Como se sabe, em 2011 o então primeiro-ministro de Portugal e “angolano” de nascimento, Pedro Passos Coelho veio a Luanda para vender as empresas públicas portuguesas. Escolheu, e bem, um dos mais ricos países africanos, que, sendo um dos maiores exportadores de petróleo do Mundo, permanecia (e por lá continua) em 148º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano e com dois terços da sua população a viver na pobreza.
Os crimes de sangue e económicos fazem parte da natureza da cúpula mafiosa que dominava e domina os negócios em Angola é dirigida por altos dignitários do MPLA. E mesmo quando a generalidade dos países europeus viviam momentos de dificuldade, a entrada de capitais angolanos era vista com desconfiança, por ser um factor de insegurança. Até no mundo financeiro, dominado pela falta de escrúpulos, a elite económica e política de Angola está para lá de uma fronteira que só os mais “afoitos” se atrevem a transpor.
A entrada do investimento angolano (ou seja, do investimento dos dirigentes – sobretudo generais – do MPLA) levanta sempre um problema grave na economia portuguesa. As grandes empresas angolanas (leia-se do MPLA) não têm contas públicas e vivem no meio da obscuridade legal e financeira, apesar das toneladas de dólares usadas para as branquear. Onde o dinheiro do regime angolano entra acaba sempre por surgir um escândalo legal de grandes proporções. Com estes investidores, era, é e será impossível manter regras minimamente transparentes nas empresas portuguesas.
«A ideia de ter as maiores empresas públicas, grande parte delas monopólios naturais, entregues a grupos mafiosos, que não olham a meios para conseguir os seus fins, só pode assustar qualquer pessoa séria», escrevia o Expresso em Novembro de 2011. E acrescentava: «Sabemos que há corrupção na economia portuguesa. Mas a “angolanização” da nossa economia levará a nossa democracia para um outro patamar de degradação. Se a máfia angolana conseguir aqui o que não tem conseguido noutros países europeus a pouca credibilidade que resta às nossas maiores empresas desaparecerá. Há muito que nos devíamos estar a preocupar, por exemplo, com o peso que já detêm na banca nacional».
De facto, a participação do regime do MPLA, através de empresas que ninguém sabe a quem realmente pertencem e que interesses defendem, na comunicação social portuguesa, deveria causar uma enorme preocupação a jornalistas, empresários do sector e cidadãos em geral. Tratou-se (e assim continua) de um investimento que não procura o lucro nem se comove com a liberdade de imprensa. O MPLA (numa “perfeita” simbiose económica e política) comprou apenas e só – o que não é tão despiciendo assim – poder. Primeiro com José Eduardo dos Santos e, depois de 2017, com João Lourenço, a conquista de poder não tem limites éticos.
Esta promiscuidade entre prostitutas e chulos, de um lado e do outro, é – em teoria não comprovável pelos exemplos conhecidos – mau para os dois lados. Para Portugal, porque corresponde à “gangsterização” da sua economia. E para Angola, porque significa um desvio monumental de fundos de um País que tem quase tudo por fazer na melhoria das condições de vida dos seus cidadãos, sendo que hoje “apenas” tem 20 milhões de… pobres. Tudo o que o MPLA compra é, como sempre foi, à custa da miséria do povo. Mas como a fome dos outros não preocupa os portugueses, a orgia continua.
Quando ouvimos os governantes falar, quase todos os dias, da importância de defender a credibilidade das suas instituições públicas e privadas, não deixa de ser interessante vê-los a vender monopólios empresariais, a saldo, ao submundo económico.
Angola é uma poderosa e inesgotável galinha dos ovos de ouro. Mas, nesta promíscua relação com o ditadura de Luanda, Portugal continua a vender a alma ao Diabo, mesmo que lhe chame Deus.
Alguém ouviu Pedro Nuno Santos (PS), Luís Montenegro (PSD), André Ventura (Chega), Rui Rocha (Iniciativa Liberal), Mariana Mortágua (Bloco de Esquerda), Paulo Raimundo (PCP), Rui Tavares (Livre) e Inês Sousa Real (PAN) dizer que 68% da população angolana é afectada pela pobreza, que a taxa de mortalidade infantil é das mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças? Alguém o ouviu dizer que apenas 38% da população angolana tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico?
Alguém ouviu Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro, André Ventura, Rui Rocha, Mariana Mortágua, Paulo Raimundo, Rui Tavares e Inês Sousa Real dizer que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade? Alguém os ouviu dizer que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos?
Alguém ouviu Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro, André Ventura, Rui Rocha, Mariana Mortágua, Paulo Raimundo, Rui Tavares e Inês Sousa Real dizer que 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos? Alguém os ouviu dizer que, em Angola, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos?
Alguém ouviu Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro, André Ventura, Rui Rocha, Mariana Mortágua, Paulo Raimundo, Rui Tavares e Inês Sousa Real dizer que, em Angola, o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder?
Alguém ouviu Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro, André Ventura, Rui Rocha, Mariana Mortágua, Paulo Raimundo, Rui Tavares e Inês Sousa Real dizer que Angola é um dos países mais corruptos do mundo e que tem 20 milhões de pobres?
