EXPLOSÃO DE GRANADA QUE ESTAVA NUMA LIXEIRA MATA TRÊS CRIANÇAS

Três crianças morreram e seis ficaram feridas na explosão de uma granada, na província de Luanda, o décimo acidente com explosivos este ano, revelou hoje o director da Agência Nacional de Acção contra Minas.

Segundo Leonardo Sapalo, o acidente foi registado na tarde de terça-feira no município de Cacuaco, atingindo as crianças entre os 2 e 12 anos.

Esta informação foi também confirmada pelo porta-voz da Polícia de Luanda, Euler Matari, avançando que os menores se encontravam a brincar numa lixeira próximo das suas residências, de onde retiraram alguns materiais ferrosos que levaram para casa.

“Em casa, um dos meninos terá puxado a espoleta da granada, que segundos depois deflagrou, ficando seis crianças feridas, destas quatro com ferimentos graves, e três acabaram por perder a vida no local”, disse Euler Matari.

Por sua vez, Leonardo Sapalo referiu que as crianças manusearam indevidamente uma granada de mão, encontrada numa lixeira no bairro Boa Esperança, em Cacuaco.

O director da Agência Nacional de Acção contra Minas referiu que continuam as campanhas de sensibilização sobre o perigo das minas, sobretudo nas áreas de maior contaminação, onde há operações de desminagem, com equipas específicas de educação do risco de engenhos explosivos.

“A verdade é que temos que criar mais dinamismo nesse pilar para que a informação seja cada vez mais abrangente a todos os residentes no nosso território”, frisou.

Em Luanda, é o primeiro acidente este ano, havendo já registos nas províncias da Lunda Norte, Huambo, Cuando Cubango, Cuanza Norte, Cunene e Bié, totalizando dez acidentes com engenhos explosivos.

“Só no primeiro semestre temos o registo de 13 feridos e dez óbitos, maioritariamente crianças, os que mais brincam com esses artefactos, bem como adolescentes que fazem a recolha de material ferroso para casas de peso”, salientou.

Relativamente às acções de desminagem no país, Leonardo Sapalo disse que esta tarefa continua “com intensidade reduzida”, porque diminuíram as ajudas financeiras.

“Há esforços grandes para a mobilização de recursos financeiros no sentido de revertermos a situação de existência ainda de áreas conhecidas como contaminadas com engenhos explosivos, esse esforço vem sendo feito para o país ganhar nova dinâmica”, frisou.

De acordo com o responsável, o país tem o registo de 1.039 áreas com 70 milhões de metros quadrados por desminar, uma situação que com a mobilização de recursos financeiros nacionais e internacionais “pode ser revertida imediatamente”.

Leonardo Sapalo declarou que o país tem disponíveis recursos humanos e materiais, mas precisa de mobilizar recursos financeiros no total de 238 milhões de dólares (219,5 milhões de euros), para, pelo menos 85% das áreas conhecidas ficarem livres de minas, num espaço de dois anos e meio.

As áreas contaminadas compreendem as províncias do Cuando Cubango, Moxico, Bié, Cuanza Sul, Lunda Norte, Lunda Sul, Bengo e Cabinda, havendo algumas regiões que gradualmente vão ficando limpas, como o Huambo, “que está praticamente em fase de conclusão”, Uíje, Zaire e Cuanza Norte.

Continuam a ser os maiores parceiros financeiros de Angola, os Estados Unidos, Reino Unido, Bélgica, Noruega e o Japão.

“Esses ainda estão mesmo connosco. Em termos de actores directos internacionais temos a destacar a The Halo Trust, a Ajuda Popular da Noruega, a MAG e a APOPO, sendo a nacional a Apacominas, que tem merecido apoio do Japão, estando em contactos avançados com a Bélgica para aprovação de propostas”, disse.

Também o Governo angolano diz estar engajado para ter operacionais as brigadas de desminagem do centro nacional de desminagem das Forças Armadas Angolanas, para desencadear uma operação para a eliminação de áreas identificadas.

Leonardo Sapalo observou que são investimentos avultados e o processo é complexo devido à multiplicidade de actores envolvidos no período de guerra em Angola.

