A “PUNHETA” DO “JORNALISTA” COMPRADO

João Fernando Ramos veio a Luanda fazer, em nome da CNN Portugal, uma entrevista ao Presidente João Lourenço. Se o Jornalismo português se medisse pelo nível desta “punheta” até estaria bem classificado.

Por Orlando Castro

A fácies do (suposto) jornalista mostra que até ele mesmo, apesar de ser o fazedor e não o beneficiado, estava à beira de um orgasmo. A cereja em cima do “coiso” foi mesmo quando João Fernando Ramos falou de algo que não existe, que nunca existiu, em Angola – a eleição presidencial.

No reino do outro João, o Presidente é o cabeça-de-lista do partido mais votado nas legislativas. Ou seja, ocupa o cargo por ser o Presidente do MPLA e não por ter sido eleito.

Ficou por confrontar João Lourenço com outras realidades:
– Por exemplo, recordar que o magnata britânico de origem sudanesa Mo Ibrahim responsabiliza as “falhas monumentais dos líderes africanos após a independência”, explicando sem meias palavras (coisa cada vez mais rara) que, “quando nasceram os primeiros Estados africanos independentes, nos anos 50, África estava melhor em termos económicos”.

– Lembrar ao dono do reino angolano que Angola, em 1974, era o terceiro maior produtor mundial de café, o quarto maior produtor mundial de algodão, o primeiro exportador africano de carne bovina; o segundo exportador africano de sisal; o segundo maior exportador mundial de farinha de peixe; por via do Grémio do Milho tinha a melhor rede de silos de África; tinha o CFB — Caminho de Ferro de Benguela, do Lobito ao Dilolo‒RDC, o CFM — Caminho de Ferro de Moçâmedes, do Namibe até Menongue, o CFA — Caminho de Ferro de Angola, de Luanda até Malange e o CFA — Caminho de Ferro do Amboim, de Porto Amboim até à Gabela;

– Que também tinha no Lobito estaleiros de construção naval da SOREFAME; tinha pelo menos três fábricas de salchicharia; quatro empresas produtoras de cerveja, de proprietários diferentes; quatro fábricas diferentes de tintas; duas fábricas independentes de fabricação ou montagem de motorizadas e bicicletas; seis fábricas independentes de refrigerantes, nomeadamente da Coca-Cola, Pepsi-Cola e Canada-Dry, bebidas alcoólicas à base de ananás ou de laranja. E havia ainda a SBEL, Sociedades de Bebidas Espirituosas do Lobito;

– Que, além disso também tinha a fábrica de pneus da Mabor; três fábricas de açúcar, a da Tentativa, a da Catumbela e a do Dombe Grande; era o maior exportador mundial de banana, graças ao Vale do Cavaco; uma linha de montagem da Hitachi, dos óleos alimentares da Algodoeira Agrícola de Angola, e da portentosa indústria pesqueira da Baía Farta e de Moçâmedes, e da EPAL, fábrica de conservas de sardinha e de atum.

Alguém ouviu alguma vez o general João Lourenço reconhecer que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é das mais altas do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Alguém o ouviu dizer que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?

Alguém ouviu alguma vez o general João Lourenço reconhecer que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade? Alguém o ouviu dizer que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?

Alguém ouviu alguma vez o general João Lourenço reconhecer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos? Alguém o ouviu dizer que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?

Alguém alguma vez ouviu o general João Lourenço reconhecer que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?

Alguém ouviu alguma vez o general João Lourenço reconhecer que Angola é um dos países mais corruptos do mundo e que tem mais de 20 milhões de pobres?

“Muitos governantes que têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são aparentemente reluzentes mas estão podres por dentro”. Esta foi e é, por muito que nos custe, a realidade do nosso país.

Alguém do MPLA se recorda, por exemplo, o que D. José de Queirós Alves, arcebispo do Huambo, afirmou em Julho de 2012 na comuna de Chilata, município do Longonjo, a propósito das eleições?

O prelado referiu que o povo angolano tinha muitas soluções para construir uma sociedade feliz e criar um ambiente de liberdade onde cada um devia escolher quem entender.

“Temos de humanizar este tempo das eleições, onde cada um apresenta as suas ideias. Temos de mostrar que somos um povo rico, com muitas soluções para a construção de uma sociedade feliz, criar um ambiente de liberdade. É tempo de riqueza e não de luta ou de murros”, frisou.

”Em Angola, a administração da justiça é muito lenta e os mais pobres continuam a ser os que menos acesso têm aos tribunais”, afirmou em 2009 (nada de substancial mudou até agora), no mais elementar cumprimento do seu dever, D. José de Queirós Alves, em conversa com o então Procurador-Geral da República, João Maria Moreira de Sousa.

D. José de Queirós Alves admitia também (tudo continua na mesma) que ainda subsiste no país uma mentalidade em que o poder económico se sobrepõe à justiça.

O arcebispo pediu maior esforço dos órgãos de justiça no sentido das pessoas se sentirem cada vez mais defendidas e seguras: “O vosso trabalho é difícil, precisam ter atenção muito grande na solução dos vários problemas de pessoas sem força, mas com razão”.

Importa ainda recordar, a bem dos que não têm força mas têm razão (e que, por isso, não são do MPLA), que numa entrevista ao jornal português “O Diabo”, em 21 de Março de 2006 (19 anos depois tudo continua na mesma), D. José de Queirós Alves disse que “o povo vive miseravelmente enquanto o grupo ligado ao poder vive muito, muito bem”.

Nessa mesma entrevista ao Jornalista João Naia, o arcebispo do Huambo considerou a má distribuição das receitas públicas como uma das causas da “situação social muito vulnerável” que se vive Angola.

D. Queirós Alves disse então que, “falta transparência aos políticos na gestão dos fundos” e denunciou que “os que têm contacto com o poder e com os grandes negócios vivem bem”, enquanto a grande massa populacional faz parte da “classe dos miseráveis”.

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