O Governo angolano e os sindicatos chegaram a acordo sobre o salário mínimo nacional e as actualizações salariais da função pública, o que deverá levar a desconvocar a greve geral marcada para a próxima semana.
O acordo sobre o caderno reivindicativo apresentado em Setembro de 2023 foi alcançado no final de uma maratona negocial de mais de oito horas no Ministério da Administração Publica, Trabalho e Segurança Social (MAPTS), uma semana antes da terceira fase da greve que tinha sido convocada pelas três centrais sindicais angolanas.
Em declarações aos jornalistas, o secretário de Estado para o Trabalho e Segurança Social, Pedro Filipe (na foto), anunciou os principais termos do acordo trianual, que vai vigorar até 2027, e onde foram aglutinadas “questões estruturantes” apresentadas pelos sindicatos nos últimos anos, entre as quais o salário mínimo, que vai aumentar para o dobro, e os salários da função pública.
Pedro Filipe considerou o acordo como um “exercício de muita paciência e de muita responsabilidade” entre o executivo e os sindicatos que tinham “posições diferentes” sobre uma série de temas.
Entre as questões estruturantes está o salário da função pública, que vai ser ajustado em 35% no próximo ano, sendo revisto em véspera da preparação do Orçamento Geral do Estado nos anos subsequentes.
Foram também definidos “princípios gerais de fixação do salário mínimo nacional”, que vai subir para 70 mil kwanzas, quase o dobro dos atuais 32.000 kwanzas (35 euros)
Para microempresas e ‘startups’ o salário vai ser fixado em 50 mil kwanzas, enquanto as empresas que já pagam 70 mil kwanzas terão 12 meses para chegar aos 100 mil kwanzas, enquanto as que estão abaixo deste nível terão dois anos para chegar aos 100 mil kwanzas.
O executivo vai também rever os critérios de atribuição de subsídios para as zonas recônditas em função das categorias dos municípios e aceitou incorporar um representante dos sindicatos no conselho fiscal do Instituto Nacional de Segurança Social.
Pedro Filipe adiantou também que estão a ser estudadas alterações aos impostos sobre o trabalho, no sentido de “evoluir para a tributação numa perspectiva mais integrada, sendo as discussões técnicas acompanhadas pelos sindicatos”.
Com o acordo deverá ser desconvocada a terceira fase da greve que estava prevista entre os dias 3 a 14 de Junho, embora os sindicatos ainda não se tenham pronunciado.
As três centrais sindicais angolanas – Central Geral de Sindicatos Independentes e Livres de Angola (CGSILA), a União Nacional dos Trabalhadores Angolanos – Confederação Sindical (UNTA-CS) e a Força Sindical – Central Sindical (FS-CS) – terminaram em Abril a segunda fase da greve gera interpolada sem alcançar acordo quanto às reivindicações salariais e prometeram mobilizar-se para a terceira fase.
Recorde-se que o Governo (do MPLA há 49 anos) aprovou no dia 14 de Novembro de 2022 o Decreto Presidencial que actualizou a lista de trabalhos proibidos ou condicionados a menores, devido ao aumento considerável de crianças a trabalharem sobretudo nos sectores agrícola e da construção civil. De facto, não é por falta de decretos (ou de acordos internacionais) que Angola não é um Estado de Direito…
O documento, que tem (supostamente) como objectivo combater e erradicar o trabalho infantil, foi aprovado na reunião da Comissão Económica realizada sob orientação do Presidente não nominalmente eleito, general João Lourenço.
Na altura, o secretário de Estado Pedro Filipe referiu que o Estado tem compromissos internacionais assumidos, nomeadamente com OIT (Organização Internacional do Trabalho) e internamente tem também um plano de acção aprovado (mas não cumprido), em 2021, de combate ao trabalho infantil.
Pedro Filipe sublinhou que a Lei Geral do Trabalho angolana permite que menores entre os 14 e 18 anos possam trabalhar, com autorização expressa dos pais, tendo em atenção o interesse dos menores, nomeadamente não prejudicar o seu crescimento e desenvolvimento saudável, a sua progressão académica e a sua consolidação psíquico-emocional.
Provavelmente o seu crescimento saudável passa por ajudarem os pais a abastecerem a sua cesta básica alimentar nos centros comerciais criados pelo MPLA e que, vulgarmente, são conhecidos por… lixeiras.
“Temos constatado um aumento considerável de trabalho infantil, sobretudo nas actividades de cariz agrícola, a nível do sector da construção civil, a nível dos serviços e das indústrias”, disse o secretário de Estado para o Trabalho e Segurança Social.
Na altura, o governante realçou que o quadro agravou-se “ainda mais, desde que a pandemia da Covid-19 começou a fazer morada no país”, destacando que o fenómeno é transversal a quase todos os países do mundo, com principal incidência no continente africano e asiático. Daí, acrescentamos nós, o reino ter para uma população de 34 milhões de habitantes mais de 20 milhões de pobres.
A lista de trabalhos proibidos ou condicionados “é extremamente vasta”, frisou Pedro Filipe, destacando trabalhos a nível das minas, britadeiras, actividades de coveiro e algumas indústrias que fabricam materiais tóxicos.
O decreto regula igualmente o horário de trabalho, que permite uma carga laboral de no máximo quatro horas diárias contra o horário normal de até oito horas de trabalho.
De acordo com Pedro Filipe, o Inquérito de Indicadores Múltiplos, publicado na altura pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), que reconheceu “já está desactualizado”, apontava para mais de 25 mil crianças em trabalho infantil.
“É claro que este número está subavaliado, nós temos a noção de que deveremos actualizar esse inquérito e deveremos partilhar com a sociedade estatísticas muito mais realistas, porque da nossa constatação empírica, isto já na constatação dos trabalhos da comissão multissectorial, constatamos que os números estão muito além destes indicadores”, indicou o governante angolano, informando que já estava em curso um trabalho com o INE para actualizar este inquérito.
Para controlo deste fenómeno, a comissão multissectorial conta com a colaboração da Inspecção Geral do Trabalho e com a participação do Instituto Nacional da Criança, sobretudo no segmento informal.
“Existe um universo muito grande de crianças que estão a exercer a actividade laboral, mas fora do sector formal, nomeadamente a actividade agrícola, a construção, temos estado a nos deparar com muitas crianças a engraxar sapatos na rua, temos estado a nos deparar com muitas crianças a lavar carros na rua”, descreveu.
De acordo com Pedro Filipe, o plano, além de medidas repressivas, tinha um lado de assistência às famílias, através de programas implementados pelo executivo.
“Porque entendemos que a situação social de algumas famílias inspira cuidados, daí que muitas famílias se vêem a braços com essas dificuldades e permitem que filhos menores sejam engajados em actividades laborais”, observou.