Este mês, o director executivo da Halo Trust, James Cowan, descobriu a pólvora ao dizer que Angola “tem de ser ver livre das minas” para desenvolver o ecoturismo e a agricultura e promover a diversificação económica no Corredor do Lobito,

O director executivo da Halo Trust, que se apresenta como a maior e mais antiga organização de desminagem do mundo, esteve em Luanda e afirmou: “Viemos fazer uma avaliação dos progressos e encorajar os nossos parceiros e doadores a continuarem a financiar o nosso trabalho”.

E afirmou muito bem. Quanto mais tempo demorar a concluir o processo de desminagem, mais tempo (em princípio) a torneira financeira continuará aberta.

Operando em 30 países, a Halo Trust celebrizou-se em 1997 quando a princesa Diana foi a Angola e caminhou num dos seus campos minados, no Huambo, para chamar a atenção do mundo para o problema, passos que foram seguidos 20 anos mais tarde pelo seu filho Harry numa visita ao mesmo local.

A Halo Trust está em Angola desde 1994 e já destruiu mais de 118.000 minas terrestres, em mais de 1.050 campos minados, numa área equivalente a 41 quilómetros quadrados, sobretudo nas áreas rurais, operando actualmente em seis das 18 províncias de Angola: Luanda, Huambo, Bié, Namibe, Huíla e Cuando Cubango.

A dimensão do país é, a par do financiamento, outro dos grandes desafios para a operação da Halo Trust. “É um país enorme e com minas em todo o lado”, enquanto noutros países como a Ucrânia, Zimbábue ou Camboja, as minas estão circunscritas a determinadas áreas, indicou o responsável da Halo Trust.

“O nosso trabalho é limpar todo o país, mas a questão da distância cria desafios logísticos, alguns dos lugares onde trabalhamos, no sudeste do país, na área do Okavango (rio Cubango) são extremamente remotos, as estradas estão em mau estado, é muito exigente para os veículos e para as próprias equipas”, salientou.

James Cowan lembrou também que Angola viveu conflitos durante décadas, primeiro lutando pela independência contra o regime colonial português e depois numa longa guerra civil em que enfrentou também intervenções estrangeiras da África do Sul, Cuba e União Soviética, que deixaram o país semeado de diferentes tipos de minas.

“Isso significa que os nossos funcionários têm de ser tecnicamente muito especializados, algumas destas minas são das mais perigosas do mundo”, referiu, sublinhando que a desminagem é (desde que haja quem pague) uma prioridade para o Governo angolano, que tem investido muito nestas actividades nos últimos anos.

A Halo Trust obteve em 2019 um contrato de 60 milhões de dólares para um período de cinco anos que termina no próximo ano e procura agora um novo contrato com verbas reforçadas e prazo mais alargado.

“Se o país quer diversificar a sua economia, quer recuperar a agricultura, quer construir o Corredor do Lobito – que não é apenas um caminho-de-ferro, atravessa as comunidades – se quer investir no ecoturismo, e desenvolver esta capacidade como o Botsuana, não se pode ter minas terrestres. Botsuana não tem minas. A Zâmbia não tem minas. A África do Sul não tem minas. Moçambique não tem”, apontou.

“Se não nos livrarmos dessas minas, não haverá confiança”, insistiu o director da Halo Trust, dando o mote à sua tese, plagiada de La Palice, de que antes de morrerem todas as pessoas estavam… vivas.

O extenso Corredor do Lobito, via-férrea que se inicia no terminal do Lobito e atravessa Angola percorrendo cerca de 1.300 quilómetros até à fronteira com a República Democrática do Congo, atravessa vários campos minados, segundo o responsável da Halo Trust, que identificou estas áreas como prioritárias.

Em todo o país subsistem cerca de mil campos minados e a Halo Trust está focada em zonas onde se concentra a população ou existe necessidade económica, tornando as áreas seguras para a prática agrícola. Ao longo dos anos, a Halo Trust limpou mais de 5.500 quilómetros de estradas nacionais e emprega cerca de 1.600 trabalhadores angolanos nas brigadas de desminagem.