Ninguém ouviu Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro, André Ventura, Rui Rocha, Mariana Mortágua, Paulo Raimundo, Rui Tavares e Inês Sousa Real dizer qualquer coisa que possa irritar o partido que desgoverna Angola há 48 anos. Dir-se-á, e até é verdade, que esse silêncio é condição “sine qua non” para cair nas graças dos donos do dono do nosso país, até porque todos sabemos que nenhum negócio se faz sem a devida autorização de João Lourenço.
Portugal consegue assim não o respeito mas a anuência do regime para as suas negociatas. Esquece-se, contudo, de algo que mais cedo ou mais tarde lhes vai sair caro: o regime não é eterno e os angolanos têm memória.
Os angolanos da casta superior que dirige o reino há 48 anos (o MPLA) acreditam que se justifica que Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro, André Ventura, Rui Rocha, Mariana Mortágua, Paulo Raimundo, Rui Tavares e Inês Sousa Real agradeçam (mesmo que a despropósito) ao Presidente João Lourenço. Se o MPLA dizia que José Eduardo dos Santos era o “escolhido de Deus”, estes políticos portugueses devem dizer que João Lourenço é o próprio “Deus”. Portanto, por acção ou omissão, eles dizem.
Marcelo Rebelo de Sousa, ao elogiar o “projecto de paz, de democracia, de regeneração financeira, de desenvolvimento económico, de combate à corrupção” protagonizado pelo Presidente do MPLA, João Lourenço, mostrou várias vezes que não sabe o que diz nem diz o que sabe. Mas não está só. Quando se está no Poder todos são bestiais. Quando deixam de estar são, regra geral, bestas. José Eduardo dos Santos que o diga, José Sócrates que o diga.
Todos nos recordamos de, numa intervenção durante um jantar oficial oferecido por João Lourenço, no Palácio Presidencial, em Luanda, Marcelo Rebelo de Sousa saudar como “o vulto cimeiro de um novo tempo angolano”. Não se terá lembrado de o propor para um Prémio Nobel, mas quando “descobrir” que existem 20 milhões de angolanos pobres… vai propor. Justamente, acrescente-se.
“Vossa excelência protagoniza-o com um projecto de paz, de democracia, de regeneração financeira, de desenvolvimento económico, de combate à corrupção, de afirmação regional e mundial. Nós, portugueses, seguimos com empenho essa aposta de modernização, de transparência, de abertura, de inovação, de acrescida ambição”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, bem ao estilo dos sipaios coloniais, mas com uma substancial diferença. Estes eram obrigados a bajular, o presidente português não é obrigado a isso. Ou será que é?
Segundo o Presidente português, João Lourenço protagoniza “um novo tempo angolano, na lúcida, consistente e corajosa determinação de aproveitar do passado o que se mantém vivo, mas, sobretudo, entender o que importa renovar para tornar o futuro mais possível, mais ambicioso e mais feliz para todos os angolanos”.
Continuemos, para memória futura, com o brilhantismo bacoco de Marcelo. Disse ele que, da parte de Portugal, Angola conta com “o empenho de centenas de milhares que querem contribuir para a riqueza e a justiça social” com o seu trabalho, bem como “das empresas, a começar nas mais modestas, no investimento e no reforço do tecido socioeconómico angolano” e também com “o empenho das instituições públicas portuguesas, do Estado às autarquias locais”.
“Podem contar connosco na vossa missão renovadora e recriadora. Portugal estará sempre e cada vez mais ao lado de Angola”, acrescentou Marcelo Rebelo de Sousa, fazendo aqui e mais uma vez o exercício de passar aos angolanos um atestado de menoridade e matumbez.
Portugal, por sua vez, conta com a “incansável solidariedade” de Angola. “Contamos com os vossos trabalhadores, as vossas empresas, as vossas instituições públicas, a vossa convergência nos domínios bilateral e multilateral. Temos a certeza de que Angola estará sempre e cada vez mais ao lado de Portugal”, prosseguiu Marcelo no seu laudatório e hipócrita exercício de servilismo.
De acordo com o Presidente português, este “novo momento na vida de Angola” coincide com “um novo ciclo” nas relações bilaterais. “E nada nem ninguém nos separará, porque os nossos povos já estabeleceram o seu e o nosso caminho”, considerou Marcelo, sentindo o umbigo aos saltos, alimentado pela esperança de que os portugueses não acordem e os angolanos nunca lhe cobrem a cobardia.
“Porque estamos mesmo juntos, na parceria estratégica, na cooperação económica, financeira, educativa, científica, cultural, social e política. Porque no essencial vemos o mundo e a nossa pertença global e regional do mesmo modo, a pensar na paz, nos direitos humanos, na democracia, no direito internacional, no desenvolvimento sustentável, na correcção das desigualdades”, argumentou aquele que, em matéria de bajulação, bateu todos os recordes anteriores, desde Álvaro Cunhal a Rosa Coutinho, passando por Vasco Gonçalves, José Sócrates, António Costa, Cavaco Silva, Passos Coelho e tantos outros.
No final da sua intervenção, de cerca de sete minutos (que entrou para o “Guinness World Records” por ser o que mais bajulação fez em tão curto espaço de tempo), Marcelo Rebelo de Sousa disse que “a história faz-se e refaz-se todos os dias e nuns dias mais do que noutros”, acrescentando: “Estes que vivemos são desses dias”.
Folha 8 com Expresso
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