Milhares de pessoas marcharam hoje em Luanda contra a fome, num protesto convocado pelos partidos da oposição que integram a Frente Patriótica Unida (FPU) em que participaram outras forças políticas, activistas e a sociedade civil.
Pelas 11:30 milhares de pessoas convergiam para o local de concentração, cemitério de Santa Ana, de onde a marcha sairia pelas 13:00 em direcção ao Largo das Escolas para protestar contra a fome e a pobreza e em prol da democracia.
Apesar do calor intenso que se fazia sentir, o ritmo do kuduro ia animando os manifestantes que expressavam as suas preocupação através de dizeres em tshirts e cartazes caseiros onde se lia “A fome em Angola é real” e se apelava à mobilização das autarcas.
Alguns faziam alusão à situação pós-eleitoral que se vive em Moçambique, avisando “Hoje é Frelimo, amanhã é o MPLA” (os dois partidos estão no poder desde a independência dos respectivos países, há 49 anos), entre bandeiras de várias formações políticas, onde se destacou o vermelho e verde da UNITA, liderada por Adalberto da Costa Júnior, também coordenador da FPU
Elda Eduardo dos Santos, dirigente da UNITA, mostrou-se preocupada com a fome e extrema miséria do povo, lamentando que num país tão rico “o governo continue a fazer sofrer o povo, a não dar qualidade de vida e condições básicas que são direitos inalienáveis da pessoa humana”.
“Hoje estamos aqui para dizer ‘Basta!’. Quando o povo se levanta significa que temos de mudar e temos vários exemplos por aí, como Moçambique em que o povo tomou a decisão para a mudança e é essa mudança que precisamos”, destacou.
Carlos Domingos, professor, assinalou que “o executivo já fez muito”, mas que a fome em Angola ainda é uma realidade.
“O governo devia-se preocupar em melhorar a cesta básica e dar um cartão de compras aos pobres no sentido de manter o bem-estar económico e social dos angolanos”, afirmou, criticando o executivo por estar mais preocupado com a sua imagem exterior.
“E a comunidade internacional também aceita isso e não tenta intervir na realidade dos angolanos, por isso estamos aqui, com essa voz viva no sentido de o governo de João Lourenço resolver com urgência a questão da fome”, apelou o professor.
Carlos Domingos contestou ainda o convite à selecção da Argentina para um jogo amigável com Angola por se gastar “tantos milhões para duas horas de espectáculo e deixando o povo com fome”.
“Isso está a pôr-nos muito zangados”, reforçou, acrescentando que se juntou à causa “dos que não trabalham, que passam a vida a comer no lixo e não têm um pão por dia”.
A zungueira Rosa Faustino afirmou que se juntou à marcha por causa da fome.
“As panelas estão a gritar não temos comida, o povo, é mesmo fome que tem vindo a gritar, arroz subiu, medicamento nos hospitais nem se fala. A vida está muito difícil não estamos a conseguir comprar o negócio nas lojas para sustentarmos os filhos”, desabafou.
Sobre esta manifestação, registemos a análise de Lukamba Gato:
«Durante a semana, responsáveis provinciais da UNITA e do Comando Provincial da Polícia Nacional, prepararam ao detalhe o que seria a actividade a ter lugar neste dia.
Ficou acordado, inclusive que a marcha passaria sobre a passagem aérea situação nas imediações da Unidade Operativa de Luanda.
Qual não foi o espanto dos organizadores, quando se viram confrontados com o acesso àquela passagem bloqueada por uma linha de efectivos de uma Unidade Especial da Polícia, sem uma comunicação prévia da alteração introduzida unilateralmente.
Felizmente, o Secretário Adriano Abel Sapiñala percebeu que estava diante de um acto susceptível de gerar contradição e ordenou que o pessoal se desviasse.
Assim mesmo porque é que as pessoas foram impedidas de usar a passagem aérea como tem sido a norma nas manifestações anteriores?
A quantidade e a qualidade dos meios humanos e materiais hoje ostentados no perímetro da marcha e no ponto de chegada, Largo das Escolas, mais parecia um “dispositivo ofensivo contra uma invasão do país”, conforme comentou um transeunte com quem me cruzei depois da actividade.
Essas desconfianças que eu chamo patológicas, têm contribuído desde 1974, à criação deste clima de constante suspeição.
A UNITA tem a obrigação constitucional de INFORMAR as autoridades sobre manifestações que pretende organizar. À Polícia cabe colaborar para a criação de clima distendido e cooperação e não criar crispações deliberadas, apenas para ter uma oportunidade para mostrar serviço e “experimentar” o uso de novos equipamentos.
Para quê impedir as pessoas de passar sobre aquela ponte? Criar ambiente de tensão para quê?»