e negligência que culminou no epicentro da nossa condenação: o Paraíso, onde habitações precárias abrigam de quatro a sete pessoas por metro quadrado.

Se houvesse vontade política, a situação seria outra. Poderíamos ter convocado grupos de teatro, artistas, professores, igrejas e outras forças sociais para sensibilizar a população. O gu-vernu poderia ter investido, de facto, em saneamento básico e na distribuição de água potável. Mas não. O gu-vernu preferiu esperar que o pior acontecesse, porque, afinal, não é na mesa deles que as moscas dançam.

É preciso responsabilizar quem condena o povo à morte enquanto lucra com o orçamento destinado a acudir as crises que eles próprios criaram. Não há desculpa para 29 vidas perdidas. Não há desculpa para a falta de água potável, o lixo nas ruas, as moscas nos pratos.

É hora de encarar a verdade: precisamos de lideranças que não apenas prometam corrigir o que está mal, mas que realmente façam algo para melhorar o que está bem. Porque, neste momento, até as moscas estão a fazer mais pela sanidade de Angola do que quem deveria estar no comando.

Sinceramente. Precisamos repensar Angola. É urgente!

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