Parte desta força de trabalho é feminina. São cerca de 900 mulheres, muitas delas responsáveis pelos seus agregados familiares que conseguem assim sustentar as suas famílias e seguir uma carreira.

“É um investimento nelas e um benefício para os seus filhos”, realça James Cowan, declarando-se “muito orgulhoso” do sucesso destas mulheres.

Os “desminadores” são treinados por equipas da Halo Trust e aprendem a distinguir entre os diferentes tipos de minas, avaliando a proximidade à superfície, idade, quantidade de metal, usando detectores sofisticados.

A Halo Trust está também a investir noutro tipo de tecnologias mais avançadas, incluindo veículos robóticos e drones e até inteligência artificial para “varrer” as imagens aéreas e de satélite fornecidas pelos drones.

“Se ensinarmos as máquinas a identificar as minas, podemos fazer a desminagem de forma mais rápida. Estamos focados na tecnologia para tornar os nossos sistemas mais rápidos e mais seguros”, sublinhou James Cowan, indicando que o risco de acidentes é muito baixo.

O maior risco, acrescentou, é não fazer a desminagem. Deixar a mina no terreno representa risco para os civis e para as espécies animais, por isso grande parte trabalho da Halo é fazer a chamada educação para os riscos, sensibilizando as comunidades.

“Estamos empenhados em ter o mínimo de acidentes possível, há sempre alguns, o último foi em maio, felizmente não matou ninguém, mas tentamos aprender as lições para perceber o que correu mal”, afirmou.

Quanto às minas, são destruídas ou usadas com fins demonstrativos na formação, depois de ser retirado (quem diria, não é?) o explosivo.

Quanto à Halo Trust, depois de terminar o trabalho e desmobilizar as equipas locais, está também apostada em deixar competências aos trabalhadores que os tornem mais qualificados para encontrar emprego noutros sectores, como motoristas, mecânicos, operadores de rádio ou gestores de informação, assegurou James Cowan.

Angola, nas mãos do MPLA há 49 anos, deverá falhar o prazo para limpar todo o seu território de minas antipessoal, previsto para 31 de Dezembro de 2025, estima o relatório “Landmine Monitor 2023”, divulgado em Genebra. Anormal seria se, para além do aumento exponencial de pobres, o MPLA cumprisse com algum dos seus compromissos.

De acordo com o estudo anual da Campanha Internacional para Banir as Minas Terrestres, sedeada na cidade suíça, Angola limpou em 2022 um total de 5,87 quilómetros quadrados e destruiu 3.342 engenhos explosivos (contra 5,91 quilómetros quadrados limpos em 2021 e 3.617 minas destruídas), registos muito abaixo dos 17 quilómetros quadrados de libertação anual de terras prevista no seu plano de desminagem.

“A libertação anual de terras de Angola desde 2019 tem sido inferior à libertação anual de terras projectada de 17 quilómetros quadrados, detalhada no seu plano de trabalho para 2019-2025”, aponta o relatório.

“Angola declarou que está a envidar todos os esforços para cumprir o seu prazo” actualmente estabelecido para a limpeza total do seu território – 31 de Dezembro de 2025 -, mas “acredita-se que conseguirá realisticamente concluir a desminagem dos campos de minas conhecidos até 2028, com a possibilidade de alargar o prazo até 2030, dependendo da disponibilidade de fundos”, sublinha o estudo.

Angola foi ainda o 13º país que mais assistência financeira internacional recebeu em 2022, cerca de 12 milhões de dólares (11,24 milhões de euros), e um total 54,9 milhões de dólares (51,4 milhões de euros) entre 2018 e 2022, montante que a coloca em 15º lugar no ranking dos países mais apoiados.

Angola (é claro!) não forneceu qualquer informação sobre a sua contribuição nacional em 2022 para o seu programa de desminagem, embora apoie financeiramente a Agência Nacional de Acção contra Minas (ANAM). O governo angolano é também o maior doador da Fundação Halo Trust.

Folha 8 com Lusa
Foto: Arquivo

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