O jornalismo investigativo em todo o mundo, e também em Moçambique, é um campo tanto vibrante como desafiador. Desafios que chegam a interferir na vida pessoal de um jornalista.
Por Precidónio Uamusse (*)
O jornalista moçambicano Francisco Júnior é um exemplo no país sobre persistência e sucesso dentro do jornalismo investigativo. Ele é natural da cidade de Chimoio, capital da província de Manica, na zona central de Moçambique.
Com 55 anos e mais de 30 anos de profissão, ele sempre buscou temas sobre direitos humanos. É desde 1993 jornalista da Televisão de Moçambique (TVM) e detentor de vários prémios. O mais recente foi o “Prémio Coragem”, recebido durante a Gala da Media Club 2023.
Com jornalistas de prestígio em Moçambique, como Carlos Cardoso (assassinado), Fernando Lima, Fernando Gonçalves, Tomás Vieira Mário e Paul Fauvet, ele diz que aprendeu muito sobre como o jornalismo pode ser usado no combate às injustiças sociais.
A sua área de maior actuação são reportagens sobre o tráfico de seres humanos. “Em Moçambique, são muito poucos jornalistas interessados em cobrir assuntos sobre tráfico de seres humanos. Desde os primeiros anos da minha carreira, sempre gostei de explorar histórias profundas e desafiadoras que exigem uma investigação minuciosa”, explica Francisco Júnior.
A sua primeira reportagem sobre o assunto foi oficialmente publicada em 2008, quando denunciou um caso de tráfico de três meninas, na África do Sul, país vizinho e de relações históricas muito fortes com Moçambique.
“Reportei com exclusividade que três meninas moçambicanas tinham sido traficadas por uma compatriota nossa e que estavam a ser exploradas sexualmente numa zona de muito luxo nos arredores de Pretória, capital política sul-africana”, conta ele.
O julgamento deste caso durou três anos e Aldina dos Santos, mais conhecida por Diana, foi a principal acusada no processo. Tanto que o caso ficou conhecido como “Caso Diana” e gerou uma série de reportagens a respeito.
O impacto do trabalho de Francisco Júnior sobre o “Caso Diana” acabou por influenciar o Parlamento moçambicano a aprovar uma lei a respeito: a Lei do Combate ao Tráfico dos Seres Humanos, tornando Moçambique o primeiro país da África Austral, a introduzir um instrumento legal desta natureza. A lei penaliza com mais rigor os criminosos e garante protecção às vítimas no caso delas serem testemunhas nos processos.
“A sociedade civil estava, há muito, a tentar fazer passar essa Lei, mas sem sucesso. Só foi por causa do caso Diana, que os deputados se sensibilizaram e aprovaram a referida Lei”, conta Francisco Júnior. “Lembro que o Presidente da Assembleia da República, pediu-me cópias das reportagens que fiz sobre estes casos e exibiu-as em plena sala de sessões do Parlamento, fato inédito”, recorda.
O jornalista conta que o desejo de expor a verdade sobre as vivências dos mais fracos foi a sua maior motivação para apostar no jornalismo investigativo: “Eu sou sensível aos problemas das pessoas, particularmente de quem é pobre, vive mal, é injustiçado ou mal tratado”.
Se o jornalismo, em si, é uma área sujeita a riscos, o jornalismo investigativo é o ápice dos perigos de que o jornalista pode experimentar. Júnior é exemplo de superação de muitas ameaças e provações, mas nunca cedeu aos obstáculos.
“Já fui assaltado em casa e os ladrões só roubaram o material profissional, gravador e cassetes, mas havia muita coisa de valor”, relata ´Francisco Júnior. Ele diz ainda que durante o trabalho de apuração na África do Sul, chegou a ser confrontado por policiais do país.
O jornalista também diz ter sido ameaçado por pessoas ligadas a um empresário sul-africano da província de Mpumalanga, e que foi condenado a prisão perpétua, por um tribunal na África do Sul. “LLoyde Mabuza traficou a abusou sexualmente de 4 crianças moçambicanas. Fiz uma investigação exaustiva e devo confessar que foi a que mais gostei”, afirma o jornalista.
Francisco Júnior entende que o jornalismo investigativo em Moçambique está a crescer, embora observe que há alguns aspectos a serem corrigidos, entre os quais o fortalecimento da capacidade financeira dos órgãos de informação.
Francisco Júnior enfatiza que a dependência financeira da imprensa coloca em risco a independência e a imparcialidade dos jornalistas. Aos mais novos jornalistas que, por força de vontade e sentido de humanismo, queiram seguir o jornalismo investigativo, o jornalista diz que é preciso coragem, integridade, responsabilidade e abertura para ouvir os mais experientes.
Recentemente, Francisco Júnior tem feito a cobertura do flagelo causado pelos ataques terroristas na província de Cabo Delgado e descreve uma situação delicada, que infelizmente não tem repercussão na mídia internacional. Ele já fez uma série de reportagens que detalham o cenário de violência. “Temos de ajudar a população de Cabo Delgado. Temos de ser solidários. É preciso continuar a falar sobre Cabo Delgado”, diz o jornalista.